Para um balanço da política de segurança
pública (local, regional e/ou nacional), via de regra utilizam-se indicadores
de criminalidade: quais crimes aumentaram e quais caíram num determinado espaço
e tempo. E se produz uma análise a respeito da variação desses indicadores.
Esse tipo de apreciação tem um
valor muito relativo. Porque, entre outras questões, a criminalidade é sazonal;
os indicadores refletem realidades conjunturais e escondem uma série de ações e
omissões das agências públicas no enfrentamento do fenômeno. Ou seja,
indicadores em baixa num determinado momento e local não significam,
necessariamente, melhorias objetivas e duradouras da segurança pública; o
contrário também é verdadeiro.
Para uma análise mais profunda e
sistêmica da violência e da criminalidade é preciso discutir as causas desses
fenômenos e como está estruturado o sistema de prevenção e combate aos crimes. Somente
assim, poderemos entender porque a violência estrutural e cultural são
características históricas e persistentes em nossa sociedade (há séculos). E,
entra ano, sai ano, com pequenas alterações aqui e acolá, as múltiplas
manifestações da violência persistem e as soluções efetivas para o
enfrentamento do problema sequer são pautadas.
Nesse sentido, se lançarmos nosso olhar para indicadores em períodos mais ampliados perceberemos que, apesar de mudanças pontuais num ou noutro local ou num determinado período, convivemos com absurdos índices de violência e de crimes, naturalizados pelos governos e pela sociedade.
Em primeiro lugar é preciso
reconhecer que enquanto não se processarem profundas reformas nos sistemas de
segurança pública e de justiça criminal brasileiros não daremos um salto
qualitativo em termos de arrefecimento da violência e promoção da paz no Brasil.
Tais sistemas, que não foram reformados no processo de redemocratização, estão
totalmente obsoletos, mesmo na realidade atual de uma democracia de mentirinha (ou
de baixíssima intensidade, para agradar os conservadores).
Soa hipocrisia, inclusive, falar de segurança pública quando o poder central está nas mãos de grupos de desqualificados que governam a Nação. Alguns dos membros desses grupos, amalgamados nos três poderes da república, são identificados como pertencentes a grandes organizações criminosas. Portando, como combater o crime, quando o crime nos governa?
Como se não bastasse essa
situação vergonhosa, é preciso constatar que os sistemas de segurança pública e
justiça criminal são reativos, seletivos, altamente insulados e corporativos. Funcionam
quase como um estado paralelo dentro do dito "Estado democrático e de direito". Tratam
do fenômeno do crime com imensa discricionariedade, privilegiando alguns
segmentos sociais em detrimento de outros.
Basta analisarmos os indicadores
de crimes em quaisquer cidades médias ou grandes do nosso estado ou país. Numa mesma
cidade, há ilhas de segurança, tranquilidade e conforto e espaços altamente
violentos. As polícias e a justiça atuam nesses espaços de forma a protegerem
alguns segmentos e criminalizarem outros.
Trata-se da velha história da
Casa Grande e da senzala: o malvado e perigoso é sempre o pobre e o preto da
favela; os usuários de drogas pobres e os microtraficantes da periferia. O rico
e o branco podem até transportar o "bagulho" em altas quantidades em helicópteros...
e isso não é problema paras as polícias e para a justiça.
Ademais, a insegurança pública
gera muitos dividendos políticos e econômicos. A indústria da segurança privada
é uma das que mais faturam no país. E, apesar de reclamarem o tempo todo da
insegurança, os ricos e os segmentos da classe média têm alto poder de vocalização
de suas demandas; por isso, seus apelos são visibilizados pela mídia empresarial
e, em contrapartida, são os favorecidos, porque podem pagar por segurança
privada e, se precisarem, têm as salvaguardas dos sistemas públicos de
segurança e de justiça.
Por outro lado, aqueles segmentos
sociais que mais precisam de um aparato público de proteção e de justiça são os
mais vitimizados pelo modelo inquisitorial, reativo e seletivamente vingativo
dos sistemas de segurança e justiça.
Há muitos bons policiais, promotores e juízes. Mas, institucionalmente, as elites das polícias, do MP e do judiciário estão mais preocupadas com disputas interinstitucionais e na defesa dos privilégios corporativos do que com a efetividade de tais instituições.
Em Minas, por exemplo, não
obstante o aumento exponencial dos investimentos em segurança pública na última
década, quando vivíamos tempos de vacas gordas, observamos a persistência de
indicadores de crimes ruins se compararmos com sociedades democráticas. É claro
que se a comparação for com outros estados da federação, parece que estamos em
situação confortável. Essa percepção equivocada é sustentada por interesses
corporativos, governamentais e por uma mídia que não consegue enxergar para
além das nossas montanhas e que tem parte de sua audiência e seu faturamento no
sensacionalismo da cobertura sobre o cotidiano da violência.
Junte-se a tudo isso o fato de
que os governantes, nos três poderes do Estado e nos três níveis de governo,
não têm disposição para enfrentar as históricas mazelas dos sistemas de
segurança e justiça. Preferem a condição de reféns das corporações policiais e
judiciárias a efetivarem reformas substantivas que alterem as práticas
equivocadas, autoritárias e discricionárias desses sistemas. Ou, quando os
indicadores de crime viram manchete, encenam um jogo de empurra: municípios
apontam o dedo para o estado; que aponta o dedo para a União; que devolve para
os estados e municípios. Polícias culpam o MP e Justiça. A justiça culpa as
polícias e o sistema prisional. Guardas municipais culpam as polícias que
culpam a justiça e... assim “a nave vai”.
Por isso, entra ano, sai ano,
observamos alterações pontuais nos indicadores de crimes. E, mesmo nos locais
onde esses índices são considerados baixos, basta uma rápida comparação com países
verdadeiramente democráticos que chegaremos à triste conclusão: vivemos e
convivemos com o caos seletivo na segurança, na justiça, nas prisões...
Acontece, que esse caos, como dito anteriormente, beneficia uns, apesar de prejudicar a maioria dos brasileiros. Talvez, por isso, apesar do estardalhaço geral, os sistemas de segurança e de justiça não são reformados. Repetimos: alguns ganham com esse caos.
No Brasil, a justiça e as polícias
sempre protegeram a Casa Grande. E a senzala sempre foi tratada como cidadania
de segunda ou terceira categorias.
E, enquanto persistir esse modo
de funcionamento de uma sociedade estruturalmente injusta, desigual e violenta,
as discussões sobre segurança e justiça se limitarão a indicadores que variam
de acordo com circunstâncias, de forma pontual e para esconder interesses
inconfessáveis.
Porém, uma análise mais profunda
dos indicadores de crimes no Brasil - desde a chamada redemocratização –
confirma: vivemos numa sociedade que naturalizou a violência estrutural e
cultural porque as vítimas são, majoritariamente, pobres e negros; os governos
ditos democráticos não adequaram os sistemas de segurança pública e justiça a
uma ordem verdadeiramente democrática; tais sistemas protegem alguns segmentos
em detrimento de outros e produzem lucros para alguns, vitimizando a maioria
dos brasileiros.
(OBS: Didaticamente, optei por fazer uma distinção entre sistema de segurança pública e sistema de justiça criminal. A rigor, o sistema de justiça criminal contempla também a segurança pública).
(OBS: Didaticamente, optei por fazer uma distinção entre sistema de segurança pública e sistema de justiça criminal. A rigor, o sistema de justiça criminal contempla também a segurança pública).
O interessante é que na hora de comentarem uma política de segurança publica, os especialistas ficam de fora!
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