São muitos os cronistas e
analistas políticos que têm afirmado: o julgamento de Lula, no TRF4, será,
simbolicamente, o julgamento do poder judiciário brasileiro.
Os que conhecem nosso sistema de
justiça, principalmente sua vertente criminal, sabem que o poder judiciário
sempre foi serviçal dos poderosos e do capital. Segundo um estudo do eminente
professor emérito da USP, Fábio Konder Comparato, sobre o judiciário brasileiro,
“um poder submisso às elites, corrupto em sua essência e comprometido
com a injustiça.” Leia aqui.
Historicamente, as vítimas desse sistema são os pobres, os negros, as minorias vulneráveis e os inimigos de ocasião. Os órgãos judiciários e policiais, sempre parceiros, são instrumentos de controle social e político, tudo devidamente regulado nos marcos do incensado estado democrático e de direito.
Desde a proclamação da república
(um golpe que teve entre seus mentores os bacharéis), foi-se solidificando uma
casta jurídica no Brasil. Com a
Constituição Federal de 1988, um imenso lobby
da “alta” advocacia (dominada pelas elites) conseguiu consolidar a casta bacharelesca
- formada pelas poderosas bancas de advogados, por promotores, juízes e
policiais graduados em direito – que foi alargando seus domínios na máquina
estatal, via concurso. Nos últimos anos, essa casta, sobrepujando os outros
poderes (via chantagem ou através da persecução criminal seletiva) passou a
dominar o Estado. É o que denominamos de juristocracia.
Trata-se de um estamento paralelo
ao estado dito democrático, que controla o poder judiciário de cabo à rabo. A
grande maioria dos juízes, desde a primeira instância até os tribunais
superiores, são os filhos das elites; o mesmo se repetindo nos ministérios
públicos e nas cúpulas das polícias, salvo raríssimas exceções. São os homens
brancos, de classe média e os ricos. Uma foto do Tribunal de Justiça de São
Paulo, de 2015 (aqui)
explicita esse perfil socioeconômico, étnico, geracional e de gênero do
judiciário brasileiro.
Essa república dos bacharéis é defendida com unhas e dentes pela mídia empresarial e pelos segmentos mais conservadores, inclusive da Academia, um dos setores de formação da opinião mais colonizados do país – que fornece os “especialistas” para, sob a aura da ciência, dizer o que certo ou errado à sociedade.
A estrutura judicial brasileira serve
para garantir privilégios de classe, operar discricionariamente a aplicação da
lei, perseguir inimigos (bodes expiatórios geralmente construídos pela mídia),
proteger interesses econômicos dentro e fora do aparelho do estado, operar a
favor do capital e contra os interesses públicos. Tudo sob o manto da lei, essa
invenção liberal-democrática-burguesa usada, também, como armadilha para
ludibriar o povo, à medida que a igualdade de direitos é mera convenção
retórica em nosso país.
A lei, no Brasil, é uma dádiva
para os ricos e para os membros da classe média. Para os demais, salvo
exceções, é açoite. Como nesse país nunca tivemos um estado de bem-estar
social, a lei é instrumento de salvaguardas para 30% dos brasileiros.
Aqui, temos 1.200 cursos
superiores de direito. Todo o restante do mundo tem 1.100 cursos. Não
obstante, somos um país cujo acesso à justiça está limitado à classe média e a
quem pode pagar um advogado. Enquanto
isso, a fábrica de formar bacharéis de direito funciona a todo vapor. Trata-se
de excelente negócio.
Qualquer cidadão brasileiro sabe que nossa justiça é injusta; que o poder judiciário é elitista, hermético e antidemocrático; que as leis são operadas para favorecerem uns em detrimento de outros.
Ressalvamos a valorosa e
combativa empreitada de muitos operadores do direito que, à revelia da casta,
têm tentado, a todo custo, pautar suas ações dentro dos princípios republicanos
e democráticos, inclusive sendo excluídos de instituições, agremiações e da
mídia empresarial e venal. Apesar de formarem um contingente numericamente
maior, esses grupos de advogados são minoritários quando se trata do controle
do poder da corporação. Reconhecemos, também, algumas entidades de advogados
populares e setores da justiça e do MP que lutam por uma democratização do
judiciário e por uma república de fato.
É dentro desse contexto que
devemos analisar o julgamento do ex-presidente Lula, pelo TRF4. Tal julgamento
mostrará para o mundo o que já é conhecido da maioria dos brasileiros. Uma
justiça seletiva que usa métodos medievais contra uns e protege
desavergonhadamente outros.
Um processo que, desde sua
origem, é fragrantemente político. Um
julgamento que caminhou ao longo dos anos, na primeira instância, com o único
objetivo de condenar Lula e expurga-lo, juntamente com o PT, da disputa
eleitoral. Um enredo que contou com a conivência de grande parte do sistema de
justiça que, amalgamado atualmente aos poderes executivo e legislativo, colabora
estrategicamente na empreitada golpista.
O grampo ilegal da presidenta
Dilma, autorizado por Moro (o juiz que fez acordos de cooperação com os Estados
Unidos burlando a Constituição – que não concede essa prerrogativa a juiz de
primeira instância) e divulgado em rede nacional, acatado covardemente e com
cumplicidade pelo STF, já sinalizava que a perseguição a Lula se tratava de um
processo de exceção.
Depois da criação do “domínio de
fato à brasileira”, sob os arroubos de Joaquim Barbosa, criou-se agora mais uma
figura esdrúxula do direito persecutório brasileiro: o “domínio de fato da
posse”. Ou seja, sem nenhum documento que comprove a posse do imóvel, objeto do
processo criminal, o ex-presidente terá, muito provavelmente, a sentença de
Moro confirmada pelo Tribunal Federal da Quarta Região. Sendo que num juízo,
Lula já foi condenado sem provas; noutro, de Brasília, o mesmo imóvel é
penhorado como sendo da construtora OAS. É o judiciário “casa da mãe Joana”, made in Brazil, com “z”. Com todo o
respeito à mãe Joana.
Aliar-se ao judiciário sempre foi o melhor recurso das elites e, atualmente, é o melhor negócio dos golpistas para se manterem no poder. Afinal, as elites nacionais e os detentores do capital rentista sabem que o povo, com erros e acertos, pode alterar os poderes originários através das eleições.
Portanto, para os poderosos, que só têm compromissos com uma república de faz-de-contas, que se lixem as aparências democráticas e que o judiciário dê as cartas do jogo.
Neste país, o poder responsável
pela aplicação da lei é o primeiro a usurpá-la, à medida, por exemplo, que seus
quadros recebem salários estratosféricos, acintosos numa sociedade na qual 70%
dos brasileiros ganham até três salários mínimos e, como se não bastasse tal
disparate a denunciar as estruturas corruptas que sustentam essa sociedade,
ainda faturam acima do teto constitucional, com proventos maquiados através de
penduricalhos legais. Ou seja, a lei no Brasil é como terno de ocasião: feita à
medida para determinados demandantes.
O poder judiciário que,
lamentavelmente, já não goza de respeito e consideração por parte da maioria
dos brasileiros, salvo daqueles que são protegidos por ele, passará a ser
objeto de escárnio da comunidade internacional que, cada vez mais, tem
considerado que o golpe ocorrido no Brasil não foi somente uma ruptura arquitetada
pelo Congresso dos corruptos à serviço de negócios externos, mas é
fundamentalmente um rapto do judiciário a serviço de interesses inconfessáveis.
Segundo o supracitado professor Comparato, “interesses norte-americanos estão nos bastidores do movimento de ataque ao lulismo, que resultou na derrubada do governo de Dilma Rousseff.
Segundo o supracitado professor Comparato, “interesses norte-americanos estão nos bastidores do movimento de ataque ao lulismo, que resultou na derrubada do governo de Dilma Rousseff.
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