Condenar,
questionar, não aceitar e lutar contra o impeachment
não é, necessariamente, defender a presidenta Dilma Rousseff ou o governo
do PT. Fundamentalmente, é lutar pelo respeito às regras mais basilares da
democracia e posicionar-se contrariamente às investidas daqueles que burlam
descaradamente o resultado das urnas. Respeito à duração dos mandatos é um dos requisitos
mínimos de qualquer definição de democracia ou discussão sobre sua qualidade.
Às
vésperas do desembarque dos usurpadores, que não foram eleitos e querem
governar, é preciso refletir, também, sobre os interesses externos nesse
malfadado golpe.
Até parece que ficou démodé problematizar acerca dos interesses alienígenas no Brasil em
pleno século XXI. Quem ousa tocar no tema é logo rotulado de defensor de
teorias conspiratórias; às vezes, de saudosista ou messiânico, a depender dos
gostos e ideologias dos interlocutores. Mas, qualquer analista atento já
percebeu que, para além das coalizões conservadoras que articulam e implementam
o golpe no Brasil (veja aqui), há evidentes interesses externos numa desestabilização
econômica, política e social do país para que os grupos autóctones, de
mentalidade colonial, retomem seu histórico reinado nestas plagas, a serviço
dos velhos interesses exógenos.
É claro
que as revelações da espionagem norte-americana (que atingiram a Petrobras e explicitaram
os interesses externos nas reservas do pré-sal, não poupando sequer a chefe de
estado e de governo, a presidenta Dilma), como revelou Edward Snowden, deixaram
transparecer para o mundo o submundo da política externa dos EUA. Com a velha e
esfarrapada justificativa de garantir a paz e o equilíbrio geopolítico mundial,
os americanos, criminosamente, espionam governos, empresas e líderes políticos
sem o menor escrúpulo e ao arrepio da legislação internacional, que garante
independência e salvaguardas aos governos e aos interesses das Nações. Os EUA
continuam se postando como os “cães de guarda” do capitalismo internacional e
não poupam atos criminosas para se manterem na dianteira do jogo de disputas
entre as nações, a qualquer custo. A política externa americana se baseia na
máxima: os fins justificam os meios. Por isso, não têm o mínimo pudor: invadem
países, furtam informações privilegiados de estados nacionais e empresas, promovem
guerras não autorizadas pela ONU, como é prática de qualquer império bárbaro. Por
que descuidariam de suas “colônias americanas”?
O
cientista político e historiador Luiz Alberto Moniz Bandeira, autor de “A
segunda Guerra Fria – geopolítica e dimensão estratégica dos Estados Unidos” (Civilização
Brasileira, 2013) trouxe detalhes, por exemplo de como agem os EUA na
desestabilização das nações, via mídia. (Aliás, outros estudos já apontaram essa
mesma tática na empreitada norte-americana junto ao golpe civil-militar de 1964).
Além da CIA, especialmente as ONGs financiadas pelo dinheiro oficial e
semioficial como a USAID, a National
Endwoment for Democracy, entre outras, atuam comprando jornalistas e
treinando ativistas na América Latina. O The
Pentagon´s New Map for War & Peace enuncia as formas de
desestabilização econômica e social através dos meios de comunicação, jornais,
redes sociais, empresários e infiltração de ativistas. “Não tenho dúvida de que
no Brasil os jornais estão sendo subsidiados (...) e que jornalistas estão na
lista de pagamento dos órgãos citados acima e muitos policiais e comissários
recebem dinheiro da CIA diretamente em suas contas”, afirmou Luiz Alberto Moniz
Bandeira. (veja aqui).
Ademais,
em tempos de pujança da economia da China, a política externa do Tio Sam, com a
ajuda dos serviçais autóctones, não mede esforços para manter o domínio
colonial no seu “quintal latino-americano”. Adolfo Perez Esquivel, Nobel da Paz
em 1980, em passagem pelo Brasil nesses dias, deixou claríssimo:
“Pelo
trabalho que realizo, sempre olho para a realidade de um país da América Latina
sob a perspectiva de uma visão continental. Não há casualidades em tudo o que
está acontecendo agora contra o governo de Dilma. Isso faz parte de um projeto
de recolonização continental. Já houve experiências piloto no continente que
devem ser lembradas. A metodologia é a mesma. O que aconteceu em Honduras, com
a derrubada de Manuel Zelaya, e depois no Paraguai, contra o governo de
Fernando Lugo, foram ensaios de golpes de Estado de um novo tipo. Golpes de
Estado que não necessitam dos exércitos. Basta ter os meios de comunicação,
alguns juízes e dirigentes políticos da oposição para provocar a
desestabilização de um governo. (...). É uma política dos Estados Unidos, que
nunca abriu mão de seu objetivo de ter a América Latina como seu quintal. A
política norte-americana nos golpes em Honduras e no Paraguai ficou muito
clara. É preciso ter em mente que os Estados Unidos e também a Europa estão
esgotando seus recursos e necessitam dos recursos naturais de nossos países,
incluindo recursos minerais estratégicos e os recursos do Aquífero Guarani, uma
das grandes reservas mundiais de água, um bem cada vez mais escasso. Então, não
são pequenos os interesses dos Estados Unidos na região. Não é por outra razão
que eles mantém bases militares na América Latina.” (Entrevista concedida ao
Sul21, em 02/05/2016).
Ainda sob
o ponto de vista da geopolítica internacional, a tática norte-americana de
desestabilização de governos, domínio da opinião pública e erosão dos
movimentos socais foi utilizada tanto no enfraquecimento da “primavera árabe”,
quando nas insurreições populares no Oriente Médio. Como afirmou o filósofo e sociólogo senegalês
Gilbert Achcar, professor da Universidade de Londres, quando esteve no
Brasil, em 2011, os EUA
tentam compensar seu enfraquecimento nas regiões onde sempre dominou, buscando
construir novas alianças. E sabemos como são e funcionam essas “novas
alianças”. As recentes visitas do tucano Aloysio Nunes aos EUA, como emissário
de Temer, e sua confissão de que “já existe algo sendo esboçado” (veja aqui) entre os EUA e o Brasil depois do impeachment é uma das evidências do complô.
Na
América Latina e, no Brasil (a bola da vez), a estratégia dos EUA, em conluio
com as elites, a imprensa e o judiciário locais consiste em desestabilizar os
governos progressistas, alinhando-os às maquinações do capitalismo rentista
internacional, ou derrubá-los por vias transversas.
É neste
contexto que observamos, também, um recrudescimento das direitas em várias
partes do mundo a partir dos próprios EUA, com Donald Trump, por exemplo, e da
Europa (veja o artigo de Marcello Musto, da Carta Maior, aqui>.
Nesse
novo rearranjo do capitalismo internacional, cada vez mais concentrador e
oligopolizado, ressaltamos que na América Latina está se fechando um ciclo de
governos progressistas que elevaram o nível de vida dos mais pobres e ampliaram
a democracia de fato (para além da democracia de direito). Agora, esses
governos estão sendo devastados por uma onda direitista, de viés conservador,
elitista e, em alguns casos, fascista, que já triunfou na Argentina e está
pressionando todos os países sul-americanos. É importante lembrar que, como
ocorreu na Europa, uma vez que a democracia liberal e sua ortodoxia econômica
mostraram uma gritante fraqueza e falta de decisão diante do aprofundamento da
crise econômica nos anos 1920 e 30, a população se radicalizou e clamou por
mudanças e ação. Foi neste contexto que os radicais de direita tomaram o poder.
Mera coincidência?
Obviamente,
as aventuras norte-americanas na América Latina têm fôlego porque coalizões
nacionais, entre elas os grandes empresários brasileiros (que surfaram nos bons
ventos da economia sob Lula), agora querem voltar ao nível de ganho que tinham
sob as políticas neoliberais, naqueles tempos pouco memoráveis de FHC. Não é à
toa e nem por acaso que, não obstante a sonegação fiscal no Brasil estar na casa
de 500 bilhões de reais por ano, segundo o Sindicato Nacional dos Procuradores da
Fazenda Nacional, são justamente os setores empresarial e comercial que
patrocinam o golpe contra Dilma. As federações das indústrias, alavancadas pela
Fiesp do pato amarelo plagiado, as federações do comércio (principalmente de
São Paulo), a Associação Brasileira da Indústria Eletrônica e Eletrodomésticos,
entidades e conglomerados empresariais de outros estados estão em campanha
aberta pelo impedimento e pelo fim do tipo de democracia social implantada por
Lula-Dilma, como lembrou Leonardo Boff em artigo publicado no JB on line. Falou-se, inclusive, de uma
ação direta dessas entidades no “convencimento” dos deputados federais. Com
este Congresso, precisava?
Noam
Chomski (intelectual e ativista político, um ferrenho crítico da política
internacional desde os anos 1960, em particular crítico dos Estados Unidos, o
qual acusa de desenvolver um programa de globalização imperial, com sérias
consequências para a cidadania planetária) tem advertido que os EUA não toleram
as investidas do Brasil para se tornar uma potência no Atlântico Sul. Causa
arrepio aos norte-americanos as articulações em torno dos BRICS, por exemplo,
assim como a presença crescente da China, seu principal rival econômico, pelos
vários países da América Latina, especialmente no Brasil. Portanto, uma forma
de inviabilizar as articulações sul-sul, patrocinadas pelos BRICS, é
enfraquecer o Brasil, que além de uma potência regional exibe, também, uma
riqueza natural que nos coloca em destaque no cenário das disputas mundiais.
Aqui,
entram claramente os interesses no pré-sal e no aquífero Guarani, uma das maiores
reservas de água doce do mundo. Tanto os Estados Unidos como a Europa estão
esgotando seus recursos naturais pelo insano modelo de consumo e necessitam dos
recursos naturais e minerais estratégicos, como as grandes reservas mundiais de
água. Em relação ao pré-sal, o sociólogo da Uerj, Adalberto Cardoso, cujas
pesquisas incluem temas da sociologia do trabalho sociologia urbana, numa
entrevista à Folha de S. Paulo, de 26/04/2015, afirmou:
“Seria
ingenuidade imaginar que não há interesses internacionais e geopolíticos de
norte-americanos, russos, venezuelanos, árabes. Só haveria mudança na Petrobras
se houvesse nova eleição e o PSDB ganhasse de novo. Nesse caso, se acabaria o
monopólio de exploração, as regras mudariam. O impeachment interessa às forças que querem mudanças na Petrobras:
grandes companhias de petróleo, agentes internacionais que têm a ganhar com a
saída da Petrobras da exploração de petróleo. Parte desses agentes quer tirar
Dilma."
Precisa
desenhar?
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