terça-feira, 12 de abril de 2016

Quanto vale um voto?

Num artigo esclarecedor, Luiz Gonzaga Belluzzo e Gabriel Galípolo demonstram que nas democracias contemporâneas, inclusive nos Estados Unidos da América – a democracia mais decantada em prosa e verso – o que define a política é o dinheiro. Muitas vezes, o dinheiro sujo. O que está por detrás das disputas são grupos poderosíssimos que dominam o estado para usurpar os bens públicos e coletivos.

Leia o artigo, “o preço do voto”.

A impotência política tem origem na ocupação do estado e de seus órgãos reguladores pelas tropas dos interesses corporativos

por Luiz Gonzaga Belluzzo e Gabriel Galípolo, em Carta Capital


Ilustração: Minimorgan/ Foto: IstockPhoto

Contra o poder do dinheiro, a redefinição de conceitos e práticas

A deliberação do PMDB de desembarcar do governo Dilma Rousseff promete tornar o fim de março mais uma vez decisivo para a história do País. Há dúvidas se esse desenlace será capaz de nos oferecer o final redentor prometido pelos “analistas” da televisão.

Hoje há grande espaço na mídia aos que se atiram a deduções otimistas quanto à qualidade do debate político, classificando os frequentes apelos para o impedimento da presidenta eleita como “avanço democrático”. Aos adeptos da “democracia de resultados”, cabem a ironia e o ceticismo de Machado de Assis em Quincas Borba: no fim da batalha à tribo dos intolerantes midiáticos nada sobrará além das batatas. Batatas assando. 

A polarização e o discurso de ódio não são um fenômeno nacional. Donald Trump, o candidato que segundo Martin Wolf tornou dizível o impensável, simboliza o tipo de personalidade e valores cultuados hoje em dia. Depõe especialmente contra a sociedade contemporânea que seja significativamente mais fácil reunir indivíduos contrários a uma opinião do que a favor. A revista alemã Der Spiegel adverte: podemos estar diante de “uma era na qual serão cada vez mais fortes aqueles que não oferecem qualquer solução, os que só oferecem rejeição e medo”. 

A divulgação das listas da construtora Odebrecht expõe a fratura sofrida pelo sistema político-partidário, provocada pela reiteração do emprego sistemático dos métodos de financiamento das campanhas eleitorais. Partidos que no início da redemocratização detinham agendas programáticas identificáveis se perderam em projetos de poder, transformando-se em massas amorfas de políticos que se unem por conveniência eleitoral e exclusão. Sou desse partido, pois sou contra aquele, a partir de estratégias de “mercado”, como o sabão em pó que lava melhor o colorido em contraposição ao que lava mais branco. 

As mais recentes delações e listas, a envolver praticamente toda a fauna e flora nativa de políticos e partidos, deixam claro que as suspeitas quanto aos financiamentos de campanha não discriminam classe social, etnia, naturalidade ou inclinações ideológicas. Não se trata, portanto, de condenar genericamente os eleitos para cargos públicos financiados por empresas com interesses relacionados (ou todas as companhias doadoras), mas questionar a pertinência desse sistema de patrocínio de campanhas eleitorais em uma democracia.

Aos eternamente aprisionados na síndrome de vira-lata, ávidos por se exilarem em terras imunes aos problemas de países de segunda categoria, recomenda-se a leitura de relatórios oficiais, depoimentos, documentários e livros a respeito da invasão da haute finance na cidadela da democracia ocidental.

No prefácio do livro de Greg Palast Billionaires and Ballot Bandits (Bilionários e os Bandidos do Voto) Robert Kennedy Junior desmoraliza a decisão de 2010 da Suprema Corte Americana que permitiu o financiamento ilimitado das campanhas eleitorais por empresas, grandes, médias ou pequenas. O expediente utilizado para disfarçar o maciço financiamento empresarial foi a criação dos Super PACs (supercomitês de ação política). O supercomitê não pode fazer contribuições a candidatos ou partidos, mas pode pagar propagandas a favor ou contra causas defendidas pelos candidatos.  A hipocrisia, dizia La Rochefoucauld, é a homenagem que o vício presta à virtude.
O filho de Bob Kennedy não se perde em divagações: “Os senadores e congressistas que as empresas financiam e elegem não são representantes do povo dos Estados Unidos. Eles representam os compadres da indústria de petróleo, os gigantes do setor farmacêutico e os banksters de Wall Street. Todos empenhados na tomada hostil (hostile takeover) do governo”.

Robert Kaizer, no livro So Damn Much Money, listou 188 ex-congressistas registrados oficialmente como lobistas em Washington. Revelou o funcionamento da porta giratória entre os grandes negócios e a política, ou, como batizou Simon Johnson, professor do MIT e economista-chefe do FMI em 2007 e 2008, em artigo de 2009 intitulado “O golpe silencioso”, o chamado “corredor Wall Street – Washington”. Estudo realizado por advogados associados no Public Citizen flagrou na nobre ocupação de lobistas metade dos senadores e 42% dos deputados que deixaram o Congresso entre 1998 e 2004. No período 1998-2011 o setor financeiro gastou 84,5 bilhões de dólares com essa turma.
A revista Business and Politics estampada no site Berkeley Electronic Press publicou um artigo sobre os retornos excepcionais auferidos pelos portfólios de ações adquiridos por deputados norte-americanos entre 1985 e 2001. Elaborado com o cuidado e rigor exigidos por tal empreitada, o estudo conclui que as ações adquiridas pelos integrantes da Câmara dos Deputados (House of Representatives) auferiram retornos “anormais” estatisticamente significantes. Bateram a evolução dos índices do mercado em torno de 6% ao ano. Os rendimentos anormais obtidos pelos deputados foram, no entanto, substancialmente inferiores aos auferidos pelos senadores. Os autores do estudo supõem que o diferencial de rendimentos deva ser atribuído “à menor influência e poder dos deputados”. Seja como for, o estudo encontrou “fortes evidências de que integrantes da Câmara dos Deputados têm acesso a algum tipo de informação não disponível publicamente, utilizada para obter vantagem pessoal”.

A “impotência política” dos governos tem origem na ocupação do Estado e de seus órgãos de regulação pelas tropas da finança e dos graúdos interesses corporativos, aí incluídos os das megaempresas de mídia. As tropelias de Rupert Murdoch dão testemunho das ligações perigosas entre o mass media, a política e a polícia. E é possível identificar facilmente seus equivalentes locais.
As presentes dores e convulsões impelidas às democracias ao redor do globo, sentidas agudamente em nossa Nova República, só receberão sentido histórico se forem capazes de refundar conceitos e práticas, se puderem restabelecer nexos entre o povo, a mídia, os políticos e as políticas públicas. 

Fonte: Luiz Gonzaga Belluzzo e Gabriel Galípolo, em Carta Capital


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