Num
artigo esclarecedor, Luiz Gonzaga Belluzzo e Gabriel Galípolo demonstram que
nas democracias contemporâneas, inclusive nos Estados Unidos da América – a democracia
mais decantada em prosa e verso – o que define a política é o dinheiro. Muitas
vezes, o dinheiro sujo. O que está por detrás das disputas são grupos poderosíssimos
que dominam o estado para usurpar os bens públicos e coletivos.
Leia o
artigo, “o preço do voto”.
A impotência política tem origem
na ocupação do estado e de seus órgãos reguladores pelas tropas dos interesses
corporativos
por Luiz Gonzaga Belluzzo e
Gabriel Galípolo, em Carta Capital
Ilustração: Minimorgan/ Foto: IstockPhoto |
Contra o poder do dinheiro, a
redefinição de conceitos e práticas
A deliberação do PMDB de desembarcar do
governo Dilma Rousseff promete tornar o fim de março mais uma vez decisivo para
a história do País. Há dúvidas se esse desenlace será capaz de nos oferecer o
final redentor prometido pelos “analistas” da televisão.
Hoje há grande espaço na mídia aos
que se atiram a deduções otimistas quanto à qualidade do debate político,
classificando os frequentes apelos para o impedimento da presidenta eleita como
“avanço democrático”. Aos adeptos da “democracia de resultados”, cabem a ironia
e o ceticismo de Machado de Assis em Quincas Borba: no fim da batalha à
tribo dos intolerantes midiáticos nada sobrará além das batatas. Batatas
assando.
A polarização e o discurso de
ódio não são um fenômeno nacional. Donald Trump, o candidato que segundo
Martin Wolf tornou dizível o impensável, simboliza o tipo de personalidade e
valores cultuados hoje em dia. Depõe especialmente contra a sociedade
contemporânea que seja significativamente mais fácil reunir indivíduos
contrários a uma opinião do que a favor. A revista alemã Der Spiegel adverte: podemos estar
diante de “uma era na qual serão cada vez mais fortes aqueles que não oferecem
qualquer solução, os que só oferecem rejeição e medo”.
A divulgação das listas da
construtora Odebrecht expõe a fratura sofrida pelo sistema
político-partidário, provocada pela reiteração do emprego sistemático dos
métodos de financiamento das campanhas eleitorais. Partidos que no início da
redemocratização detinham agendas programáticas identificáveis se perderam em
projetos de poder, transformando-se em massas amorfas de políticos que se unem
por conveniência eleitoral e exclusão. Sou desse partido, pois sou contra
aquele, a partir de estratégias de “mercado”, como o sabão em pó que lava
melhor o colorido em contraposição ao que lava mais branco.
As mais recentes delações e
listas, a envolver praticamente toda a fauna e flora nativa de políticos e
partidos, deixam claro que as suspeitas quanto aos financiamentos de campanha
não discriminam classe social, etnia, naturalidade ou inclinações ideológicas.
Não se trata, portanto, de condenar genericamente os eleitos para cargos
públicos financiados por empresas com interesses relacionados (ou todas as
companhias doadoras), mas questionar a pertinência desse sistema de patrocínio
de campanhas eleitorais em uma democracia.
Aos eternamente aprisionados na
síndrome de vira-lata, ávidos por se exilarem em terras imunes aos problemas de
países de segunda categoria, recomenda-se a leitura de relatórios oficiais,
depoimentos, documentários e livros a respeito da invasão da haute finance na cidadela da
democracia ocidental.
No prefácio do livro de Greg Palast Billionaires and Ballot Bandits (Bilionários
e os Bandidos do Voto) Robert Kennedy Junior desmoraliza a decisão de 2010 da
Suprema Corte Americana que permitiu o financiamento ilimitado das campanhas
eleitorais por empresas, grandes, médias ou pequenas. O expediente utilizado
para disfarçar o maciço financiamento empresarial foi a criação dos Super PACs
(supercomitês de ação política). O supercomitê não pode fazer contribuições a
candidatos ou partidos, mas pode pagar propagandas a favor ou contra causas
defendidas pelos candidatos. A hipocrisia, dizia La Rochefoucauld, é a
homenagem que o vício presta à virtude.
O filho de Bob Kennedy não
se perde em divagações: “Os senadores e congressistas que as empresas financiam
e elegem não são representantes do povo dos Estados Unidos. Eles representam os
compadres da indústria de petróleo, os gigantes do setor farmacêutico e os banksters de Wall Street. Todos
empenhados na tomada hostil (hostile
takeover) do governo”.
Robert Kaizer, no livro So Damn Much Money, listou 188
ex-congressistas registrados oficialmente como lobistas em Washington. Revelou
o funcionamento da porta giratória entre os grandes negócios e a política, ou,
como batizou Simon Johnson, professor do MIT e economista-chefe do FMI em 2007
e 2008, em artigo de 2009 intitulado “O golpe silencioso”, o chamado “corredor
Wall Street – Washington”. Estudo realizado por advogados associados no Public
Citizen flagrou na nobre ocupação de lobistas metade dos senadores e 42% dos
deputados que deixaram o Congresso entre 1998 e 2004. No período 1998-2011 o
setor financeiro gastou 84,5 bilhões de dólares com essa turma.
A revista Business and Politics estampada no
site Berkeley Electronic Press
publicou um artigo sobre os retornos excepcionais auferidos pelos portfólios de
ações adquiridos por deputados norte-americanos entre 1985 e 2001. Elaborado
com o cuidado e rigor exigidos por tal empreitada, o estudo conclui que as
ações adquiridas pelos integrantes da Câmara dos Deputados (House of Representatives) auferiram
retornos “anormais” estatisticamente significantes. Bateram a evolução dos
índices do mercado em torno de 6% ao ano. Os rendimentos anormais obtidos pelos
deputados foram, no entanto, substancialmente inferiores aos auferidos pelos
senadores. Os autores do estudo supõem que o diferencial de rendimentos deva
ser atribuído “à menor influência e poder dos deputados”. Seja como for, o
estudo encontrou “fortes evidências de que integrantes da Câmara dos Deputados
têm acesso a algum tipo de informação não disponível publicamente, utilizada
para obter vantagem pessoal”.
A “impotência política” dos
governos tem origem na ocupação do Estado e de seus órgãos de regulação pelas
tropas da finança e dos graúdos interesses corporativos, aí incluídos os das
megaempresas de mídia. As tropelias de Rupert Murdoch dão testemunho das
ligações perigosas entre o mass
media, a política e a polícia. E é possível identificar facilmente seus
equivalentes locais.
As presentes dores e convulsões
impelidas às democracias ao redor do globo, sentidas agudamente em nossa Nova
República, só receberão sentido histórico se forem capazes de refundar
conceitos e práticas, se puderem restabelecer nexos entre o povo, a mídia, os
políticos e as políticas públicas.
Fonte: Luiz Gonzaga Belluzzo e Gabriel Galípolo, em Carta Capital
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