O prefeito de Belo Horizonte, Márcio Lacerda (PSB-MG), por palavras e atitudes, tem demonstrado ao longo dos anos uma incapacidade de entender o cidadão comum.
Por João Paulo Cunha*
O prefeito de Belo Horizonte, Márcio Lacerda (PSB), por palavras e atitudes, tem demonstrado ao longo dos anos uma incapacidade de entender o cidadão comum. Já aconselhou ao usuário do transporte público que evite ônibus cheio, esperando a próxima condução, que certamente circulará mais vazia. Na sua lógica de administrador, quem se aperta a outros trabalhadores para voltar para casa é apressado ou imbecil. Em outro incontido jorro de insensibilidade, ironizou as vítimas de enchentes em BH dizendo que a “prefeitura deveria ter sido um pouco mais babá dos cidadãos”.
A última medida emanada na burrice afetiva do alcaide foi anunciar a proibição de isopor para venda de bebidas nas ruas da cidade. O ato de Lacerda evidencia outra faceta de seu caráter, o desprazer da convivência. Essas e outras medidas de fundo eugênico ecoam a mais atávica das inspirações do fascismo: a dificuldade de conviver com outro em sua diferença. O fascista não se contenta em existir de acordo com seus valores, ele precisa convencer o outro a seguir a mesma trilha. Se não for por bem, pela norma, pela força, pelo constrangimento. Para um fascista, das duas uma: ou somos todos como ele ou se aniquila a diferença pela exclusão.
Em BH, esse comportamento antipopular só não foi adiante pela capacidade de organização dos cidadãos em oferecer um misto de desobediência civil e ocupação criativa da cidade. As forças do atraso tentaram sepultar o carnaval e receberem em troca uma das mais alegres resistências, na forma de blocos independentes, de canções deliciosamente críticas e da derrubada do mito alimentado por décadas de que o mineiro era “bom de Semana Santa, não de carnaval”. Hoje, a festa na cidade é um patrimônio inegociável. Faz bem para o corpo e lava a alma. E ainda movimenta a economia.
Outra reação à altura foi dada pela ocupação das praças e espaços deteriorados do Centro da cidade, que operou o milagre de criar uma animada praia no cimento e um concurso de dança de repercussão nacional embaixo de um viaduto. A valer o desejo da administração pública, os espaços não seriam utilizados para a cultura, manifestações políticas, sociais ou religiosas. Havia preconceito contra a beleza, a alegria, a esquerda e até contra os deuses. Nada que não fosse sanado por um cipoal de regras, grades e taxas.
A regulação de classe, em BH, é o outro nome da proibição pura e simples. Por isso o processo de faxina urbanística começou na Praça do Papa – perto do céu da burguesia encastelada –, para chegar à Praça da Estação, no mais chão dos espaços da capital. O lugar é uma espécie de senha que liga a cidade com seu entorno desvalorizado. Numa cidade cercada de montanhas, há uma hierarquia descensional dos espaços públicos.
O mais recente atentado à ocupação da cidade pelas pessoas chegou embalado de defesa de mercado formal e argumentos sanitários furados. Por trás da proibição do isopor e do churrasquinho o que se defendia era uma cidade vazia, um horizonte triste, um corte no gregarismo e na amizade pública, que é outro nome de cidadania. Água no chope da alegria. A medida parte de uma visão egoísta da cidade, incapaz de ir além do individualismo. Como lembrava o pensador Horkheimer, em outro contexto igualmente repressor: “A emancipação do indivíduo não é a emancipação da sociedade, mas a superação, pela sociedade, do risco de atomização”. Em outras palavras, só somos indivíduos de verdade à medida que nos identificamos com nossa turma.
Entender a dinâmica entre o individual e o social talvez seja a mais desafiadora lição para os políticos de todos os matizes. Uma sociedade só é verdadeiramente humana quando reconhece seus sujeitos no exercício de sua liberdade. Uma pessoa só é capaz de se realizar plenamente quando estabelece vínculos com projetos coletivos e, assim, se sente igual a todos os outros. O egoísmo não purifica a vida social; o coletivismo não cala os desejos do indivíduo.
Por isso o isopor, a cerveja com os amigos, a festa e o sentido de convivência são definidores do nosso estágio de avanço humano e social. Algo que dificilmente será compreendido por quem não pega ônibus, a não ser pelo espúrio propósito do marketing.
O carnaval é uma espécie de prova ética da boa política. Não é possível ser solidário na solidão.
*João Paulo Cunha é jornalista e colunista do Brasil de Fato MG.
Fonte: BRASIL DE FATO MG: http://brasildefato.com.br/ node/33927
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