Agora que o ano novo começou - depois de passadas as festas momescas a comprovarem que a grande crise é fabricação dos abutres de sempre -, podemos tratar de algo substantivo.
Estruturada durante a ditadura militar, foi a partir da promulgação da Constituição Federal de
1988 que consolidou-se, paulatinamente, uma casta jurídica no Brasil, formada por
parte significativa de juízes, promotores, tabeliães, delegados de polícia,
outros operadores do direito e bancas de advogados associados a essas
estruturas de poder. E não é por acaso (ou desejo de melhoria institucional),
que muitas polícias militares, nos últimos anos, determinam que seus oficiais
façam, obrigatoriamente, o curso de direito. Os militares perceberam que para
manter alguns de seus privilégios no atual contexto do fantasioso “estado
democrático de direito”, o mais inteligente seria integrar a famosa
"carreira jurídica de estado".
O fortalecimento dos
privilégios de classe, sua legalidade e institucionalidade, robusteceu justamente
no contexto da vigência e consolidação de uma constituição dita cidadã, que
equiparou, formalmente, todos os cidadãos (direitos e deveres) perante a lei.
Um estado paralelo dentro do "estado de direito"
Entre
os operadores de direito, juízes e membros do Ministério Público e seus
serviçais formam quase que um ESTADO PARALELO, porque conseguiram, de variadas
formas, legalizar uma série de regalias e privilégios, vedadas aos mortais
comuns, os demais cidadãos. Recebem salários integrais e vitalícios; aposentadorias
nababescas - inclusive acima do teto constitucional (em evidente afronta à Constituição) - e transmissíveis a
herdeiros; variados tipos de penduricalhos absorvidos como remuneração (auxílio
moradia, terno, mudança, transporte); bolsas para estudos, inclusive de seus rebentos
etc... Uma farra, sem controle e pudor, com o dinheiro público.
Exemplificando: segundo o
jornal O Dia, edição de 12 de novembro de 2015, “oitocentos e quarenta e três
juízes e desembargadores do Rio de Janeiro receberam vencimentos
superiores ao teto constitucional no mês de março (do ano passado). Trinta e
quatro ganharam mais de R$ 80 mil. O salário mais alto foi da diretora de um
Fórum, que faturou R$ 129.253 mil. Dois meses antes, em janeiro, o contracheque
de um juiz chegou a registrar R$ 241 mil. Ao todo, dos 871 magistrados
do estado, apenas 28 não ultrapassaram, em março (de 2015), o limite de R$ 33.763,
valor determinado pela Constituição Federal para o pagamento da categoria e que
corresponde a cerca de 90% dos rendimentos de cada. ” (Leia a reportagem completa AQUI ).
Outra
matéria da revista Época, de 12 de junho de 2015, junto aos 27 Tribunais de
Justiça e aos 27 MPs estaduais, demonstrou que os reais vencimentos “de juízes
e promotores ultrapassam, e muito, o teto constitucional de R$ 33 mil. A
média de rendimentos de juízes e desembargadores nos Estados é de R$ 41.802
mensais; a de promotores e procuradores de justiça, R$ 40.853. Os valores
próximos mostram a equivalência quase perfeita das carreiras. Os presidentes
dos Tribunais de Justiça apresentam média ainda maior: quase R$ 60 mil (R$
59.992). Os procuradores-gerais de justiça, chefes dos MPs, recebem, também em
média, R$ 53.971. Fura-se o teto em 50 dos 54 órgãos pesquisados. Eles
abrigam os funcionários públicos mais bem pagos do Brasil.” Veja, AQUI a
reportagem completa.
É verdade que esse grupo de
privilegiados sempre fez parte da história nacional, como se pode perceber no
excelente artigo do jurista Fábio Konder Comparado. Em estudo
especial, veja neste link, o grande jurista
brasileiro traça a história de um poder submisso às
elites, corrupto em sua essência e comprometido secularmente com a
Injustiça.
A casta jurídica
Em
relação aos outros funcionários públicos, aos demais cidadãos e até mesmo em
relação a outras classes profissionais de privilegiados (como os médicos), uma parte dos operadores do direito age como uma casta jurídica. É muito comum
casarem-se entre si; frequentarem clubes e associações privativas; formarem
seus herdeiros no mesmo “ramo” e evocarem para si a condição discricionária de
intérpretes exclusivos da lei e da legalidade.
É patético, perante um juiz, a condição subalterna do cidadão que, não tendo voz (e nem vez), é obrigado a se manifestar através de um terceiro, um advogado. Justiça hermética, que caça a palavra e o direito elementar de expressão para garantir a fama e, muitas vezes, a fortuna de alguns eleitos! Uma aberração inominável ao fundamento constitucional de "igualdade de todos perante a lei."
É patético, perante um juiz, a condição subalterna do cidadão que, não tendo voz (e nem vez), é obrigado a se manifestar através de um terceiro, um advogado. Justiça hermética, que caça a palavra e o direito elementar de expressão para garantir a fama e, muitas vezes, a fortuna de alguns eleitos! Uma aberração inominável ao fundamento constitucional de "igualdade de todos perante a lei."
Ressalve-se, a bem da verdade,
que muitos operadores do direito honram os artigos 3º (“o advogado deve ter
consciência de que o Direito é um meio de mitigar as desigualdades para o
encontro de soluções justas e que a lei é um instrumento para garantir a
igualdade de todos”) e 5º (“o exercício da advocacia é incompatível com
qualquer procedimento de mercantilização”) do Código de Ética e Disciplina da
Ordem dos Advogados do Brasil. Portanto, a crítica aqui não tem pretensões generalistas e universalistas.
Macarthismo judiciário
Mas,
não é à toa que, muitas vezes, promotores, juízes, delegados de polícia
postam-se acima das leis com a mais absoluta certeza da impunidade. E,
excepcionalmente, muito excepcionalmente mesmo, quando recebem alguma
reprimenda devido a alguma ilegalidade aberrante e publicizada que comentem, o castigo é, por
exemplo, a aposentadoria compulsória, integral e vitalícia. UM ESCÁRNIO!
Lembremos que em nosso país,
aqueles que deveriam ser os primeiros a respeitar, defender e lutar pelo
direito são, muitas vezes, os primazes em destruir midiaticamente as reputações
de indivíduos com ou sem provas. São muitos os "torquemadas justiceiros" que,
impunemente, destroem a vida e a honra alheia para aplacar seus instintos
persecutórios ou para atender à produção do gozo perverso da espetacularização
midiática. Exercem seu ministério com base numa paranoia de acusação sem
direito à defesa, facilitando a "perseguição" ou "delação",
ao gosto do freguês. Infelizmente, o reducionismo judicial e jurídico, transformado em
ativismo persecutório, tem produzido uma justiça ainda mais seletiva e
corroborado um pensamento torto, simplista, odioso e infantil Brasil afora.
Ademais, a aliança espúria e
virulenta entre judiciário e imprensa, a tramar jogadas midiáticas ultrapopulistas com traços fascistas, é um perigo inominável para todos os
cidadãos e as instituições democráticas. Quando a acusação em doses cavalares é
transformada em evidências de culpa, chantagem e difusão do medo, mesmo não
havendo investigações suficientes e apresentação do contraditório de forma
isonômica, com o objetivo de destruir carreiras e promover caça às bruxas
flertamos com o estado totalitário dos togados.
A
caixa-preta do Judiciário
Em relação
especificamente ao Poder Judiciário, em 2010, o então conselheiro do Conselho
Nacional de Justiça (CNJ) Jefferson Kravchychyn descobriu que o Brasil tinha
mais cursos de Direito (1.240) do que todo o resto do planeta junto (1.100). Êta país que gosta de "andar direito"!
Segundo pesquisa de
julho de 2015, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), o bacharel em
Direito tem o maior rendimento por hora entre todos os trabalhadores com curso
superior. Portanto, pode-se falar, ainda, numa próspera indústria em
torno do Poder Judiciário no Brasil.
Por falar em CNJ, todos devem
se recordar do furor das variadas associações de magistrados brasileiros quando
a então corregedora Eliana Calmon começou com a devassa na folha de
pagamentos do Tribunal de Justiça de São Paulo e a divulgação de dados do
Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) que revelaram que 3.426
servidores do Judiciário e magistrados movimentaram, de forma suspeita, em
torno de R$ 855,7 milhões de 2000 a 2010. Em dinheiro vivo, foram R$ 274,9
milhões movimentados de forma atípica entre 2003 e 2010. Corrupção
explícita. E daí? Em tempos de “caça às bruxas”, alguém sabe de um magistrado ou serviçal da justiça frequentando o xilindró?
A bem da verdade, o mal-estar
entre a então corregedora Eliana Calmon e os juízes, particularmente
de São Paulo, começou antes, a partir de declarações contundentes da
ministra ao afirmar que "a magistratura hoje está com gravíssimos
problemas de infiltração de bandidos que estão escondidos atrás da toga" e
"sabe o dia que eu vou inspecionar São Paulo? No dia em que o sargento
Garcia prender o Zorro. É um Tribunal de Justiça fechado, refratário a qualquer
ação do CNJ". Dito de maneira clara: há bandidos na caixa-preta intocável
do judiciário.
Como dito anteriormente, o
distanciamento do judiciário para com a sociedade, a sua propensão ao
autoritarismo e o seu elitismo é resultante da formação da sociedade
brasileira. A origem do judiciário brasileiro é patrimonialista, idealizado e
estruturado pelos de “cima” para e em defesa dos interesses das classes
privilegiadas. Essa caracterização é claramente evidenciada nas dificuldades de
acesso à justiça pelos mais pobres e nas sentenças condenatórias que punem
largamente os pobres e inocenta os ricos. Quem conhece o perfil dos presos
brasileiros sabe da seletividade, ineficiente, parcialidade e injustiça da
justiça brasileira.
Ademais, o caráter
patrimonialista, elitista, hermético e autoritário do judiciário brasileiro fez
com que se tornasse o poder menos transparente da República, avesso a
investigações de toda ordem, impedindo, desde sempre, que as inúmeras denúncias
de corrupção e favorecimento de seus quadros fossem conhecidas pelo grande
público. Ao contrário, passa-se, em parceria com a mídia (serviçal dos
interesses das elites e, simultaneamente, o tribunal da santa inquisição da
contemporaneidade) uma falsa imagem de austeridade e idoneidade moral do
judiciário.
Como disse certa feita Rui
Barbosa, "a pior ditadura é a ditadura do Poder Judiciário. Contra ela,
não há a quem recorrer."
Afinal, todos são iguais
perante a lei? Ou, trata-se de outro conto de carochinha?
___________
_____
Macarthismo é a prática de formular acusações e fazer
insinuações sem provas, inspirada no movimento dirigido pelo senador Joseph
Raymond McCarthy (1909-1957), durante os anos 1950, nos E.U.A.
Bien dicho, ya era tiempo que se vincule la cepa autoritaria y excluyente de nuestros sistemas de justicia, prosternados ante el mandón de turno y los poderes fácticos, y se levante la bandera de reforma este servicio para insuflarle democracia y convicción de que existe para resguardar los derechos de los ciudadanos
ResponderExcluir