Começou nesta semana o julgamento do chamado “núcleo político” do Mensalão. Independentemente do resultado, a grande mídia, há muito, já deu seu veredicto. Em uníssono, os setores conservadores da sociedade brasileira, capitaneados por uma grande imprensa venal, não desejam a condenação dos eventuais corruptos e corruptores – como tenta mostrar. O foco é, numa espécie de golpe branco, atingir mortalmente o Partido dos Trabalhadores.
Objetivamente, não podemos concordar com qualquer tipo de corrupção na esfera pública. E se houve corrupção, que os corruptos e os corruptores sejam punidos. Porém, a discricionariedade da cobertura da imprensa enoja qualquer pessoa que tem o mínimo de bom senso.
O financiamento das campanhas políticas (origem do mensalão mineiro – o pai - e do mensalão nacional – o grande filhote) continua valendo nas campanhas eleitorais nababescas pelo Brasil afora. Os doadores polpudos (bancos, construtoras e empreiteiras) continuam liderando as listas de doação para partidos e candidatos nestas eleições, conforme revela as primeiras prestações de contas apresentadas recentemente pelo Tribunal Superior Eleitoral. Sobre isso, o financiamento das campanhas, uma das origens da corrupção política, a mídia não dedica cobertura atenta, devida e desejável. Portanto, a pauta midiática não é republicana e democrática, com vistas ao interesse público. Mas direcionada para transformar o julgamento no STF no picadeiro espetaculoso da eleição de bodes expiatórios com vistas à supressão, a qualquer custo, de um partido legitimamente constituído e socialmente reconhecido, sem se preocupar com as causas da corrupção nas instituições republicanas.
Revistas que mais parecem panfletos de quinta categoria e colunistas movidos por uma espécie de ódio irracional e segregacionista sustentam uma pauta enviesada, replicada exaustivamente pelos grandes veículos de comunicação. Alguns intelectuais que sempre defenderam o apartheid social brasileiro e uma classe média gentil e cortês no espaço privado e violenta e autoritária no espaço público, cujo maior pesadelo é o fato de as classes trabalhadoras terem ascendido socialmente nos últimos anos, têm medo de perder seu espaço e desejam a volta daquela sociedade piramidal e excludente, que prevaleceu por mais de 500 anos nessas plagas.
Não sou filiado ao PT. Mas, como Leonardo Boff, "interesso-me pela causa que ele representa, pois a Igreja da Libertação colaborou na sua formulação e na sua realização nos meios populares". Por isso, É PRECISO MANTER VIVA A CAUSA DO PT, PARA ALÉM DO MENSALÃO, para contrapor as "elites econômicas e intelectuais das mais atrasadas do mundo" e a mídia venal e aristocrática que atacam frontalmente não o partido, mas uma causa que "não pode ser perdida em razão da férrea resistência de opositores superados porque é sagrada demais pelo tanto de suor e de sangue que custou".
Reproduzo, abaixo, um artigo de LEONARDO BOFF (*) sobre esse tema:
MANTER VIVA A CAUSA DO PT: PARA ALÉM DO “MENSALÃO”
Há um provérbio popular alemão que reza: “você bate no saco mas pensa no animal que carrega o saco”. Ele se aplica ao PT com referência ao processo do “Mensalão”. Você bate nos acusados mas tem a intenção de bater no PT. A relevância espalhafatosa que o grosso da mídia está dando à questão, mostra que o grande interesse não se concentra na condenação dos acusados, mas através de sua condenação, atingir de morte o PT.
De saída quero dizer que nunca fui filiado ao PT. Interesso-me pela causa que ele representa pois a Igreja da Libertação colaborou na sua formulação e na sua realização nos meios populares. Reconheço com dor que quadros importantes da direção do partido se deixaram morder pela mosca azul do poder e cometeram irregularidades inaceitáveis.
Muitos sentimo-nos decepcionados, pois depositávamos neles a esperança de que seria possível resistir às seduções inerentes ao poder. Tinham a chance de mostrar um exercício ético do poder na medida em que este poder reforçaria o poder do povo que assim se faria participativo e democrático.
Lamentavelmente houve a queda. Mas ela nunca é fatal. Quem cai, sempre pode se levantar. Com a queda não caiu a causa que o PT representa: daqueles que vem da grande tribulação histórica sempre mantidos no abandono e na marginalidade. Por políticas sociais consistentes, milhões foram integrados e se fizeram sujeitos ativos. Eles estão inaugurando um novo tempo que obrigará todas as forças sociais a se reformularem e também a mudarem seus hábitos políticos.
Por que muitos resistem e tentam ferir letalmente o PT? Há muitas razões. Ressalto apenas duas decisivas.
A primeira tem a ver com uma questão de classe social. Sabidamente temos elites econômicas e intelectuais das mais atrasadas do mundo, como soia repetir Darcy Ribeiro. Estão mais interessadas em defender privilégios do que garantir direitos para todos. Elas nunca se reconciliaram com o povo. Como escreveu o historiador José Honório Rodrigues (Conciliação e Reforma no Brasil 1965,14) elas “negaram seus direitos, arrasaram sua vida e logo que o viram crescer, lhe negaram, pouco a pouco, a sua aprovação, conspiraram para colocá-lo de novo na periferia, no lugar que continuam achando que lhe pertence”.
Ora, o PT e Lula vem desta periferia. Chegaram democraticamente ao centro do poder. Essas elites tolerariam Lula no Planalto, apenas como serviçal, mas jamais como Presidente. Não conseguem digerir este dado inapagável. Lula Presidente representa uma virada de magnitude histórica. Essas elites perderam. E nada aprenderam. Seu tempo passou. Continuam conspirando, especialmente, através de uma mídia e de seus analistas, amargurados por sucessivas derrotas como se nota nestes dias, a propósito de uma entrevista montada de Veja contra Lula. Estes grupos se propõem apear o PT do poder e liquidar com seus líderes.
A segunda razão está em seu arraigado conservadorismo. Não quererem mudar, nem se ajustar ao novo tempo. Internalizaram a dialética do senhor e do servo. Saudosistas, preferem se alinhar de forma agregada e subalterna, como servos, ao senhor que hegemoniza a atual fase planetária: os USA e seus aliados, hoje todos em crise de degeneração. Difamaram a coragem de um Presidente que mostrou a autoestima e a autonomia do país, decisivo para o futuro ecológico e econômico do mundo, orgulhoso de seu ensaio civilizatório racialmente ecumênico e pacífico. Querem um Brasil menor do que eles para continuarem a ter vantagens.
Por fim, temos esperança. Segundo Ignace Sachs, o Brasil, na esteira das políticas republicanas inauguradas pelo do PT e que devem ser ainda aprofundadas, pode ser a Terra da Boa Esperança, quer dizer, uma pequena antecipação do que poderá ser a Terra revitalizada, baixada da cruz e ressuscitada.
Muitos jovens empresários, com outra cabeça, não se deixam mais iludir pela macroeconomia neoliberal globalizada. Procuram seguir o novo caminho aberto pelo PT e pelos aliados de causa. Querem produzir autonomamente para o mercado interno, abastecendo os milhões de brasileiros que buscam um consumo necessário, suficiente e responsável e assim poderem viver um desafogo com dignidade e decência.
Essa utopia mínima é factível. O PT se esforça por realizá-la. Essa causa não pode ser perdida em razão da férrea resistência de opositores superados porque é sagrada demais pelo tanto de suor e de sangue que custou.
(*) Leonardo Boff é teólogo, filósofo, escritor e dr.h.causa em política pela Universidade de Turim por solicitação de Norberto Bobbio
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