Desde
ontem, dia 17/05, as redes sociais reproduzem, em doses cavalares, trechos de
uma homilia feita pelo Papa Francisco durante a missa rezada na Capela da Casa
Santa Marta, no Vaticano. Até mesmo a mídia empresarial foi “obrigada” a
reproduzir a notícia, haja vista a grande repercussão das reflexões do Pontífice.
Segundo
o portal de notícias do Vaticano, o Vatican
News, durante a pregação Francisco tratou de alertar os presentes sobre a intriga,
utilizada principalmente pela mídia, na atualidade, como um método para
condenar as pessoas.
“Criam-se
condições obscuras” para condenar a pessoa, explicou o Papa, e depois a unidade
se desfaz. Um método com o qual perseguiram Jesus, Paulo, Estevão e todos os
mártires e muito usado ainda hoje. E Francisco citou como exemplo “a vida
civil, a vida política, quando se quer fazer um golpe de Estado”: “a mídia
começa a falar mal das pessoas, dos dirigentes, e com a calúnia e a difamação
essas pessoas ficam manchadas”. Depois chega a justiça, “as condena e, no
final, se faz um golpe de Estado”. Uma perseguição que se vê também quando as
pessoas no circo gritavam para ver a luta entre os mártires ou os gladiadores.”
Em relação à
mídia empresarial, o Papa Francisco não cansa de alertar sobre a imposição de
um discurso em uníssono que se concretiza com “a concentração monopolista dos
meios de comunicação social que pretende impor padrões alienantes de consumo e
certa uniformidade cultural” e é parte da estratégia do sistema que produz a
morte dos pobres e da Mãe Terra. E, para tanto, “as instituições financeiras e
as empresas transnacionais se fortalecem ao ponto de subordinar as economias
locais, sobretudo debilitando os Estados, que aparecem cada vez mais impotentes
para levar adiante projetos de desenvolvimento a serviço de suas populações”. (Discurso
do Papa Francisco no II Encontro Mundial dos Movimentos Populares, na Bolívia,
em 2015).
Obviamente,
ninguém pode “colocar na boca” de Francisco o que ele não disse. Seria, portanto,
uma irresponsabilidade afirmar que o Papa estava se referindo especificamente
ao golpe de 2016, apesar da imensa similaridade com o ocorrido no Brasil, principalmente
pelo fato de o Pontífice apontar com extrema clareza e concisão a participação
da mídia e da justiça nos golpes de estado, na atualidade. (Registremos que os
golpes havidos no Paraguai e em Honduras tiveram o mesmo enredo do golpe
ocorrido no Brasil: parlamento, mídia e justiça, com a participação dos Estado
Unidos, como os principais atores nessas tramas golpistas).
Por outro
lado, é ingênuo pensar que o Papa fez essas considerações sem fulcro na realidade
sociopolítica contemporânea latino-americana e brasileira.
É importante
destacar que não é a primeira vez que Francisco mostra-se atento ao recrudescimento
das forças ultraliberais que dominam os estados nacionais, principalmente nos
países em desenvolvimento ainda marcados pela desigualdade social, em favor do
mercado e da economia rentista, a sustentarem um “sistema global idólatra que
exclui, degrada e mata” (Discurso do Papa Francisco no II Encontro Mundial dos
Movimentos Populares, na Bolívia, em 2015).
Ademais, a
atualidade do discurso do Papa em relação ao que ocorre na América Latina e no
Brasil nos últimos tempos pode ser percebida quando Francisco tratou, noutras
ocasiões, das múltiplas tentativas de destruição da identidade dos povos
latino-americanos: “Identidade que alguns poderes, tanto aqui como em outros
países, se empenham por apagar, talvez porque a nossa fé é revolucionária;
porque a nossa fé desafia a tirania do ídolo dinheiro” (Discurso do Papa
Francisco no II Encontro Mundial dos Movimentos Populares, na Bolívia, em 2015).
Neste sentido,
pode-se afirmar que o Papa Francisco não ficou alheio aos “golpes suaves” ou “golpes
brandos” que ocorreram no Brasil e noutros países da América Latina. Em reunião
com a presidência do Conselho Episcopal Latino-americano (CELAM) – órgão
colegiado dos bispos de toda a América Latina – em 19 de maio de 2016, por exemplo,
o Papa Francisco advertiu que "pode estar acontecendo "golpes
de estado suaves” em alguns países da região. Segundo o portal de notícias
“Religião Digital”, da Espanha, o Pontífice, durante a referida reunião, expressou
preocupação com os problemas sociais dos países da América Latina em geral. Segundo
o Papa, estaria ocorrendo um "golpe de estado suave" em alguns
países. (Fonte: http://www.periodistadigital.com/religion/vaticano/2016/05/20/el-papa-recuerda-al-celam-que-la-interpretacion-correcta-de-la-amoris-laetitia-es-la-del-cardenal-schonborn-religion-iglesia-vaticano.shtml
).
Corroborando
essa reportagem, alguns dias antes do encontro com a cúpula do episcopado
latino-americano, em 28 de abril de 2016, Adolfo Pérez Esquivel, ganhador do
prêmio Nobel da paz, relatou que o Papa Francisco acompanhava com preocupação a
crise política no Brasil. Em entrevista, disse que discutiria com o pontífice o
processo de impeachment da então
presidenta Dilma Rousseff. "Ele (Francisco) está muito preocupado com o
que ocorre aqui. Também está preocupado com outros problemas no continente,
retrocessos democráticos", afirmou.
Segundo reportagem
do jornal “O Estado de São Paulo”, o Nobel da Paz não adiantou qual a avaliação
do papa sobre o Brasil, mas apresentou a sua posição: "Temos muito
claro que o que está se preparando aqui é um golpe, aquilo que chamamos de
golpe branco", disse. "Esses golpes brancos já foram colocados em
prática em países como Honduras e Paraguai. Agora, a mesma metodologia que não
necessita de Forças Armadas está se utilizando aqui no Brasil". (Fonte:
http://politica.estadao.com.br/noticias/geral,nobel-da-paz-diz-que-papa-francisco-acompanha-com-preocupacao-crise-politica-no-brasil,10000032337).
Considerando
todas essas intervenções, sem contar a negativa do Pontífice em visitar o
Brasil durante as comemorações dos 300 anos da aparição da imagem de Nossa
Senhora Aparecida, no ano passado, pode-se deduzir que o Papa Francisco, ao
contrário dos episcopados latino-americano e brasileiro, tem posições bastante
consolidadas sobre a situação política na América Latina e, em especial, no
Brasil. Aliás, a narrativa de Francisco acerca dos “golpes brandos” ou “suaves”
é a mesma narrativa reproduzida quase que unanimemente pela mídia internacional
e, sintomaticamente, rechaçada pela mídia tupiniquim.
Obviamente, a
postura de Francisco não se restringe à defesa de um partido ou de uma ou outra
personalidade. Suas admoestações (como o bom pastor que se preocupa com a vida
digna de seu rebanho), tratam, fundamentalmente, de uma posição política baseada
na leitura acerca da realidade brasileira, marcada pela avassaladora destruição
do estado de proteção social, implementada pela coalizão que tomou o poder e
que, desde então, mostra-se totalmente descomprometida com a justiça social, a
submeter a maioria dos brasileiros a condições de vida degradantes.
O mandamento
de Jesus é claro: “Eu vim para que todos tenham vida e vida em abundância” (João
10, 10). Neste sentido, Francisco, clara e profeticamente, não aprova medidas governamentais,
não somente no Brasil, mas em qualquer parte do mundo, que deteriorem ou comprometam
a dignidade da vida humana, principalmente dos segmentos empobrecidos.
Em outras ocasiões,
o Pontífice tem denunciado que o sistema financeiro que domina boa parte dos países
na contemporaneidade “tornou-se insuportável”. Por isso, o Papa faz sempre faz
uma convocação: “digamos sem medo [que] queremos uma mudança, uma mudança real,
uma mudança de estruturas”. Para tanto é preciso colocar a economia a serviço
dos povos.” (Discurso do Papa Francisco no II Encontro Mundial dos Movimentos
Populares, na Bolívia, em 2015). E o atual governo brasileiro tem feito
justamente o contrário: coloca a economia a favor dos rentistas e especulares
nacionais e internacionais.
Como disse
Jesus em certa parte do Evangelho, “quem tem ouvidos para ouvir, ouça” (Mateus
11, 15).
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