terça-feira, 10 de abril de 2018

Carta aberta aos bispos brasileiros



Carta aberta aos bispos brasileiros,
por ocasião da 56ª Assembleia Geral da CNBB[1]

Senhores bispos,

Mais uma vez a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) se reúne em assembleia para discutir os rumos da Igreja Católica no Brasil. 

A CNBB nasceu da inspiração de Dom Hélder, o “santo rebelde”. E Dom Helder se tornou referência ética e profética para os cristãos porque sempre foi um discípulo que tinha lado: o lado dos pobres, dos excluídos, dos marginalizados, dos sem voz e sem vez. Optou por seguir, radicalmente, Jesus de Nazaré - que nunca deixou de afirmar com gestos, palavras, ações e testemunhos que o Deus da vida é do Deus dos pobres e dos sofredores.

Neste ano do laicato, a CNBB está a insistir no protagonismo dos leigos. Pois muito bem! Estou aqui para incitá-los a um debate e uma reflexão sobre a vida (e a morte) dos brasileiros e o papel da Igreja Católica no momento atual do nosso país.

Num país marcado pela secular e avassaladora desigualdade social[2], pela violência estrutural[3] e pela injustiça[4], a impossibilitar condições de vida com dignidade a milhões de brasileiros[5], o testemunho cristão é um imperativo ético, um dever profético e uma atitude de fé.

Nos últimos anos assistimos em nosso país ao recrudescimento de disputas reais e simbólicas que redundam num quadro de deterioração sem precedentes de conquistas sociais e políticas dos brasileiros. Como se não bastasse tão grandiosa desventura, um clima de ódio e de violências se espraiam no país.

A CNBB já se manifestou algumas vezes sobre alguns desses temas[6]. Não obstante, a coalizão governista toca uma avassaladora política ultraliberal e continua a empreitada de privatização e esfacelamento do estado e das políticas sociais.

Por outro lado, há um vertiginoso crescimento de grupos religiosos ultraconservadores, inclusive dentro do espectro do catolicismo, colonizando os poderes públicos e usando de estratégias violentas para a criminalização dos mais pobres, dos defensores dos direitos humanos, dos movimentos sociais organizados; enfim, de segmentos que lutam por uma sociedade mais justa, igualitária, fraterna e inclusiva.

No quadro político, a deterioração dos três poderes da República sinaliza a ausência de qualquer perspectiva para saídas democráticas e constitucionais à crise institucional que se instalou no país desde as eleições de 2014, agravando-se com o impedimento da ex-presidente Dilma Rousseff, sem comprovação de crime de responsabilidade, e a controversa prisão do ex-presidente Lula, marcada por um processo caracterizado pela politização judicial[7]. Esses fenômenos não podem ser naturalizados e refletem os caminhos tortuosos da vida política nacional.

A imprensa, dominada por oligopólios econômicos, atua em uníssono como um partido político, a impor uma “verdade única” e a insuflar a radicalização dos discursos de ódio. As redes sociais se transformam num patíbulo.

O desrespeito à ordem constitucional levou membros das Forças Armadas, na ativa, a desrespeitarem flagrantemente a lei[8] , manifestando publicamente suas posições políticas e partidárias.

O Supremo Tribunal Federal se transformou num campo de batalhas, exibidas em rede nacional, para o constrangimento geral.

O panorama eleitoral é dos mais complexos: projeções especializadas dão conta que é alta a tendência, nas eleições deste ano, de manutenção dos atuais ocupantes do Congresso Nacional[9], caracterizado pelo conservadorismo[10] e por implementar uma série de reformas que maculam a Constituição Federal de 1988.

Sob outra perspectiva, há uma clara estratégia de empoderamento político-partidário de muitas igrejas evangélicas pentecostais e neopentecostais e partidos ligados a elas para ampliarem suas bancadas na Câmara e no Senado a partir de 2019.[11]

O quadro torna-se ainda mais complexo à medida que está cada vez mais incerta a realização das eleições, previstas para outubro deste ano.

Nesse cenário, a tendência de um acirramento das disputas parece evidente. Além do escandaloso contingente de homicídios no país (cerca de 60 mil por ano, vitimando principalmente pobres, negros e jovens), o número de ativistas executados nos últimos cinco anos já chega a 194, sendo 20 apenas no Rio, segundo levantamento do jornal “O Estado de São Paulo”. A União de Vereadores do Brasil informa que o número de vereadores e de prefeitos mortos entre 2017 e 2018 já chega a 23. Estão de volta os crimes políticos, a nos recordarem, entre outros acontecimentos, os tempos sombrios da Ditadura.

Como é sabido, num país historicamente marcado pela aniquilação das vozes que discordam do establishment, certamente serão os pobres, os movimentos sociais e os grupos vulneráveis que padecerão da violência estatal à medida que se aprofundam as crises política, econômica e institucional.

Por isso, penso que a CNBB, tendo em vista sua história na luta pelas liberdades democráticas e pela justiça social, é convidada a se posicionar claramente sobre a situação política atual do nosso país, a indicar à sociedade brasileira caminhos de superação da crise.
Está em jogo, no atual momento, o futuro da nossa Nação. Muitos podem argumentar que a pior atitude da Igreja, com vista a agradar gregos e troianos, seria a omissão. É fato que uma atitude profética sempre implicará em riscos.

O medo e a paralisia que se abateram sobre muitas lideranças sociais e políticas - e que trarão consequências perversas à vida do nosso povo – poderiam ser enfrentados com corajosa atitude profética dessa Conferência, nesse momento crucial da vida nacional.

Não poderia ser diferente. Termino essa modesta missiva com um trecho da última exortação apostólica do Papa Francisco: “Não podemos propor-nos um ideal de santidade que ignore a injustiça deste mundo, onde alguns festejam, gastam folgadamente e reduzem a sua vida às novidades do consumo, ao mesmo tempo em que outros se limitam a olhar de fora enquanto a sua vida passa e termina miseravelmente. ” (Exortação Apostólica Gaudete et Exsultate, 101).

Robson Sávio Reis Souza é assessor de movimentos sociais e eclesiais; é professor universitário, com doutorado em Ciências Sociais.


[1] De 11 a 20 de abril de 2018, em Aparecida (SP).
[2] Relatório de janeiro de 2018 da ONG Oxfam aponta que cinco bilionários em nosso país têm a mesma riqueza que a metade mais pobre dos brasileiros e os 5% mais ricos detém a mesma fatia de renda dos demais 95% da população.
[3] CNBB. Texto-base da Campanha da Fraternidade de 2018: “A violência como sistema no Brasil”, pp 24-29.
[4] CNBB. Texto-base da Campanha da Fraternidade de 2018: “A ineficiência do aparato judicial”, pp 38-40.
[5] “Eu vim para que todos tenham vida e a tenham em abundância” (Jo 10,10).
[6] Nota sobre o momento nacional, de 21 abr. 2015; Nota sobre a PEC 241, de 27 out. 2016; Nota sobre a PEC 287/2016 (Reforma da Previdência), de 23 mar. 2017; Nota pública contrária ao projeto de reforma trabalhista, de 10 jul. 2017 e Nota sobre o atual momento político, de 26 out. 2017.
[7] O jurista italiano Luigi Ferrajoli, um dos expoentes das teorias do garantismo constitucional, escreveu sobre o tema. Confira no link a seguir: [https://rodrigocarelli.org/2018/04/07/uma-agressao-judiciaria-a-democracia-luigi-ferrajoli]. O livro “Comentários a uma Sentença Anunciada: o Processo Lula”, reúne 103 artigos, de 122 juristas, que apontam problemas e equívocos na sentença do Juiz Sergio Moro, que condenou o ex-presidente Lula no caso do tríplex.
[8] O decreto 4.346, de 26 de agosto de 2002, que regula o comportamento de militares das Forças Armadas Brasileiras não permite a manifestação pública, sem uma autorização prévia, sobre política. Trata-se do item 57 do anexo sobre a relação de transgressões: "Manifestar-se, publicamente, o militar da ativa, sem que esteja autorizado, a respeito de assuntos de natureza político-partidária." O texto foi assinado pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso.
[9] “Câmara deverá ter um dos maiores índices de reeleição das últimas décadas, projeta Diap”. Veja em: [http://congressoemfoco.uol.com.br/noticias/camara-deve-ter-um-dos-maiores-indices-de-reeleicao-das-ultimas-decadas-projeta-diap].
[10] Segundo reportagem do jornal “O Estado de São Paulo”, de 06 de outubro de 2014, “o aumento de militares, religiosos, ruralistas e outros segmentos mais identificados com o conservadorismo refletem, segundo o diretor do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), Antônio Augusto Queiroz, [que] o novo Congresso é, seguramente, o mais conservador do período pós-1964".
[11] “Evangélicos querem eleger 150 deputados e 15 senadores”. Fonte: [http://www.valor.com.br/politica/5257923/evangelicos-querem-eleger-150-deputados-e-15-senadores-este-ano]. Veja, também: “Evangélicos querem Crivella presidente e bancada de um terço da Câmara em 2018”. Fonte: [https://jornalggn.com.br/noticia/evangelicos-querem-crivella-presidente-e-bancada-de-um-terco-da-camara-em-2018/].


6 comentários:

  1. Eu quero ouvir a voz da CNBB, em meio à grave crise reinante no meu país. Sou católica atuante em minha comunidade paroquial. Que ouvir o clamor dos pastores em favor do povo que está sendo cada vez mais oprimido.

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  2. Muito oportuno e necessário o questionamento.

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  3. Eu quero ver os meus Pastores testemunhando sua missão religiosa seguindo os passos e exemplos de Jesus Cristo numa igreja em saída como nos pede o Papa Francisco. Quero de volta a democracia do meu País e os direitos sejam respeitados para todos igualmente.

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  4. Não acho que politica deva ser um assunto a ser discutido por religião alguma. Respeito mas não concordo, afinal isso nuca gerou bons frutos.

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    1. Política deve ser assunto a ser discutido, quando em jogo estao os pobres e marginalizados. A posição da Igreja deve ser sempre em favor dos menos favorecidos. O que me deixa intrigado como cristão é que a movimentação política que favorece os poderosos e implanta a injustiça nunca é condenada e tratada como política.

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  5. É hipocrisia dizer que religião na se mistura com política, pois enquanto os fiéis ficam sendo massa de manobra por pastores que se elegem vereadores, deputados federais, governadores, prefeitos, sempre por partidos que não estao nem aí com a pobreza, os negros, jovens, deficientes, mulheres, idosos, enfim a cada eleição ficam mais ricos. No lado católico, também temos padres e bispos que por melhorias nas igrejas de omitem e apenas discutem superficialmente o espiritual e indiretamente apoiam politicamente os piores candidatos, ou seja, são todos responsáveis por este desmando, deixaram de cuidar de almas para cuidar do patrimônio e econômico.

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