Às vezes ficamos lamentando a
situação vexatória de um país que está sendo lançado ladeira abaixo, depois do
golpe de 2016. Mas, esquecemos que muitas vitórias foram alcançadas nos últimos
dois anos.
E é preciso registrar essas conquistas
que, desde então, foram - lenta e gradualmente - consolidando a resistência
democrática.
A luta dos setores populares e
democráticos é contra uma poderosa coalização que tomou de assalto o poder e,
amalgamada nos três poderes da república, tem o apoio do dinheiro do
capitalismo rentista nacional e internacional e as mãos sempre invisíveis da
patota do Tio Sam. Por isso, é preciso valorizar cada conquista...
Vamos iniciar aqui um inventário
de avanços políticos da resistência ao golpe. Cada um(a) que ler este artigo
poderá acrescentar outros pontos que fazem da luta pela democracia de fato um
processo político digno de nota e que, mais cedo ou mais tarde, redundará na
retomada do controle do poder central e, em consonância com o preceito
constitucional, fará valer o princípio segundo o qual “todo poder emana do
povo”.
Ganhamos a narrativa acerca do
golpe. Graças a uma poderosa rede comunicacional envolvendo diferentes atores
que, desde a primeira hora, denunciaram a ruptura democrática no fajuto impeachment sem crime, foi-se
consolidando um consenso segundo o qual tal processo era um golpe travestido de
legalidade. Hoje, o mundo inteiro percebe que o Brasil é uma nulidade em termos
de democracia. Qualquer mortal sabe que os golpistas são tratados com desdém pela
comunidade internacional. Até mesmo a mídia empresarial nativa,
serviçal de primeira hora dos golpistas, foi obrigada a usar o termo “golpe”,
dado que já não se pode esconder o óbvio ululante.
Há um ressurgimento potente de
vários movimentos sociais, principalmente ligados às questões de gênero (feministas
e LGBT+), étnicos (movimentos negros) e geracionais (juventudes). Esses
movimentos lideram importante resistência ao golpe e denunciam suas feições machista,
racista, homofóbica e velhaca.
Criou-se uma imensa polifonia
jornalística e comunicacional (que cresceu nos dois últimos anos), contrapondo
com qualidade e profundidade a mídia empresarial-golpista; articulando parte da
opinião pública progressista e, também, divulgando e produzindo informação
voltada aos segmentos sociais de base a consolidar uma resistente narrativa
contra os golpistas. Sites, blogs e redes sociais se tornaram importantes
mecanismos de mobilização e resistência política.
Por isso, setores historicamente
poupados das narrativas golpistas e que sempre se aliaram à Casa Grande foram
solenemente desnudados nos últimos anos: as castas jurídicas incrustradas no
estado e capitaneadas por segmentos elitistas e antidemocráticos do Ministério
Público, do Judiciário e das polícias, principalmente a federal, entraram
solenemente no rol dos assaltantes da democracia e de lá não sairão imaculados,
como aconteceu anteriormente no golpe de 1964, cujas narrativas poupam esses
históricos colaboracionistas das elites nacionais. Hoje, qualquer brasileiro
sabe que o golpe, também, veste toga, “com o Supremo; com tudo”.
As esquerdas, tendencialmente
ensimesmadas em seus microuniversos políticos, foram provocadas ao diálogo e têm
buscado construir consensos importantes em torno de projetos comuns para o país.
Dos setores de esquerda nasceram e consolidaram as frentes Brasil Popular e
Povo Sem Medo que se constituem em mecanismos potentes de formação política,
construção coletiva de plataformas programáticas para um futuro governo
popular, além de atuarem na organização e formação das bases sociais.
A classe média que, como um
pêndulo sempre está do lado que mais lhe convém, à medida que foi percebendo (pela
narrativa contra-hegemônica da mídia alternativa e democrática) que o golpe não
era somente contra os pobres, mas também contra si, começou a se reposicionar
politicamente. Isso explica, em parte, nesse momento, a adesão de setores
importantes dessa classe às candidaturas de esquerda.
Os falaciosos discursos
anticorrupção, que reduziram setores da classe média a midiotas e
manifestoches, foram desmascarados e desnudaram o caráter moralista e classista
de segmentos que não têm nenhum compromisso com a ética pública e só se
preocupam com a defesa de privilégios.
O golpe também lançou luz sobre
os verdadeiros interesses de movimentos religiosos ultraconservadores que se
espraiam pelo país, em parte bancados como o financiamento estadunidense. Está
cada vez mais cristalina a participação de líderes religiosos que usam da
boa-fé do povo para manipular, espoliar e enganar a população. Nunca se
percebeu com tanta clarividência que há um bando de falsários, sepulcros
caiados e enganadores que se escondem sob o manto da religião para manter o
povo alienado e na condição de miséria e pobreza e, nessa condição, fazem
proselitismo e faturam alto.
O povo, de maneira geral, já
percebe que os partidos que perderam as eleições de 2014 (encabeçados pelo PSDB
e que não aceitaram democraticamente os resultados das urnas) foram reduzidos a
pó. Para disputar o próximo pleito, a direita desavergonhada tenta ressuscitar
a velha política do “panis et circenses”. Não tendo nenhum candidato
competitivo às eleições deste ano, corre atrás, desesperadamente, de um
salvador da pátria ou de um palhaço de auditório, sob o comando do
sociólogo-rei, que se encontra nu e sem súditos.
As “reformas” encabeçadas pelos
golpistas mostraram à opinião pública que os verdadeiros ganhadores do golpe
são os banqueiros, os latifundiários, os especuladores e rentistas e que o
governo de plantão, gerente de tais grupos, só serve para contrair interesses
do povo, da nação e da democracia, a favor do sistema financeiro global. As
pesquisas de opinião indicam a desaprovação quase unânime do receituário
ultraliberal comandado por Meireles et caterva, o preposto dos banqueiros e
especuladores, e tocado por um congresso que mais se assemelha a uma turba de
larápios.
Está claro, também, que as elites
agrárias e empresariais que ainda dominam o Brasil e comandam o atual governo (herdeiras
da cultura colonial e submissas historicamente à burguesia mundial, sem projeto
nacional e alheias aos interesses do país) carregam a tradição elitista,
racista, etnocêntrica, patriarcal e violadora dos direitos humanos. São os
filhotes da Casa Grande.
Por tudo isso e outras conquistas
não narradas neste pequeno texto temos muito que comemorar.
Sabemos que o caminho para a
reconquista da democracia real é longo. Por isso, continuemos a evitar ilusões
messiânicas; atuemos em diversas frentes, na consolidação de um projeto
nacional (que inclua um referendo revogatório das reformas de Temer e se
comprometa com profundas reformas estruturais: política, tributária, da mídia, da
justiça, entre outras). Retomemos as ações estratégicas de organizações de base,
trabalhando a formação política; unifiquemos as lutas sociais e continuemos a
criar novos mecanismos de informação e formação alternativos aos oligopólios da
mídia.
A luta continua...
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