Falta
praticamente um ano para as eleições de 2018. Tão ou mais importante que as
eleições que marcaram o processo de redemocratização do Brasil - haja vista a
violência à ordem democrática e constitucional advindas com e depois do golpe
de 2016 -, as próximas eleições serão cruciais para a reversão das ações
golpistas em curso, caracterizadas pelo desmonte do Estado e das políticas
sociais, pilhagem do patrimônio público e submissão do país aos interesses do
rentismo internacional, no plano econômico, e dos Estados Unidos, no plano
geopolítico.
A extensa
coalizão que montou e executou o golpe tem dado alguns sinais de fraturas. Mas,
não nos enganemos. O grupo tem, pelo menos, um denominador comum: inviabilizar,
a qualquer custo, uma candidatura que ameace os interesses dos atores que
tomaram de assalto o poder. Em outras palavras, extirpar qualquer pretensão do
campo popular-democrático e progressista que apresente uma viabilidade
eleitoral.
Além das
manobras executadas por Temer, Aécio, Gilmar et caterva, há uma série de sinais
que são emanados pelo “centrão”, no Congresso, e pelos parceiros (do golpe) na
mídia, no empresariado e no poder judiciário a sinalizarem que nem mesmo a
democracia de baixíssima intensidade será tolerada se isso significar uma
reversão dos intentos da trupe dos golpistas.
Isso
significa que caberá aos setores social-democráticos, de esquerda e do campo
popular se unirem para contrapor a coalizão golpista. E, somente uma ampla
concertação nacional, que envolva lideranças políticas, sociais, sindicais,
religiosas e intelectuais terá força necessária e suficiente para enfrentar e
derrubar o poderoso grupo no poder.
Uma
concertação política é diferente de uma coalizão política. Primeiro, porque não
se trata de uma conciliação de interesses.
Enquanto
a coalizão é formada por atores que têm ideias e crenças similares e se
associam tendo em vista objetivos comuns, uma concertação é fruto de um esforço
muito mais amplo. Envolve diferentes atores políticos e institucionais e as organizações
da sociedade, nem sempre com os mesmos objetivos. O grande desafio é recolocar
a democracia no centro de todos os interesses:
trata-se de um projeto para o país, para além de empenhos imediatos e,
às vezes, mesquinhos e eleitoreiros. Ademais, exige que os líderes das forças
progressistas estejam dispostos a negociar com generosidade, o que significa
abrir mão de posições cristalizadas que impedem o diálogo e a ampla composição.
Vamos, então, dar nomes e apontar
responsabilidades: em primeiro lugar, é preciso que Lula e o PT assumam, com
humildade e desprendimento (e isso não é pouca coisa), o protagonismo nessa
empreitada. Os protagonistas, que fique claro, não têm vantagens; têm
responsabilidades.
Assim,
cabem a Lula, pelo capital político e eleitoral que tem e ao PT, pelo fato de
ser o partido, no campo social-democrático e popular, com maior capilaridade e
densidade eleitoral liderarem o processo. Para tanto, ambos os atores devem ter
a grandeza de fazer autocríticas e se disporem a pactuar uma ampla aliança com
a participação ativa de outros atores.
Compete
ao PT e a Lula, por exemplo, esclarecerem à sociedade que arco de alianças estão
dispostos a assumir. O velho pacto entre elites, além de não garantir
viabilidade eleitoral, certamente não aglutinará boa parte de segmentos
importantes das esquerdas e da classe média que não aceitam conchavos
eleitorais em detrimento da ética e de projetos programáticos de governo e de
país. Ademais, Lula e o PT precisam entender que concertações nacionais
demandam a cessão de espaços de poder, para além dos discursos e das
estratégias eleitorais.
Os demais
atores, por outro lado, precisam entender que somente com um amplo arco de
alianças eleitorais será possível derrotar o grupo que solapou a democracia.
Portanto, purismos e discursos vazios, lançado à plateia, devem ser superados.
O cálculo eleitoral, baseado em critérios objetivos e éticos, deve ser
considerado.
Dilma, a
presidenta injustamente deposta, é figura importante no centro dessa pactuação:
tem um bom capital político, auferido pela sua postura honesta e aguerrida durante
todo o processo de impedimento, além de representar extraordinários segmentos
sociais, como o das mulheres.
No campo
das esquerdas, outros partidos com o PDT, o PSB, o Psol, o PCdoB devem assumir
as responsabilidades pelo momento histórico, superando divisões pragmáticas e
atitudes ensimesmadas. Tais partidos precisam compreender que a aposta no
fracasso do PT ou a pretensão de assumir o seu lugar no cenário político não
colabora na construção de uma ampla aliança contra os golpistas e inviabiliza
uma concertação nacional.
É preciso
que as lideranças desse campo estejam em condições simétricas nessa engenharia,
se se objetiva a formatação de uma potente concertação. Políticos como Marcelo
Freixo e Ciro Gomes, que podem colaborar substantivamente com processo, precisam
ser convocados e devem “baixar a bola”.
Do campo
de centro-esquerda há lideranças políticas que podem contribuir decisivamente
na construção de alianças internas aos seus respectivos partidos, engrossando a
concertação. Para citarmos um exemplo, o senador Roberto Requião, do PMDB.
Até mesmo partidos e políticos liberais de centro, do campo democrático, não devem ser
descartados numa concertação programática.
Fundamental
para o sucesso de uma aliança progressista e democrática é a participação das
frentes Brasil Popular e Povo Sem Medo. Assim, lideranças como Guilherme Boulos
e João Pedro Stédile são imprescindíveis.
Personalidades
do mundo intelectual e artístico, que sejam representativas do campo
democrático, precisam ser acionadas a colaborarem nessa empreitada. Elites
intelectuais, artísticas e religiosas são importantes catalizadores de apoio no
seio da sociedade e junto a segmentos cambiantes, principalmente da classe
média.
Da mesma
forma, líderes progressistas de entidades da sociedade civil, como a
Conferência Nacional dos Bispos do Brasil e a Ordem dos Advogados do Brasil
(duas entidades visivelmente divididas pelos interesses dos múltiplos grupos
que as compõem, mas cujos quadros progressistas são fundamentais no processo de
concertação nacional). Sem a adesão de instituições sociais de peso, como
ocorreu no processo de redemocratização, não será possível uma concertação
nacional-democrática.
Como
escreveu o midiativista Ricardo Targino, vivemos não somente um golpe.
Trata-se, também, de uma guerra: “um tipo complexo e não convencional de
intervenção contra a soberania nacional. Só uma guerra é capaz de justificar o
incremento brutal da violência, da criminalidade, da sensação de insegurança e
do medo no Brasil pós-impeachment. Só uma guerra é capaz de explicar o desmonte
do Estado brasileiro e a entrega do patrimônio público e dos recursos naturais
do país ao capital privado internacional.”
Numa
guerra, tão importante como uma boa estratégia de disputa e o dimensionamento
exato do potencial do adversário é conseguir congregar o máximo de forças e de
múltiplas energias para o enfrentamento do inimigo. Assim, somente uma ampla
concertação nacional terá essa capilaridade e potência.
Portanto,
aos líderes democráticos e populares serão creditados os bônus se o Brasil
conseguir vencer a batalha eleitoral do ano que vem, com vistas à reversão dos
efeitos danosos do golpe. Da mesma forma, a eles serão também debitados os
ônus, caso não consigam construir uma concertação nacional capaz de enfrentar e
vencer os golpistas e tudo o que eles representam.
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