Charge: Neltair Rebés Abreu, o 'Santiago' |
Realmente, o sistema político
está apodrecido. E os líderes políticos também.
O processo de impeachment contra a presidenta Dilma
Rousseff foi violentíssimo. Um bando, em sua maioria de corruptos e poderosos,
tomou de assalto o poder, pisoteando a Constituição e os princípios mais
elementares do jogo democrático: respeito às regras e às deliberações
populares.
A coalização golpista, um
ajuntamento de interesseiros – que doravante se agafanharão para conseguir seus
pleitos no presente e no futuro -, como ocorreu em vários momentos da história
nacional (1954 e 1064 estão logo ali), não mediu esforços para alcançar seus objetivos: tirar a fórceps a
presidenta, interromper um governo de viés mais popular e tentar, com o golpe e
numa só tacada, extirpar o PT. Com a empreitada, objetivou-se também sinalizar
à sociedade que os velhos-novos coronéis estão de volta, em nome da “lei e da
ordem” (deles).
Mais uma vez o processo político foi determinado
pelas nossas elites conservadoras, com forte indistinção entre público e o privado e seu desdém às leis, normas e valores republicanos. Elites que insistem
em sustentar um caduco sistema político afastado do povo; uma democracia sem demos.
O modus operandi dessas elites é simples e simplório: como não
respeitam as normas, consideram o direito apenas na sua formalidade e não
operam para o funcionamento das instituições nos moldes republicanos, sempre
lhes cabe determinar os rumos da história. Aos cidadãos restam a dependência
aos favores pessoais e às clivagens de classe para o acesso aos bens públicos e aos direitos de cidadania.
E ponto.
Porém, é imperioso dizer, esse
pensamento não é somente das elites da direita tradicional. Grupos de elite da esquerda
agem da mesma forma quando no poder. Pensam que a transformação só se opera
pelo pacto entre as elites e conspiram quando há iminência de renovação de
baixo para cima; apesar do discurso.
Os protestos de 2013 sinalizaram
o movimento de insatisfação geral dos brasileiros em relação a um estado que
não opera para realização da cidadania de e para todos e todas. Passado aquele momento,
todos os políticos tradicionais, de direita e de esquerda, voltaram para os seus gabinetes. E esqueceram que há uma insatisfação latente da sociedade, não
somente no Brasil, com esse modelo que “não nos representa”.
Neste sentido, Dilma deve um mea culpa à sociedade. No segundo
governo, talvez meio abandonada pelos comensais do poder, ao invés de uma guinada para aumentar sua base popular, a presidenta
foi logo tentar as conciliações por cima, inclusive indicando para ministro da
Fazenda um preposto de seus algozes.
Pois bem. Incapazes de absorver
essa nova gramática social – um clamor por uma nova política lastreada nas demandas
populares -, as esquerdas patinaram desde 2013. E, como na política não há espaço para
vácuos, os segmentos de direita que se empoderaram na ocasião, capturando
uma parte dos “revoltados” on e off line, articularam a mais ampla
coalização da história deste país. E todos vimos o resultado nesse processo
fajuto de impeachment, um verdadeiro estupro à democracia.
A população, em 2013, pedia mais
estado (mais e melhores políticas públicas) e, paradoxalmente, menos de três anos depois
tomou de assalto o poder um grupo que fará o oposto: mais e muito mais para o deus-mercado.
Como a história é movimento e
disputa contínuos, o processo de impeachment começou
a rearticular amplos e diversificados segmentos sociais e as esquerdas no
Brasil. Uma nova potência está em construção. A violência do processo conduzido
pelas velhacas elites políticas; suas características machistas, misóginas,
elitistas, autoritárias; seus principais atores atolados na corrupção e no
discurso vazio do moralismo; a participação escancarada da mídia oligopolizada;
o dinheiro sujo das empresas sonegadoras; a ação seletiva de juízes, promotores
e policiais agindo num estado paralelo dentro do estado democrático... Tudo isso
começou a despertar em setores sociais dos mais distintos uma imensa indignação
e repulsa. As ruas voltaram a falar.
A violência da destituição da
presidenta e a não menos violenta leniência em relação a políticos como Eduardo
Cunha escancararam, interna e externamente, o golpe. Criaram-se condições para que
a insatisfação latente da população em relação ao carcomido sistema político
voltasse a ocupar o centro do debate.
De repente, nos bastidores, mais
uma vez, o pacto entre elites operava silencioso. Setores do PT e aliados, coronéis do velho PMDB e membros do judiciário costuraram um acordo de cavalheiros para
minimizar a violência do golpe e aplacar a ira dos cidadãos: a cassação do
mandato com a preservação dos direitos políticos da presidenta. O tradicional esquema
do bate-e-assopra para manter tudo como sempre esteve.
Esse tipo de acordo enfraquece e impede a
transição do Brasil para o moderno. Nossos avanços parecem estar sempre fadados
a serem graduais, não violentos, conchavados. É sempre uma modernização conservadora,
pactuada nos bastidores; conciliadora. Uma revolução passiva. Um jogo político
sempre controlado.
Porém, estou convencido que o
momento histórico poderá criar condições para superar essa velha marca do
processo de transformação social brasileiro.
A pluralidade e a diversidade que
emergiram da sociedade nos últimos anos; o gradual protagonismo dos jovens e
das mulheres; os novos atores sociais, com suas clivagens identitárias, étnicas
e sexuais - que não aceitam a condição de expectadores dos jogos políticos
tradicionais - poderão imprimir uma nova gramática à nossa Nação.
Esses grupos, historicamente
invisibilizados e excluídos do processo político, conheceram outro mundo; uma
outra forma de se produzir e se reconhecer o mundo.
Espero que esses grupos estejam dispostos a fazer história. E não aceitar, mais uma vez, que o conchavo das elites impeça os avanços substantivos da nossa sociedade.
Espero que esses grupos estejam dispostos a fazer história. E não aceitar, mais uma vez, que o conchavo das elites impeça os avanços substantivos da nossa sociedade.
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