quarta-feira, 11 de novembro de 2015

Educação brasileira: se está ruim, de quem é a culpa? Uma crítica ao modelo educacional brasileiro


Pra início de conversa: da educação infantil à pós-graduação a educação brasileira dá uma bela lição de como não educar à cidadania. O problema não é só dinheiro. O grande dilema a ser enfrentado é o modelo educacional concebido para manter o status quo inalterado e um cidadão docilizado. A quem interessa esse modelo?

Quero propor uma discussão acerca do papel da educação, principalmente do ensino superior, na definição de novas políticas para a educação. Imediatamente informo que este texto não é para buscar bodes expiatórios. Mas, adianto: a responsabilidade pelo fracasso da educação brasileira deve ser compartilhada entre governos, gestores, professores, instituições de ensino, pais e alunos. Todos têm parcela de responsabilidade nessa história.


(Considerado um dos pensadores mais notáveis na história da Pedagogia mundial tendo influenciado o movimento chamado pedagogia crítica, Paulo Freire também é o Patrono da Educação Brasileira. Sua prática didática fundamentava-se na crença de que o educando assimila o objeto de estudo fazendo uso de uma prática dialética com a realidade, em contraposição à por ele denominada educação bancária, tecnicista e alienante. O educando cria a sua própria educação, fazendo ele próprio o caminho, e não seguindo um já previamente construído. Libertando-se de chavões alienantes, o educando segue e cria o rumo do seu aprendizado. Destacou-se por seu trabalho na área da educação popular, voltada tanto para a escolarização como para a formação da consciência política).


Apresentarei aqui muitos questionamentos e praticamente nenhuma receita. Reconheço que tenho muitas dúvidas; quase nenhuma certeza. Penso, também, que vivemos um momento complexo, no qual toda crítica, apesar de importante, é incompleta e, neste sentido, há que se pensar em múltiplas chaves de análise.

Permitam-me, inicialmente, uma breve introdução. Podemos dizer que a política de educação atual tem como marco legal a Constituição de 1988 e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB/1996), atualizada recentemente. Foi a partir desses marcos legais que se iniciou o processo de ampliação, descentralização e municipalização de políticas sociais em geral, e da educação em particular.

         A nova Constituição Federal afirmou que a educação é direito de todos e dever do Estado, portanto, cabe a ele oferecer educação pública de qualidade. Além disso, redistribuiu as obrigações pelos entes federados, ao afirmar que o Brasil é uma federação e que as obrigações serão distribuídas entre Estados, Municípios e Distrito Federal, com o concurso da iniciativa privada.

         Na década de 1990, período no qual o Brasil deveria ampliar as políticas sociais (dado o trágico legado histórico de exclusão, que atingia a maioria dos brasileiros),  fomos surpreendidos por um contexto internacional de ampliação do chamado neoliberalismo, pretenso fim da história e época de políticas focalizadas, restritivas e voltadas para o bom desempenho dos governos com base em políticas de resultado. Nunca antes na história deste país se ouviu falar tanto e de forma tão incisiva a palavra gestão. Não obstante a imperiosa necessidade de eficiência do setor público, o foco em resultados redundou no enquadramento das políticas públicas, avaliadas a partir de então pelo critério da eficiência e nem sempre tendo em vista a efetividade dessas políticas.

         Porém, foi neste contexto que o governo brasileiro praticamente universalizou as matrículas para o ensino fundamental; no entanto, não garantiu a qualidade da educação; também não garantiu a permanência das crianças na escola, e a entrada ao ensino médio ficou restrita uma parcela dos ingressantes no ensino fundamental. A análise dos dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad, 2012) feita pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostra que, apesar de ter aumentado de 27% para 51% a frequência de estudantes entre 18 e 24 anos no ensino superior, essa expansão educacional apresenta disparidades, principalmente se levado em conta o critério racial. De acordo com o IBGE, o percentual de negros no ensino superior passou de 10,2% em 2001 para 35,8% em 2011. Outro gargalo encontra-se no ensino infantil, especialmente de 0 a 3 anos: as creches atendiam pouco mais de 20% da demanda.

         É certo que na última década a educação deu um salto, especialmente, a educação superior, com programas tais como o Reuni, em apoio a expansão das universidades públicas federais; o Prouni, oferecendo vagas nas instituições de ensino superior privadas, a ampliação do Fies, financiamento das mensalidades nas universidades privadas etc.

Porém, somente 19% dos jovens entre 18 e 24 anos estão nos cursos superiores. A concentração da educação superior, não obstante a ampliação da rede pública, está nas mãos da iniciativa privada.

         Com o aumento da arrecadação de impostos e taxas nos últimos anos, no período de crescimento da economia, os investimentos públicos em educação foram sensivelmente majorados. Com a aprovação da lei que garante 75% dos royalties do petróleo do pré-sal para a educação, o Ministério da Educação prevê a entrada, nos próximos 30 anos, de R$ 368 bilhões no investimento em educação, podendo chegar a meio trilhão de reais.

Apresentado esse modesto cenário da política pública de educação brasileira, proponho, agora, uma breve discussão sobre políticas para a educação, obviamente pautando alguns pontos entre tantos possíveis de serem abordados.

Há, ainda, certo consenso segundo o qual a educação é a salvação da lavoura. Ou seja, a educação teria quase uma função redentora, principalmente em contextos de grande desigualdade social, como é o nosso caso.

Com o aprofundamento do neoliberalismo nas últimas décadas, quando a economia determina a política, subjugando-a; os direitos passam a ser concessões, os cidadãos são clientes e o estado se amesquinha frente aos interesses privados e do mercado, temos situações das mais paradoxais. Vejamos um cenário atual: em partes da Europa, com índices invejáveis de escolarização se comparados à realidade brasileira, observamos o desemprego campeando. Usando esse mesmo critério de comparação, o Brasil está em situação diametralmente oposta: escolarização deficitária, e quase situação de pleno emprego; porém muitos empregos de baixa qualidade.




Retomemos alguns dados: no Brasil, temos o ensino fundamental com cobertura quase integral, mas de qualidade muito aquém do desejável; ensino médio insuficiente para atender os jovens num momento crucial de suas vidas; ensino superior majoritariamente nas mãos de instituições de ensino privadas, muitas delas focadas num modelo educacional direcionado exclusivamente para a formação para o mercado, com estímulo a práticas individualistas e permeadas por uma relação na qual o que vale é atender bem ao aluno-cliente, oferecendo-lhe mercadoria que satisfaça seus desejos.

O intento de uma educação superior que poderia colaborar com a alteração do status quo, numa sociedade vergonhosamente  desigual e excludente como a nossa, parece ser algo cada vez mais distante.

É nesse contexto, também, que devemos discutir a chamada “crise das licenciaturas”. Quais os motivos que justificariam a baixa procura pelos cursos de formação de professores? Será que o argumento da remuneração dos professores é suficiente para explicar a baixa demanda? Qual o papel dos governos, das universidades e dos docentes na reversão desse quadro? Existiram motivações de outras ordens, como por exemplo, o significado social que vem sendo construído em torno da figura do docente?

Estamos satisfeitos com essa situação? Qual o papel da Universidade para alterar esse quadro? Qual a nossa responsabilidade como educadores que, a princípio, deveríamos estar comprometidos com alteração nas políticas para a educação?

Será que a responsabilidade desse quadro meio dantesco é somente dos governos? O discurso meio óbvio de sempre eleger algum bode expiatório para justificar as mazelas na e da educação resolve?

Será que o aumento nos investimentos em educação, apesar de necessário, é suficiente para mudar essa realidade? As mudanças só são possíveis se elaboradas por agentes externos (como as muitas reformas incrementais na educação, realizadas a partir de financiamento de agências alienígenas?)

É a partir desses questionamentos que quero concluir este post.

Embora pouco discutidas no Brasil, ao longo das décadas de 1990 e 2000, três abordagens tornaram-se bastante influentes na literatura internacional sobre políticas públicas: a Teoria do Equilíbrio Pontuado, a Teoria dos Fluxos Múltiplos e o Referencial de Coalizões de Defesa. Essas abordagens foram desenvolvidas “com o objetivo de explicar a construção de políticas públicas com base em uma noção de processo complexo, que envolve uma ampla variedade de atores, com as mais variadas crenças, valores e conhecimentos especializados”.

Trago aqui uma contribuição da Ciência política para nossa discussão sobre políticas para a educação. O foco é o papel dos atores políticos, suas ideias e crenças e a formação de coalizões que alteram um campo. Penso ser essa uma boa chave de leitura para compreender mudanças numa determinada política. Ou seja, crenças, valores e ideias são importantes dimensões do processo de formulação e implementação de políticas.

Em outras palavras, pensando na política pública para a educação, a manutenção do status quo ou as mudanças só seriam possíveis na medida em que grupos de atores que atuam na política de educação se associassem com novas ideias, baseadas em crenças consolidadas, tentando alterar o campo.

Neste sentido, todos nós, professores, alunos, instituições de ensino superior, somos importantes atores.

Terá sustentação um discurso que omite ou diminui o papel desses atores numa discussão sobre políticas para a educação? Creio que não.

A estratégia muitas vezes utilizada para a responsabilização de outros atores, também importantes, como o governo, os interesses empresariais que operam no sistema de educação, a falta de apoio das famílias em relação as escolas, os parcos recursos investidos na educação, todas essas estratégias são legítimas, mas foram insuficientes para mudanças qualitativas na política educacional brasileira nesse período pós-constituição de 1988.

         Então, caberiam aqui as seguintes perguntas:

- Primeiro, em relação às instituições de ensino, principalmente, as instituições de ensino superior,como atores fundamentais de uma política para a educação comprometida com mudanças sociais:

* Haveria uma responsabilidade ética dessas instituições na configuração de políticas para a educação comprometidas na alteração do vergonhoso quadro de desigualdades sociais, responsáveis pelas variadas formas de exclusão social e subcidadania de milhões de brasileiros?

* O ensino superior tem somente serventia para atender a demandas de mercado ou a interesses meramente individualistas e privados?

* Quais coalizões mantém o atual sistema de ensino superior? Quais os principais interesses que permeiam esses grupos?

Em segundo lugar, algumas perguntas são dirigidas para nós, educadores:

* Exercemos nossa função como atores fundamentais das políticas para a educação?

* Existem coalizões de professores, com ideias e crenças capazes de propor alteração do nosso sistema de educação?

* Como atores relevantes da política, os professores são capazes de se articular para propor mudanças?

* Nossos interesses ainda estão focados no corporativismo expresso somente em épocas de demissão, rearranjos de gestão das instituições de ensino ou períodos de negociação salarial?

         Por fim, uma pergunta aos alunos e alunas: vocês se consideram atores importantes na definição de políticas para a educação?

Conhecemos a realidade de muitos de vocês: acordam bem cedo, pegam um ônibus lotado, trabalham sem parar e, a noite, ainda frequentam a universidade. Falta tempo para lazer e cultura. E falta tempo, também, para pensarem na própria realidade maçante; falta tempo e às vezes suporte teórico para se associarem, formando coalizões capazes de pautar a agenda da educação. Afinal, nosso modelo educacional, inclusive universitária, não prevê tempo para a formação para a cidadania.

Uma política para a educação transformadora depende, em boa medida, da força dos estudantes que, nas manifestações de junho e junho de 2013 mostraram-se incomodados com o modelo de educação que temos.

A transformação que desejamos não se limita a espasmos de participação política. Demanda uma articulação permanente, estruturada, forjada no compromisso com as mudanças. Isso vale para pensarmos desde as situações da micropolítica, no local onde trabalhamos e estudamos, por exemplo, até as políticas mais amplas.

Vamos simplesmente assistir, muitas vezes nos bastidores, os novos arranjos nas políticas de educação? Qual o nosso papel como atores relevantes na configuração de novas políticas para a educação?


Na condição de professor (que deseja ser um educador) ando incomodado e faço essas perguntas primeiro para mim. E, finalizo, partilhando-as com vocês.

2 comentários:

  1. Parabéns pelas considerações Robson Sávio, pelo estudo e pela temática abordada em texto com tantos aprofundamentos. Temos sim de colocar esse assunto em debate numa mesa bem ampla, eclética e participativa. Não sei se falaria em culpa de A, B ou C. Talvez de responsabilidades e responsabilizações de quem tem o dever e a obrigação de fazer e "fazer o dever de casa bem feito". Aí, cada um de nós, em nosso espectro de atuação, temos muito a aprender,conhecimento a partilhar e acima de tudo, disposição e coragem para assumir o que nos propusemos a fazer. Topo fazer essa discussão!

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    1. Obrigado pelo seu comentário, Vera. Um grande e saudoso abraço.

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