Segregação socioespacial é um conceito que
investiga a relação entre as posições que os agrupamentos humanos ocupam no
espaço social e sua localização no espaço físico das cidades. O conceito
articula os estudos sobre desigualdades socioeconômicas e sua relação com a
distribuição das pessoas no espaço urbano.
Há que se considerar que os agentes sociais, nos
dizeres de Bourdieu (1999), se constituem como tais em relação e pela relação
com o espaço social, mas também com as coisas que são apropriadas por esses
agentes (propriedades) e estão situadas num determinado lugar no espaço social
(posição relativa abaixo, acima, entre) e pela distância entre eles.
Como o espaço físico é definido pela exterioridade
mútua das partes, o espaço social é definido pela exclusão mútua (ou distinção)
das posições que o constituem, isto é, como estrutura de justaposição de
posições sociais (Bourdieu, 1999, p. 160).
Para
Sorokin (1980) é possível que um homem,
no universo, apesar de estar perto do outro não tenha nenhuma relação com ele,
pois a proximidade pode se dar somente no espaço geométrico, mas não no social.
Ou seja, as pessoas podem se movimentar no espaço físico sem alterar sua
posição no espaço social e, da mesma forma, podem ter sua posição social
alterada permanecendo num mesmo espaço físico. Em outras palavras, pessoas
próximas no espaço físico podem estar socialmente distantes, assim como pessoas
distantes espacialmente podem compartilhar de um mesmo espaço social.
Assim, descobrir a posição de um homem ou de um
fenômeno social no espaço social significa definir suas relações com um outro
homem ou outro fenômeno social escolhido como “ponto de referência” (Sorokin,
1980, p. 225).
Ainda discutindo o conceito de segregação, é possível identificar dimensões que
caracterizem esse fenômeno. Sabatini e Sierralta (s/d) citando os estudos de
Massey e Denton (1988) tratam de cinco dimensões que classificam os diferentes
índices existentes de segregação quanto a uniformidade, exposição, concentração,
centralização e agrupamento.
Assim, um grupo social segregado seria aquele que
não está uniformemente distribuído no espaço urbano; está minimamente exposto
ao contato físico com membros de outros grupos; está espacialmente concentrado
(em termos de uma alta densidade demográfica); é fortemente centralizado (no
sentido de viver próximo à área central da cidade); e apresenta um marcado
agrupamento territorial (Sabatini e Sierralta, s/d, p. 173).
Martins (s/d, p. 04) respondendo a pergunta “se o conceito de segregação é
pertinente para entender a realidade metropolitana” (brasileira) apresenta uma
série de barreiras que segregam as
pessoas: religiosas, de língua, culturais de diversos tipos, simbólicas e
físicas. Segundo este autor, as cidades brasileiras pluriculturais
(referia-se notadamente a São Paulo) nunca
desenvolveram uma “cultura e mentalidade propriamente urbanas, referidas a um
pluralismo democrático na concepção e no uso da cidade, em particular de seus
espaços públicos e de seus novos espaços, suas áreas de expansão” (p. 01).
Por isso, haveria diferentes modalidades de segregação,
Eu as veria [essas diferentes modalidades de
segregação] como diferentes modalidades de construção de identidades coletivas
parciais de base territorial e vicinal, formas positivas de elaboração de um
modo de vida urbano num cenário de grandes adversidades: falta de equipamentos
urbanos apropriados ao encontro social e à construção de identidades libertas
de constrangimentos e agressões físicas e mesmo simbólicas; e renda territorial
urbana muito alta, que nos últimos tempos tem estimulado a partilha condominial
do preço da terra, justamente em condomínios e vilas fechadas (Martins, s/d, p.
04).
Pode-se notar que nem toda separação no espaço caracteriza situações de
segregação. Os autores fazem distinções entre a “diferenciação” que se
relaciona à crescente especialização das tarefas, gerada pela divisão do
trabalho (diferenciação dos grupos sociais) e “segmentação”, que ocorre quando
há barreiras que impedem a mobilidade das pessoas entre categorias, o que
implica na redução de oportunidades e das interações entre grupos sociais.
Torres e outros (2003, p. 23) chamam a atenção para o fato de que “as
consequências da segregação não são necessariamente consideradas negativas na
literatura da área, mesmo no que diz respeito à segregação étnica. [...] O isolamento pode forjar a cooperação, mas
também pode gerar corrupção política, crime e violência”.
Fica evidente que a segregação socioespacial tem múltiplas causas: diferença de
renda (entre grupos sociais e pessoas); é resultado de fatores econômicos,
sociais e culturais; sinaliza a busca de status de determinados grupos; tem a
ver, principalmente nas grandes cidades, com a influência e certas
determinações do mercado imobiliário; com a distribuição de equipamentos de
bem-estar coletivos; com diferenças de renda; com as intervenções e os
investimentos públicos e as políticas urbanas.
Sendo assim, cabe discutir qual o papel do Estado e, portanto, das políticas
públicas no sentido de melhorar as condições de vida de grupos segregados (aqui
referimo-nos aos pobres), dado que o ideal de igualdade das democracias supõe
uma concepção de cidade como o lugar das interações entre os diferentes.
[...] o
aumento da segregação residencial é contraditório com o ideário igualitário e
democrático presente na ideologia republicana que fundamenta a dinâmica
política dessas sociedades desde a segunda guerra mundial. Por outro lado,
o tema da segregação residencial assume importância também em razão de outros
estudos sobre a pobreza urbana destacarem os seus mecanismos de reprodução no
contexto urbano. Tais estudos têm indicado a crescente correlação entre os
fenômenos da destituição social e a concentração dos grupos em situação de
vulnerabilidade em territórios crescentemente homogêneos, na medida em que
neles cria-se uma dinâmica de causação circular da pobreza (Ribeiro, 2003, p.
157).
Os estudos sobre segregação socioespacial
têm apontado as desigualdades como fator que diminui as oportunidades de
mobilidade social, acesso ao emprego, estreitamento dos horizontes de
oportunidades para os pobres. Portanto, o estudo do tema é de grande
utilidade para o planejamento e implementação de políticas públicas que
atuariam na distribuição de renda, no provimento de moradias populares em
diferentes áreas das cidades, com políticas focalizadas para os grupos mais
vulneráveis que, por exemplo, legalizem os espaços urbanos das favelas com
melhorias de infraestrutura e provimento de equipamentos públicos, entre outras
ações.
Cabe aqui, mesmo que sucintamente, introduzir o conceito de vulnerabilidade
social que está associado às desvantagens sociais que são produtos e reflexos
da pobreza. Essas desvantagens afetam negativamente as pessoas, grupos sociais,
espaços urbanos, com efeitos perversos no exercício da cidadania desses grupos.
Portanto, há uma relação entre
segregação socioespacial, vulnerabilidade social e vulnerabilização da
cidadania.
Esta vulnerabilidade se expressa, portanto, no
cerceamento dos direitos, sejam eles econômicos, políticos e culturais. Aqui,
conectam-se a discussão da pobreza e da exclusão: o cerceamento do direito de
ter dignidade, de ter saúde, de ter habilitação digna, de ser respeitado, de
ter participação política, de ser representado, de ser ouvido, de poder falar
(Hogan e Marandola Jr, s/d, p. 29).
Segundo Torres e outros (2003, p. 21) “é muito
importante entender que, se a segregação pode ser gerada por ações
governamentais; também é verdade que o Estado tem condições de mitigar esse
efeito, criando políticas públicas de integração social e espacial.” Estes
autores apresentam dois grupos de ações governamentais que podem se constituir
como estratégias de intervenção sobre o espaço urbano. São elas:
(a) políticas governamentais relativas ao espaço
construído (regulação urbana, investimento em infraestrutura urbana nas partes
da cidade habitadas pelos pobres). Essas políticas podem
incentivar processos de mobilidade espacial que
operam na direção oposta dos padrões de segregação, misturando as pessoas;
também podem dirigir as futuras ações governamentais para determinadas regiões
da cidade que são consideradas prioridades sociais, melhorando as condições das
periferias, favelas e cortiços e, assim, reduzindo a diferença entre os grupos
sociais (Fernandes, 1998; apud Torres e outros, 2003, p. 21).
(b) políticas sociais “espacialmente organizadas”-
incluem um conjunto de políticas públicas (educação, saúde, assistência social,
esportes, cultura e lazer), “criando e transformando o espaço social, pois a
localização de seus equipamentos (e suas diferentes características de
inserções no espaço) definem as condições de acesso dos vários grupos sociais que
habitam na cidade. (Torres e outros, 2003, p. 22).
Por fim, Kaztman (2001), num estudo sobre recentes
transformações na estrutura social de países latinoamericanos, aponta para a
questão do isolamento social dos pobres urbanos. Para este autor, o resultado
dessas transformações
debilitam os vínculos dos pobres urbanos com o
mercado de trabalho e se estreitam os âmbitos de sociabilidade informal com
pessoas de outras classes sociais, o que conduziria a seu progressivo
isolamento (Kaztman, 2001, p. 171, tradução nossa).
Kaztman (2001) afirma neste estudo que “a
pobreza urbana socialmente isolada se constitui no caso paradigmático da
exclusão social”. Há um tripé que propicia o isolamento social dos pobres
urbanos: segregação residencial, do trabalho e educacional. A exclusão dos
pobres fica patente na segmentação do trabalho (precarização do emprego);
segmentação educativa: “se os ricos vão aos colégios dos ricos, se a classe
média vai aos colégios da classe média e os pobres aos colégios dos pobres,
parece claro que o sistema educativo
pouco pode fazer para promover a integração social e evitar a marginalidade,
pese os seus esforços para melhorar as oportunidades educativas dos que têm
menos recursos” (p. 177). Ademais, “crer
unicamente que os méritos vão ajudar a mobilidade social é um ficção que só se
cumpre em situações extraordinárias” (p. 177). Há, ainda, a segregação
residencial “que se refere ao processo pelo qual a população das cidades vão se
localizando em espaços de composição homogênea”, com verificável “concentração
dos pobres em determinados bairros das cidades” (p. 178).
Assim, o Estado tem o poder de intervir no espaço urbano com obras públicas,
como investimentos na construção e melhoria das habitações populares o que
poderia atuar fortemente sobre a formação de guetos urbanos (tanto os
condomínios que segregam os ricos, quanto as favelas, que segregam e
marginalizam os pobres).
O
Estado também pode incentivar ou não incentivar a universalidade no uso de
serviços básicos como o transporte, a segurança pública, a saúde e a educação,
fazendo maiores ou menores esforços para manter sua qualidade e deixando mais
ou menos liberado ao jogo da oferta e da demanda a possibilidade de adquirir
esses serviços no mercado, opções que têm óbvias implicações sobre a
probabilidade de deserção das classes médias e altas do âmbito público.
(Kaztman, 2001, p. 183).
Este autor apresenta como conclusão de suas
investigações um rol de experiências bem sucedidas que podem intervir na
tendência segregacionista das grandes cidades. São iniciativas de integração
social, desenhadas para este fim com elaboração de políticas publicas setoriais
que
afetam as medidas do ordenamento urbano, a seleção
de beneficiários de conjuntos habitacionais subsidiados, a defesa da qualidade
dos serviços públicos e a promoção de espaços que estimulem os contatos
informais entre as classes. Seu exame minucioso permitirá selecionar aquelas
que melhor se ajustem aos recursos e as características singulares de cada
sociedade. (Kaztman, 2001, p. 188).
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Os humanos são iguais, a desigualdade é do mundo. A história da ocupação humana em cidades é muito complexa. A gente não pode se ater somente no que vê. Se você parar no que vê, você se perde. Ademais se a vida não for vista numa ótica de um fim misterioso mas conclusivo até mesmo independente das crenças, fica mais perdido ainda. Uma amiga minha andou em várias ruas de Dakha em Bangladesh com uma câmara e me trouxe o filme. Depois nós comparamos com uma filmagem semelhante que eu fiz andando pelas ruas de Missoula no Montana nos Estados Unidos. A gente não tem palavras da verdade para a desigualdade. Eu disse para ela que eu penso que poderia escrever um livro tal a magnitude da desigualdade entre estes 2 lugares. Mas o meu livro não seria da verdade, seria algo que nem eu mesmo sei o que é ou seja fruto de uma visão do mundo do momento. Santa Teresinha disse que se você não acreditar na vida eterna, você não tem vida na terra. Os irmãos empilhados em Dakha no delta do Ganges e os irmãos de Missoula organizadíssimos de uma vida urbana bucólica e confortável nos contrafortes das montanhas rochosas terão o mesmo destino...amanhã...:)
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