Falar de ditadura parece estar na moda. Mas, ao contrário do que comumente é conhecido, o regime ditatorial foi muito mais amplo do que se pode imaginar. Ou seja, além de militantes de movimentos, partidos e sindicatos, a máquina política da repressão conseguiu atingir um número muito maior de ativistas que ainda continuam anônimos. Pelo Brasil afora, milhares de pessoas foram vítimas de todo o tipo de perseguição e sevícias.
Para além dos conhecidos atores que promoveram a repressão, notadamente as Forças Armadas e as polícias estaduais (militares e civis), pude perceber, quando coordenador da Comissão Estadual de Indenização às Vítimas de Tortura, que há fortes suspeitas da participação de outros personagens na eclosão e manutenção do regime ditatorial. Estou me referindo à conivência, omissão e, inclusive, à colaboração de civis, agentes privados e estatais (de diversas áreas e agências públicas), com o regime ditatorial brasileiro.
Estou me referindo à conivência, omissão e, inclusive, à colaboração de civis, agentes privados e estatais (de diversas áreas e agências públicas), com o regime ditatorial brasileiro.
O nível de perseguição e violência perpetrado contra cidadãos que não concordavam com a ditadura (não só dos generais) — além de ter atingido um número muito maior de vítimas do que aquelas até agora conhecidas —, parece apontar para uma estrutura na qual os agentes da repressão contavam com ampla rede de colaboração de outros atores sociais, incluindo, por exemplo, lideranças políticas nos níveis locais que, respaldadas pelo regime ditatorial, se impunham e se perpetuavam no poder pela via da conivência com o regime. Conhecer essa imbricada rede (ampliada) de agentes públicos civis que foram partícipes do regime ditatorial também passa a ser elemento importante para o desvelamento das armadilhas do passado de tão triste memória.
Triste e revoltante é a constatação de que a prática da tortura se institucionalizou desde os tempos ditatoriais: não se trata de prática que acontecia só no passado; mas de situação que ainda existe e persiste no presente. Em muitas delegacias, batalhões, centros de internação de adolescentes e, principalmente, nas prisões a prática da tortura ainda sobrevive. Mudaram as vítimas: antes, militantes políticos que lutavam pela democracia; hoje, pobres, negros, moradores de rua e prostitutas; um sem-número de jovens das periferias; homens e mulheres que, sem acesso à Justiça e limitados em seus direitos de cidadania por terríveis mecanismos de exclusão, ainda são vítimas de todo o tipo de arbitrariedades cometidas por agentes do Estado.
O regime político também mudou. Mas, como a política de segurança pública (e o Judiciário seletivo) praticamente continuam operando quase nos mesmos moldes daqueles tempos poucos memoráveis, as várias formas de violência estatal denunciam a fragilidade da nossa democracia.
O regime político também mudou. Mas, como a política de segurança pública (e o Judiciário seletivo) praticamente continuam operando quase nos mesmos moldes daqueles tempos poucos memoráveis, as várias formas de violência estatal denunciam a fragilidade da nossa democracia.
Em muitas delegacias, batalhões, centros de internação de adolescentes e, principalmente, nas prisões a prática da tortura ainda sobrevive. Mudaram as vítimas: antes, militantes políticos que lutavam pela democracia; hoje, pobres, negros, moradores de rua e prostitutas; um sem-número de jovens das periferias; homens e mulheres que, sem acesso à Justiça e limitados em seus direitos de cidadania por terríveis mecanismos de exclusão...
Conhecer o passado é fundamental para compreendermos o presente e não cometermos os mesmos erros pretéritos, no futuro. Infelizmente, os ideais democráticos daqueles que tombaram e dos que foram torturados anos atrás ainda não se completaram. Enquanto o Estado brasileiro não dizimar, de vez, qualquer tipo de afronta à dignidade humana praticada por agente público não podemos dizer que somos um país democrático.
As Comissões da Verdade, debruçando-se no desvelamento dos períodos de exceção, têm apontado diretrizes e sugestões de políticas públicas objetivas, a indicar reformas estruturais em nosso sistema de justiça criminal. Este sistema, em certa medida, ainda reproduz e convive com práticas de arbítrio fundadas no passado ditatorial e inconcebíveis no âmbito do Estado Democrático de Direito.
Enquanto o Estado brasileiro não dizimar, de vez, qualquer tipo de afronta à dignidade humana praticada por agente público não podemos dizer que somos um país democrático.
Justiça eficiente e menos seletiva, agências independentes e autônomas de controle da atividade policial e acesso universal à justiça. Mecanismos relativamente simples que os governos civis (nos âmbitos federal e estadual), passadas três décadas da assunção da ordem democrática, ainda não tiveram a ousadia de criar e implantar nas estruturas estatais.
Tão importante quanto a luta pela manutenção e aprofundamento da democracia, é a batalha cotidiana pela superação dos resquícios do regime ditatorial que ainda persistem em nosso país. O genocídio da juventude negra, por exemplo, denuncia a conivência do Estado e da sociedade com uma democracia na qual a igualdade de direitos ainda não superou a formalidade da lei. Até quando o Estado brasileiro tolerará a tortura?
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