sexta-feira, 6 de abril de 2018

O julgamento do habeas corpus de Lula: hipocrisia e dissimulação

Publico, a seguir, entrevista que concedi ao IHU on line comentando o julgamento do habeas corpus do ex-presidente Lula e os impactos e perspectivas políticas depois desse deprimente espetáculo justiceiro:
Foto: Internet

Segue, na íntegra:
- Qual sua avaliação do julgamento de habeas corpus do ex-presidente Lula pelo STF?
Dado que Lula foi condenado sem qualquer prova digna desse nome, o julgamento de seu habeas corpus se transformou num misto de hipocrisia e dissimulação. O cenário, os atores e o contexto do julgamento denunciavam, a olhos nus, um espetáculo deprimente, apesar das máscaras de imparcialidade e das falas herméticas, recheadas de enfadonha retórica bacharelesca. Em rede nacional foram desnudados os estratagemas urdidos nos bastidores, com vistas ao posicionamento de um amontoado de vaidades pessoais e não de uma Corte constitucional preocupada e comprometida com saídas razoáveis e justas para a gravidade do momento político atual. Não se tratou da análise de um instrumento basilar da cidadania, o habeas corpus, mas da inviabilidade eleitoral de um ex-presidente que, numa democracia de fato e não de fachada, deveria ser avaliado pelas urnas, haja vista a fragilidade e as controvérsias de sua condenação. Nesse sentido, o julgamento do Supremo se constituiu em mais uma peça de um jogo tramado pelas elites nacionais, promotoras da ruptura institucional em 2016, e abençoado, desde o primeiro momento, por amplos setores do sistema de justiça para impedir que a vontade popular seja considerada nessa quadra da história de um país marcado por golpes e tramoias do andar de cima. O circo se completou com a visível tibieza de uma presidente do Supremo oportunista e ardilosa, que deixou de seguir a ordem natural e cronológica das ações que aguardavam decisão do tribunal, julgando o caso particular antes do geral e, por isso, foi desmascarada por um dos seus consortes.  Acusada e acuada de armar uma cilada, emudeceu; uma atitude pusilânime. As pressões da mídia empresarial, da caserna twiteira e dos penitentes funcionários públicos que fizeram jejum (utilizando-se da mais estúpida alienação e manipulação religiosa) contribuíram para compor o espetáculo grotesco e farsesco. O que se viu foi um grupo amedrontado por pressões, contra as quais apenas um ministro se manifestou. Por fim, o voto de Rosa Weber foi o cúmulo da hipocrisia, a mostrar que princípios foram substituídos por coleguismo corporativo. A ministra se comportou como uma colegial que se chafurda na lama para ser solidária às amigas. Ou seja, reconheceu a inconstitucionalidade, mas decidiu ficar com “a jurisprudência do tribunal”. Uma manifestação simplesmente patética. Enfim, o julgamento de ontem e as decisões dele advindas com a decretação da prisão de Lula mostram que o poder judiciário decidiu, definitivamente, ser o principal agente político, seja interferindo no processo eleitoral ou na chantagem a todos os demais agentes políticos e poderes, como vem ocorrendo nos últimos anos.
- Qual será o impacto político da condenação do ex-presidente Lula?
Muito provavelmente a situação política tende a se agravar e radicalizar (ainda mais). Primeiramente, porque a prisão do ex-presidente não impactará, necessariamente, na perda do seu capital político, haja vista sua capacidade de resiliência comprovada durante todo o processo que se estende desde o chamado “mensalão”. Nesse caso, Lula poderá se transformar, aos olhos de boa parte dos brasileiros e da comunidade internacional, num preso político com grande capacidade de mobilização sociopolítica, a derivar num recrudescimento das disputas de modo a tornar imprevisível o futuro do país. E, na impossibilidade de se candidatar, terá potencial de transferência de voto a confrontar a aliança da direita e dos setores ultraliberais que disputam, desorientados e sem coesão, os despojos do governo Temer. Ou seja, se os patíbulos midiático e justiceiro não forem suficientes para liquidar o simbolismo de figura de Lula, provavelmente não será sua prisão que o defenestrará do protagonismo do processo político e eleitoral.
- Quais são as perspectivas políticas daqui para frente, considerando o resultado do julgamento?

Caso aconteçam eleições, boa parte da população - desestimulada à participação eleitoral devido à criminalização da política, ao recrudescimento das disputas reais e simbólicas e à provável ausência de Lula -, deixará de participar do próximo pleito. Há pesquisas considerando esse cenário que apontam contingentes próximos de 50% nos índices de abstenções, votos brancos e nulos. Isso liquidará de vez a legitimidade de qualquer candidato eleito, a inviabilizar a construção de um pacto nacional para a superação da agudíssima crise institucional. Ademais, eleições são necessárias, mas insuficientes para garantirem a retomada da democracia. Na ausência de Lula, há um imenso vácuo à ocupação legítima do poder, dado a inexistência de qualquer liderança política capaz de articular uma coalizão a construir saídas democráticas e constitucionais. Nesse sentido, está cada vez mais evidente que o expurgo de Lula do processo eleitoral significa o aprofundamento da ruptura democrática, deixando o país numa encruzilhada perigosa: um governo de togados; de um "salvador da pátria" construído artificialmente pela mídia ou de generais. Nesses casos, o povo continuará fora do processo decisório. Considerando ainda o quadro de abissal desigualdade social, será possível manter uma democracia sem cidadania?
Entrevista originalmente publicada em: http://www.ihu.unisinos.br/577678-tensao-pos-julgamento-do-habeas-de-lula-e-expectativa-para-o-futuro-do-cenario-politico-nacional-entrevistas-especiais-com-adriano-pilatti-roberto-romano-ruda-ricci-ivo-lesbaupin-bruno-lima-rocha-moyses-pinto-neto-e-robson-savio

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