No dia 27
de outubro de 2014, um dia após ter vencido as eleições, em entrevistas a
telejornais (veja aqui),
a presidente legítima e constitucional Dilma Rousseff fez a seguinte
declaração: "Faremos um combate sem tréguas à corrupção. Nosso país não
pode manter a impunidade daqueles que cometem atos de corrupção. Não vou deixar
pedra sobre pedra. Eu vou fazer questão
que a sociedade brasileira saiba de tudo".
Muitos
brasileiros e, certamente, os grupos políticos (que historicamente assaltam o erário)
e o partido da imprensa golpista não deram muita atenção a essa afirmação da
presidenta. Seguramente, não conhecem a mulher de fibra, destemida e coerente
que é Dilma. Todos fiavam nos velhos esquemas dos políticos tradicionais que
adoram ameaçar, achincalhar, tripudiar dos adversários, mas, quando têm a faca
no pescoço ou são pegos “com a mão da botija” afinam seus discursos, ficam
mansinhos, mudam de opinião e cedem a todo o tipo de pressão para salvarem suas
cabeças. Exemplo claro disso é o áudio de Renan Calheiros sobre a postura de
Aécio Neves: “Aécio está com medo. [Me procurou dizendo]: 'Renan, queria que
você visse para mim esse negócio do Delcídio, se tem mais alguma coisa.'”
Os áudios
divulgados nessa semana envolvendo Jucá, Sarney e Renan confirmam com toda a
clareza que os machões da política nacional estão literalmente se borrando à
medida que as investigações da lava-jato sobre corrupção (apesar de altamente
seletivas) vão avançando. Sarney, a raposa que andava sumida (porque, como tal,
articula nos bastidores) estava extasiado com a postura coerente da presidenta:
“Ela [Dilma] não sai. Resiste... Diz que até a última bala”. Noutro áudio Renan
diz: “ela tem uma bravura pessoal que é uma coisa inacreditável. ”
Como
escrevi anteriormente (veja aqui),
a começar pelas declarações bombásticas do senador Romero Jucá, o segundo
homem-forte de Temer, porque o primeiro é Eduardo Cunha, as gravações
divulgadas essa semana são uma cristalina confissão da farsa golpista. Não
comprometem apenas o ex-ministro do planejamento do governo interino, seu grupo
político (seria mesmo um grupo?) e os conspiradores do golpe. Atingem o sistema
de justiça, notadamente o STF; confirmam a participação descarada da imprensa
golpista no processo fajuto; apontam para um "eles", o PSDB (o
partido que perdeu as eleições e não aceita a derrota) e, finalmente,
comprometem o interino. Afinal, segundo Jucá, Temer foi citado como se tivesse
sido consultado a respeito da criação de um "pacto" cuja finalidade
seria acalmar a sociedade (qual sociedade?) que estava angustiada com os
efeitos da operação lava-jato. Noutra gravação, o interino aparece, novamente: Sérgio
Machado, em conversa com Sarney, alega que ajudou Temer na campanha de 2012: "O Michel, eu
contribuí pra ele. Ajudei na campanha do menino [Gabriel Chalita]. Até falei
com ele num lugar inapropriado", diz Sérgio Machado. (Veja aqui).
Jucá já
tinha afirmado que “Temer deveria fazer um governo de salvação nacional”. Para
salvar os homens e as mulheres de bens, um pacto, “construído por uma nova
casta pura” – expressão de fazer inveja
a Hitler -, acabaria com as investigações de corrupção que atingem vários
políticos, inclusive os tucanos, na figura de Aécio, “o primeiro a ser
comido".
À
medida que o folhetim de corruptos e corruptores foi sendo confirmado nas
conversas já divulgadas ficou claro que as coalizões golpistas também estão na
corda bamba, porque não têm governança sobre o mar de lama que poderá emergir
nas confissões de gravações que ainda podem aparecer, dependendo das fontes e
seus inconfessáveis interesses. Afinal, o tal áudio de Jucá teria sido gravado
em março. Por que só agora apareceu a gravação? Seria isso obra do acaso?
O
que está límpido até agora é que a promessa de Dilma Rousseff naquele 27 de
outubro do ano passado não era tergiversação de político tradicional. A
presidenta honrou sua palavra. Por incrível e kafkiano que pareça, Dilma é a
única honrada nesse lamaçal putrefato.
Talvez, o
maior legado até agora do governo Dilma, superando e muito nesse quesito o
governo Lula, é o combate sistemático e profundo à corrupção generalizada que
corrói nossas instituições políticas e o setor empresarial nacional.
Independentemente
da reversão do processo fajuto, ilegítimo, ilegal e imoral do impeachment, o país e o mundo conheceu,
pela primeira vez na história, que as instituições políticas (partidos, executivo,
legislativo e judiciário), as grandes empresas e os oligopólios midiáticos, ressalvadas
poucas exceções, são um antro de corrupção, mediocridade e patifaria, entre
outros inúmeros adjetivos.
E, por
falar em mediocridade, para fechar a semana com mais um escárnio produzido
pelos membros do governo interino, ainda tivemos que assistir a boçal e
patética audiência do ministro da (des)educação, que recebeu em seu gabinete um
ator acusado de fazer apologia ao estupro. Uma afronta aos educadores e
educadoras deste país (veja aqui).
No dia seguinte a conversa, ficamos sabendo do estupro de uma jovem de 17 anos,
por uma quadrilha de 33 trogloditas conscientes da barbárie. Num país onde a
cada 10 minutos uma mulher é violentada e, segundo o Ipea, 70% das vítimas são
crianças e adolescentes, tudo parece normal, natural e abençoado (porque alguns
líderes religiosos rasgam elogios a políticos sexistas, misóginos e corruptos e
outros assistem impávidos ao espetáculo grotesco). Esses episódios são sinais
inequívocos do retrocesso civilizatório que vivenciamos nesses tenebrosos dias.
Diante de tanta violência real e simbólica, o comodismo e a sombra da
neutralidade não são aceitáveis do ponto de vista ético e moral. Em face a
ameaças de violações de direitos sociais e econômicos da população, quem não se
posiciona será vomitado pela história como um verme. E poderá, também, prestar
contas a Deus. Afinal, lemos no livro do Apocalipse: “mas, como és morno, nem
frio nem quente, vou vomitar-te” (cf. Ap 3,16).
Ainda
ficamos sabendo do encontro do ministro da saúde interino com uma turma que defende,
sem temor e pudor, a velha política da casa grande: direito constitucional para
os ricos; direito penal para os pobres. E, mais, noticiou-se acerca do
financiamento do PMDB, PSDB, Solidariedade e DEM ao MBL, um agrupamento que
dispensa comentários. Tudo divulgado em doses homeopáticas pelo partido da mídia
golpista, para não assustar o povo. De agora em diante, operações policiais e
judiciais poderão cumprir um papel de abafar os inúmeros escândalos do governo
interino. Como é notório, o fim da corrupção nunca foi e nunca será o objetivo
do PMDB, do DEM e do PSDB.
Há poucos
dias, enviei o currículo dos homens brancos, ricos e velhos que formam o
gabinete interino para uma amiga, professora em renomada universidade no
exterior. Sua resposta: “Oh! My God!” Realmente, é de assustar. E assim, o
governo interino vai se notabilizando como o mais medíocre da história
nacional.
Para todos
os efeitos, a hipocrisia dos homens e mulheres de bens deste país está escancarada.
Por mais paradoxal, o golpe, graças a firmeza de Dilma em manter sua palavra,
está desnudando a entranhas de uma elite (política, midiática, empresarial,
religiosa) violenta, corrupta, medíocre e perversa.
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