Até um ano atrás, os intelectuais brasileiros (cientistas
políticos, sociólogos, historiadores, juristas...) fiavam na estabilidade
democrática. Acreditando no respeito às regras da democracia procedimental e, principalmente,
na formalidade da Constituição Federal de 1988, afirmavam, quase que unanimemente,
que nossa democracia era sólida.
A bem da verdade, desde 1889, ocasião da proclamação da
República por um grupo de liberais conservadores, o Brasil não experimentou NEM
UMA DÉCADA de intensa estabilidade democrática. As elites conservadoras, já na
gênese da república, trataram de confabular um regime de intensa instabilidade
política, porque nunca tiveram apreço à democracia real, apesar da defesa
formal de um regime no qual o princípio liberal-republicano do respeito às leis
sempre foi um acessório, a começar pelo sistema de justiça (veja, aqui, o estudo do grande jurista Fábio Konder Comparato, traçando a história de um "poder submisso às elites, corrupto na sua essência e comprometido secularmente com a injustiça").
As elites nunca se importaram, nestas plagas, com a educação para a cidadania e para a preocupação com a coletividade, visando a consolidação da república
como uma realidade política fática, fatores já destacados por PLATÃO no diálogo
entre Sócrates e Glauco:
A lei não visa o bem-estar absoluto de uma só classe de cidadãos
mas, ao contrário, procura que no Estado seja alcançado com a concórdia entre
todas as classes, seja por meio da persuasão, seja pela coação, obrigando a
todos a repartir entre si a contribuição que cada um está em condição de trazer
para a coletividade. Se a lei assim os torna cidadãos, seu objetivo não é o de
deixá-los livres para fazer o que quiserem, mas de obrigar a cada um a colaborar para a concórdia do Estado. (PLATÃO. A República. Tradução de Ciro Mioranza. 2ª ed. São Paulo: Editora Escala,
2007, pp. 249, 269, grifos nossos).
O circo que assistimos nos últimos 18 meses somente confirma o que todos sabíamos, mas não queremos reconhecer: somos uma
república das bananas, na qual, salvo exceções, as elites (políticas, econômicas, intelectuais, religiosas e
jurídicas) nunca foram liberais democráticas de fato, apesar de defenderem a
democracia formal (uma democracia na qual 99% dos brasileiros labutam para engordar a renda do 1% dos endinheirados, posicionando o país nas primeiras posições dos ranking de desigualdade, concentração de renda e sonegação fiscal).
Conviver pacificamente, num descomunal cinismo social, neste país que assiste em berço esplêndido e impunemente o extermínio de 60 mil cidadãos por ano (a maioria negros e pobres e parte
significativa sendo eliminada por agentes do estado) é um dos dados mais evidentes
da intensa fragilidade de uma sociedade que nunca foi, não é e continuará não
sendo nem republicana, nem liberal-democrática e cujo estado nunca foi, não é e não continuará sendo de direito
(a não ser na formalidade da lei que é manipulada ao bel-prazer dessas elites).
Se para atenderem aos seus interesses momentâneos e casuísticos, as elites desconstroem, desobedecem e subvertem as leis que são por elas impostas, por que o cidadão teria apreço às leis e às regras do jogo democrático?
Neste sentido, são pertinentes e apropriadas as ponderações de Jessé Souza em A tolice da inteligência brasileira ou
como o país se deixar manipular pela elite, acerca do servilismo dos intelectuais
brasileiros aos interesses dos poderosos:
Todos os dias indivíduos normalmente inteligentes e classes sociais inteiras são feitos de tolos para que a reprodução de privilégios injustos seja eternizada entre nós. Para enxergar com clareza nosso real lugar no mundo, é fundamental compreender como nossa elite intelectual submissa à elite do dinheiro construiu uma imagem distorcida do Brasil de modo a disfarçar todo tipo de privilégio injusto. Os poucos que hoje controlam tudo precisam desse “exército de intelectuais”, do mesmo modo que os coronéis do passado precisavam de seu pequeno exército de cangaceiros. (...) E produzir “convencimento” é precisamente o trabalho de intelectuais no mundo moderno, substituindo os padres e religiosos do passado
Se para atenderem aos seus interesses momentâneos e casuísticos, as elites desconstroem, desobedecem e subvertem as leis que são por elas impostas, por que o cidadão teria apreço às leis e às regras do jogo democrático?
O trocadilho parece infantil, mas é a pura realidade. Temos um
ESTADO DE DIREITA (liberal-elitista, conservador e antidemocrático). É preciso refletir
melhor sobre a histórica baixíssima qualidade dessa dita democracia tupiniquim... para mudá-la.
(Atualizado em 10/05/2016, ao meio dia)
Muito triste ver isso confirmado pelos fatos dos últimos meses e dias. A ficha caiu para mim. Isso explica porque em 500 anos não evoluímos para um país menos desigual.
ResponderExcluirInfelizmente o autor desse artigo tem toda razão...
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