Sobre o
episódio ocorrido na Basílica de Aparecida, no último domingo, 06/03, gerador
de intenso debate nas redes sociais, a motivar o jogo rasteiro da acusação
mútua, do ódio, da vingança, da troca de ofensas gratuitas e outros
radicalismos (inclusive entre aqueles e aquelas que se autointitulam cristãos), sugiro o texto do Frei Leonardo Aureliano que, com clareza
e honestidade, mostra os equívocos de uma pregação inoportuna e o perigo do
discurso enviesado, a propiciar todo o tipo de interpretação, dos líderes religiosos.
No ano da Misericórdia, convocado pelo Papa Francisco, temos que ter a capacidade e a generosidade do perdão...
No ano da Misericórdia, convocado pelo Papa Francisco, temos que ter a capacidade e a generosidade do perdão...
Leia o artigo:
A missão
da Igreja, se ela quiser ser fiel Àquele que reconhece como seu mestre, é
denunciar as injustiças e o pecado e anunciar, por palavras e obras, o Reino de
justiça e de paz proposto por Jesus. Serviço nada fácil, porque discernir qual
seja a vontade de Deus num mundo cada vez mais complexo é muito exigente.
Assim, todo padre, mesmo honesto e bem intencionado, é sujeito ao erro. Isso se
aplica ao objeto do qual tratarei, mas também a estas linhas. Refiro-me ao caso
que invadiu as redes sociais esta semana: o bispo que domingo passado, em
Aparecida, rezou para que os fiéis esmaguem a cabeça da serpente.
A
serpente pode ser aquela que tentara Adão e Eva e, como castigo, receberia da
descendência da mulher um pisão na cabeça. Os católicos entendem que o Sim de
Maria à proposta de ser Mãe de Jesus Cristo seja essa pisada na cabeça da
serpente, ou de Satanás. Mas não é só isso… naqueles dias Lula falou de si
mesmo como Jararaca. Então fica fácil entender a quem o bispo se referia.
O quarto
domingo da quaresma, ocasião em que, neste ano, a Igreja lê a parábola do filho
pródigo foi o cenário no qual Dom Darci, bispo auxiliar de Aparecida, depois de
falar em pisar a cabeça da serpente na hora da homilia, concluiu a oração dos
fiéis dizendo: “Peça, meu irmão e minha irmã, a graça de pisar na cabeça da
serpente. De todas as víboras que insistem e persistem em nossas vidas.
Daqueles que se autodenominam jararacas. Pisar a cabeça da serpente. Vencer o
mal pelo bem por Cristo nosso senhor. Amém”. Clara alusão a Lula.
A frase
de Dom Darci foi logo compartilhada com euforia por vários sites católicos,
mormente reacionários – os mesmos que se queixam dos padres ligados à teologia
da libertação por imiscuir-se em política, demonstrando que o problema para
eles não estaria em falar de política, mas em colocar-se à esquerda.
Para
ajudar a aclarar as coisas, convido você a considerar alguns pontos:
• A alusão à serpente destoa da
liturgia daquele dia. Certamente, a Liturgia não é algo engessado, mas assisti
mais de uma vez toda a celebração pelo YouTube e não consegui encontrar o nexo
entre a ideia de pisar a cabeça da serpente e as leituras propostas para aquele
dia.
• A oração dos fiéis, mesmo sendo
um momento no qual a comunidade é convidada a orar por suas necessidades e
pelas do mundo, não é um balaio onde se pode jogar qualquer coisa. A função do
presidente da celebração é ajudar no seu andamento e concluí-la recolhendo os
pedidos apresentando-os por Cristo, no Espírito Santo, ao Pai.
• Rezar para os cristãos pisarem
a cabeça daqueles que se auto denominam jararacas é frase perigosa num Brasil,
dividido entre “petralhas e tucanalhas”, cheio de hostilidades e
fundamentalismos.
• O lugar também é por demais
significativo. A Basílica de Aparecida é uma das Igrejas mais importantes do
mundo. Algo dito ali tem muito mais peso do que a pregação de um padre numa
igrejinha do interior a meia dúzia de pessoas.
Não estou
dizendo que o bispo esteja necessariamente errado em sua posição contra Lula,
ele tem todo direito de pensar assim – pensar e talvez contar para os amigos.
Mas publicizar tal pensamento numa missa mais atrapalha do que ajuda no
crescimento da ainda imatura democracia tupiniquim. No Estado democrático
brasileiro os criminosos, depois de investigados e julgados, com presunção de
inocência e amplo direito de defesa, devem receber a pena que lhes é devida que
não inclui ter a cabeça esmagada.
Frei
Leonardo Aureliano, OFM
Roma, 7 de março de 2016
Fonte: Site Franciscano.org.br (http://www.franciscanos.org.br/?p=105496)
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