quinta-feira, 25 de fevereiro de 2016

Violência e crise


Desde 2013, presenciamos, não somente no Brasil, mas em várias partes do mundo, sinais de uma crise que, a rigor, pode apontar algo muito mais profundo, ou seja, o esgotamento do modelo capitalista. Esse esgotamento pode ser percebido em várias dimensões: colapsos do ecossistema, da política institucional, da economia baseada na especulação e no rentismo, das instituições tradicionais (família, escola, religiões)...

Quando analisamos a realidade sociopolítica brasileira nos últimos anos observamos que o modelo de desenvolvimento iniciado no governo Lula (baseado na exportação de commodities, no acesso facilitado ao crédito - e consequente endividamento popular em grande escala -, no consumo de massa - puxado por uma descomunal e caótica expansão urbana) só foi possível pelo poder de compra do mercado chinês, que subverteu todo o metabolismo do capitalismo global. Dito de outra forma, a circulação desenfreada e sem lastro de dinheiro foi a tábua de salvação do capitalismo na última década.

O lulismo teve o mérito de ampliar a cidadania, sempre altamente regulada no Brasil. Mas, apresentou algumas desventuras: por exemplo, não convidou a classe média para o banquete. Paradoxalmente, os mais ricos e os pobres foram os grandes beneficiários das políticas nos últimos anos. Nunca os bancos lucraram tanto; nunca os pobres tiveram tantas oportunidades.

Thomas Piketty, autor de “O capital no século XXI”, numa entrevista recente, demostrou que o foco das tensões sociais mundo afora está relacionado com a perda patrimonial da classe média, o que pode explicar, também, o crescimento da direita e do egoísmo social (não somente no Brasil). Segundo Piketty, na década de 1970, a classe média possuía cerca de 30% do patrimônio total. Hoje está mais próximo de 25%. Ao mesmo tempo, observa-se um aumento na concentração de renda nas mãos dos 10% mais ricos. (Segundo o IBGE, os 10% mais ricos no Brasil concentram 42% da renda nacional). Essa perda de posição da classe média, diz Piketty, poderia levar esse segmento para a extrema-direita: “quando não conseguimos resolver os problemas sociais de forma tranquila, a tentação é colocar a culpa no outro: trabalhadores, imigrantes, gregos preguiçosos, etc.”.

É importante analisar o fato de parte da classe média brasileira, historicamente acostumada com privilégios e não com direitos, bandeou para um discurso e prática que beiram o radicalismo.  Ao invés de usar seu poderio político para lutar por justiça social e equidade, ou seja, contra a concentração de renda nas mãos de poucos, segmentos da classe média direcionam seu discurso odioso para atacar as conquistas sociais dos últimos anos; ou para agredir os pobres e aqueles políticos e partidos que representariam tais extratos sociais.


A violência, que sempre determinou a “ordem” das relações sociais no Brasil, tornou-se o recurso utilizado em doses cavalares por setores da classe média e da elite conservadora que tentam reposicionar-se num cenário de disputas reais e simbólicas.  Não nos enganemos: a paz dos túmulos não existe mais. Dito de outra maneira, não haverá justiça social e igualdade no Brasil sem tocar nos privilégios historicamente acumulados por parcelas pequenas da sociedade brasileira. Não é possível alcançar a paz sem perder nada.

Outro problema político vergonhoso, camuflado nesse cenário de crise, é a intolerância, o racismo, o preconceito – principalmente de matriz socioeconômica -, o fascismo disfarçado de nacionalismo. Esses "demônios" saíram do armário (porque lá sempre estiveram) e seus adeptos querem se impor, afrontando a democracia.


O processo civilizatório não deixa dúvidas: a conquista e ampliação de direitos, mesmo lenta e gradual, são irreversíveis em qualquer sociedade minimamente democrática e plural.

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