Desde
2013, presenciamos, não somente no Brasil, mas em várias partes do mundo,
sinais de uma crise que, a rigor, pode apontar algo muito mais profundo, ou
seja, o esgotamento do modelo capitalista. Esse esgotamento pode ser percebido
em várias dimensões: colapsos do ecossistema, da política institucional, da
economia baseada na especulação e no rentismo, das instituições tradicionais
(família, escola, religiões)...
Quando
analisamos a realidade sociopolítica brasileira nos últimos anos observamos que
o modelo de desenvolvimento iniciado no governo Lula (baseado na exportação
de commodities, no acesso facilitado ao crédito - e consequente
endividamento popular em grande escala -, no consumo de massa - puxado por uma
descomunal e caótica expansão urbana) só foi possível pelo poder de compra do
mercado chinês, que subverteu todo o metabolismo do capitalismo global. Dito de
outra forma, a circulação desenfreada e sem lastro de dinheiro foi a tábua de
salvação do capitalismo na última década.
O lulismo
teve o mérito de ampliar a cidadania, sempre altamente regulada no Brasil. Mas,
apresentou algumas desventuras: por exemplo, não convidou a classe média para o
banquete. Paradoxalmente, os mais ricos e os pobres foram os grandes
beneficiários das políticas nos últimos anos. Nunca os bancos lucraram tanto;
nunca os pobres tiveram tantas oportunidades.
Thomas
Piketty, autor de “O capital no século XXI”, numa entrevista recente, demostrou
que o foco das tensões sociais mundo afora está relacionado com a perda
patrimonial da classe média, o que pode explicar, também, o crescimento da
direita e do egoísmo social (não somente no Brasil). Segundo Piketty, na década
de 1970, a classe média possuía cerca de 30% do patrimônio total. Hoje está
mais próximo de 25%. Ao mesmo tempo, observa-se um aumento na concentração de
renda nas mãos dos 10% mais ricos. (Segundo o IBGE, os 10% mais ricos no Brasil
concentram 42% da renda nacional). Essa perda de posição da classe média, diz
Piketty, poderia levar esse segmento para a extrema-direita: “quando não
conseguimos resolver os problemas sociais de forma tranquila, a tentação é
colocar a culpa no outro: trabalhadores, imigrantes, gregos preguiçosos, etc.”.
É
importante analisar o fato de parte da classe média brasileira, historicamente
acostumada com privilégios e não com direitos, bandeou para um discurso e
prática que beiram o radicalismo. Ao invés de usar seu poderio político
para lutar por justiça social e equidade, ou seja, contra a concentração de
renda nas mãos de poucos, segmentos da classe média direcionam seu discurso
odioso para atacar as conquistas sociais dos últimos anos; ou para agredir os
pobres e aqueles políticos e partidos que representariam tais extratos sociais.
A
violência, que sempre determinou a “ordem” das relações sociais no Brasil, tornou-se
o recurso utilizado em doses cavalares por setores da classe média e da elite
conservadora que tentam reposicionar-se num cenário de disputas reais e
simbólicas. Não nos enganemos: a paz dos túmulos não existe mais. Dito de
outra maneira, não haverá justiça social e
igualdade no Brasil sem tocar nos privilégios historicamente acumulados por
parcelas pequenas da sociedade brasileira. Não é possível alcançar a paz sem
perder nada.
Outro
problema político vergonhoso, camuflado nesse cenário de crise, é a
intolerância, o racismo, o preconceito – principalmente de matriz
socioeconômica -, o fascismo disfarçado de nacionalismo. Esses
"demônios" saíram do armário (porque lá sempre estiveram) e seus
adeptos querem se impor, afrontando a democracia.
O processo
civilizatório não deixa dúvidas: a conquista e ampliação de direitos, mesmo
lenta e gradual, são irreversíveis em qualquer sociedade minimamente
democrática e plural.
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