Vamos às conclusões com alguns
exemplos de desafios para as polícias e para a política de segurança pública. Obviamente,
trata-se aqui de opiniões de um cidadão que se posta contra o conformismo
lógico do “pensar certo”, como diz Mafessoli. Até porque, continua este autor:
“são poucos os acadêmicos, jornalistas e
políticos que tentam escapar ao peso intelectual de suas castas e que recusam o
mimetismo dos preconceitos estabelecidos”.
Abundam as soluções simplistas para
problemas complexos. Por exemplo, a epidemia em que se transformou o uso de
drogas, especialmente o crack,
depende, é óbvio, de ações que utilizem mais a inteligência policial e o
tratamento e acolhimento das vítimas do
que a repressão aos usuários. Mas por que não se avança nas políticas de
incremento do aparato investigativo das polícias e se mantém o velho discurso
da criminalização dos usuários como lenitivo para enfrentar o problema das
drogas?
A política de criminalização do usuário,
gestada nos gabinetes governamentais e não necessariamente nos quarteis
policiais está equivocada. Sendo atividade meramente repressiva, o foco da
política, infelizmente, parece visar mais a ações de higienização de
determinadas áreas da cidade e criminalização de segmentos sociais do que à ajuda
de fato aos usuários de drogas. Isso sem prejuízo, é claro, das ações policiais
direcionadas a produtores e distribuidores de drogas e as gangues violentas que
fazem parte desse circuito.
Outros exemplos: percebemos,
claramente, que nos últimos anos tivemos uma série de tentativas de reformas
incrementais na área da segurança pública. No plano federal, Fernando Henrique
Cardoso foi o primeiro é ensaiar mudanças: conseguiu avançar em algumas
alterações legislativas, na criação da Secretaria Nacional de Segurança Pública
e do Fundo Nacional de Segurança Pública. Mas capitulou quando as reformas
batiam às portas da estrutura do sistema de segurança pública. Lula, por duas
vezes, também fez ensaios de reforma. Primeiro, na tentativa de implantação de
um Sistema Único de Segurança Pública, o SUSP. Depois, quando da implementação
do Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania, o PRONASCI. Em relação
ao SUSP, Lula recuou quando percebeu os elevados custos para seu governo na
centralização da gestão, ou mesmo, da articulação efetiva da segurança pública
no Brasil. Em relação ao PRONASCI, novo recuo. Na Conferência Nacional de
Segurança Pública, em 2009, o recrudescimento das demandas corporativas mostrou
que para além de um pacto federativo em torno das prioridades para a segurança
pública, vespeiros de várias ordens encontram-se incrustrados nas várias
organizações policiais brasileiras.
Quando Dilma tomou posse para o
primeiro mandato, estava pronto um plano nacional de combate aos homicídios no
Brasil. Era uma tarefa árdua, mas fundamental, num país onde se matam 50 mil
pessoas por ano. A presidenta logo percebeu o tamanho da empreitada e, mais uma
vez, preferiu dar marcha à ré...
Em relação aos governos estaduais, que
comandam as polícias, algumas tentativas de reformas também foram feitas nos
últimos anos. Avança-se um pouquinho com ações de integração policial aqui;
programas de prevenção acolá. Nada que altere substantivamente o modus operandi das polícias ou a forma,
às vezes enviesada, de se implementar as políticas de segurança. Quando algum
governador tenta ações um pouco mais ousadas, basta as polícias ameaçarem com greves
para que o mandatário “coloque a viola no saco” e vá pedir arrego às Forças
Armadas. Como disse, os exemplos abundam, inclusive aqui nestas Alterosas.
Rapidamente, vejamos o caso do Rio de
Janeiro: as Unidades de Polícia Pacificadora são, de fato, uma tentativa, quase
desesperada, de reforma das polícias cariocas cujo baixo grau de legitimidade -
devido a ineficiência e os altos índices de letalidade da atividade policial,
entre outros - estavam colocando em xeque a institucionalidade daquele estado
federado. Importante destacar, aqui, também, a pressão internacional exercida
por organismos alienígenas - tendo em vista a realização de megaeventos naquele
estado -, que exigiam (e exigem) ações efetivas dos governos no campo da
segurança pública para a consecução de tais empreendimentos. Passou-se o tempo,
as reformas policiais não foram feitas e, hoje, as UPP’s, não obstante alguns
avanços, replicam os mesmos problemas anteriores e denunciam que “remendos
novos em panos velhos” não resolvem os problemas de gestão policial.
Num dado momento até pensamos que a
política de segurança está avançado. Mas de repente, nos deparamos com a
realidade que vemos. Uma realidade que muitos de nós vemos pela TV; mas que milhões
de brasileiros vivem e experimentam cotidianamente. De um lado, observamos os
indicadores de crimes violentos; as taxas de letalidade da ação policial; a
baixíssima percentagem de homicidas processados pelo sistema de justiça. Notamos,
na vida como ela é, os velhos discursos retornando de forma retumbante: redução
da idade penal; criminalização dos movimentos sociais; internação compulsória
para o andar de baixo (porque são perigosos). Doutro lado, um estado penal cada
vez mais robusto e legiferante, com prisões abarrotadas, que caminha a passos
largos para a judicialização da política ao extremo, inclusive, agora, com essa
Teoria do Domínio do Fato, assinalando um perigoso retrocesso no que diz
respeito às garantias fundamentais. Tudo em nome da bondade, da moralidade, da
ética e da verdade dos “homens de bens” deste país.
Todos os que estiverem fora da
fronteira determinada pelos valores daqueles que são os bons e os justos estão
perdidos. Para eles, a lei e a ordem e também a polícia. Quem nos livrará da bondade dos bons?
Para finalizar, creio, na verdade,
que estamos frente a um dilema: a situação atual de desarranjo na segurança
pública, esses altíssimos índices de criminalidade; a baixa legitimidade das
instituições do sistema; os anacronismos na gestão e articulação das agências –
seja no plano nacional, seja nos planos estaduais (e mesmo os novos dilemas
advindos com a gradual municipalização da segurança) -, somada ao clamor social
por melhorias no contexto de uma sociedade mais plural, com esplêndida
diversidade cultural e que deseja ser democrática – que não aceita mais os
panos quentes como respostas aos problemas públicos – (essa situação) demanda
algo que para mim é líquido e certo: a emergência de reformas estruturais em
todo sistema de justiça criminal, especialmente uma reforma na segurança
pública e nas instituições policiais.
Os remendos novos num pano velho, as
reformas incrementais não respondem mais aos clamores por melhorias na política
pública de segurança. Estas melhorias são importantes, para os cidadãos e
também para os operadores dessas políticas, diga-se de passagem. As mudanças
não deveriam ser de soma zero; ou seja, para que a cidadania ganhe, não é
preciso que os policiais, os juízes, os promotores, os agentes prisionais
percam. Todos podem ganhar!
Nenhum comentário:
Postar um comentário