sexta-feira, 4 de novembro de 2016

Exclusivo: bandido bom é bandido vivo


POR: Pe. Magno Marciete do Nascimento Oliveira

No dia de finados, dia 02, a Folha de São Paulo (aqui) divulgou pesquisa sobre uma frase que já faz parte da cultura tupiniquim (espero sinceramente estar exagerando): “bandido bom é bandido morto”. Já são mais brasileiros adeptos dessa convicção do que os contrários. Sem apreciar aqui os números da pesquisa e nos voltando para o que isso significa, não é para se assustar com o resultado, pois se trata de mais um fio de dessa trama mais complexa de construção e irradiação do social que no Brasil vige.

Como não lembrar das investidas para redução da maioridade penal, da bancada da bala e do fim da presunção de inocência? Tudo faz parte da mesma gramática que impõe uma pauta conservadora e constrói símbolos violentos para gerir a sociedade. Vemos algo, assim, bem tecido, para que o enunciado tenha força real, eficiente, que possa dar espaço para a vingança na contramão do processo civilizatório. Por essa lógica, o bandido, o criminoso deve ser extirpado. Segundo esse modo de pensar quem comete delitos não tem nenhum direito. Esquece quem pensa assim que a pena é um direito de todos, que ela resguarda a vida em todos os sentidos. O rito sumário presente na cabeça das pessoas, longe de trazer segurança, impõe mais insegurança, confere aos que detém o uso da força institucionalizada um perigoso meio contra qualquer um, inclusive contra inocentes, e avaliza a força autoritária por parte do poder estabelecido.

A partir do lugar teológico, desde nossa expertise, notamos que o espectro dessa frase assumida como consenso majoritário deixa nua a hipocrisia de uma sociedade que alimenta valores ditos cristãos. Ao que tudo indica só alguns valores são aceitos e estes não podem ser estendidos ao conjunto da humanidade. Os próximos de muitos “cristãos” são eleitos, destoando com a parábola do bom samaritano, na qual o próximo é o necessitado. O conhecido sermão da Montanha (conhecido como texto máximo da ética cristã) deveria ser rasgado em muito de suas passagens, pois como ser possível virar a face para continuarem nos batendo ou amar aqueles que nos perseguem? Talvez a memória de Jesus mandando Pedro embainhar a espada deva ser esquecido, e o princípio ético que pede outras formas de conter a violência totalmente relativizado, e mesmo desconsiderado. Definitivamente, isso concorre, nesse cristianismo de bondades para os “bons”, para adotar a violência como expediente contra a mesma violência.

“Bandido bom é bandido morto” traz, também, à baila a questão da pena de morte. Doutrinalmente, em âmbito cristão católico, o catecismo reza: “o ensino tradicional da Igreja não exclui, depois de comprovadas cabalmente a identidade e a responsabilidade do culpado, o recurso à pena de morte, se essa for a única via praticável para defender eficazmente a vida humana contra o agressor injusto. Se os meios incruentos bastarem para defender as vidas humanas contra o agressor e para proteger a ordem pública e a segurança das pessoas, a autoridade se limitará a esses meios, porque correspondem melhor às condições concretas do bem comum e estão mais conformes à dignidade da pessoa humana” (Cat., nº 2267).

Só como último recurso, pensando no contexto geral de defesa da vida, a pena capital é admitida. Só e apenas se não for possível outra forma de controle do agressor contra a vida pública, pela segurança dos inocentes, aceita-se a pena de morte. No mais, só os “meios incruentos” têm conformidade com a dignidade da pessoa humana, não podendo ser alegado pelo Estado, pela sociedade, sobretudo pelos cristãos, a pena de morte como legítima defesa. Tendo o Estado e sociedade forças e meios para barrar o criminoso, usar a pena de morte como forma para conter a violência incorre em ato de vingança, de crueldade e uso desmedido da própria força.

Qualquer cristão podia ainda refletir que “bandido bom é bandido vivo”, pois a vida não rejeitada de quem seja é uma forma radical de demonstrar o amor pregado por Jesus. Nenhum humanismo será maior do que a convicção de que homens e mulheres sempre têm oportunidade de mudar de vida. Nenhum humanismo é maior do que a aposta na conversão do mais pérfido ser humano. Ainda que contra todos os prognósticos e ceticismos, o que mais condiz com o cristão, com o seguidor do galileu é a obstinada fé no ser humano, que passa pela fé no próprio Deus. A fé em Deus não está separada da fé no homem, sendo a primeira fundamento e a segunda consequência. Acreditar no homem orientado para Deus é viver da fé na bondade de Deus que nos soprou no ato da criação o seu Espírito de vida, que impregna o mais profundo do ser criatural da pessoa.