sábado, 28 de maio de 2016

“Não vou deixar pedra sobre pedra"

Dilma concede entrevista ao Jornal da Record (27.10.2015)

No dia 27 de outubro de 2014, um dia após ter vencido as eleições, em entrevistas a telejornais (veja aqui), a presidente legítima e constitucional Dilma Rousseff fez a seguinte declaração: "Faremos um combate sem tréguas à corrupção. Nosso país não pode manter a impunidade daqueles que cometem atos de corrupção. Não vou deixar pedra sobre pedra. Eu vou fazer questão que a sociedade brasileira saiba de tudo".

Muitos brasileiros e, certamente, os grupos políticos (que historicamente assaltam o erário) e o partido da imprensa golpista não deram muita atenção a essa afirmação da presidenta. Seguramente, não conhecem a mulher de fibra, destemida e coerente que é Dilma. Todos fiavam nos velhos esquemas dos políticos tradicionais que adoram ameaçar, achincalhar, tripudiar dos adversários, mas, quando têm a faca no pescoço ou são pegos “com a mão da botija” afinam seus discursos, ficam mansinhos, mudam de opinião e cedem a todo o tipo de pressão para salvarem suas cabeças. Exemplo claro disso é o áudio de Renan Calheiros sobre a postura de Aécio Neves: “Aécio está com medo. [Me procurou dizendo]: 'Renan, queria que você visse para mim esse negócio do Delcídio, se tem mais alguma coisa.'”

Os áudios divulgados nessa semana envolvendo Jucá, Sarney e Renan confirmam com toda a clareza que os machões da política nacional estão literalmente se borrando à medida que as investigações da lava-jato sobre corrupção (apesar de altamente seletivas) vão avançando. Sarney, a raposa que andava sumida (porque, como tal, articula nos bastidores) estava extasiado com a postura coerente da presidenta: “Ela [Dilma] não sai. Resiste... Diz que até a última bala”. Noutro áudio Renan diz: “ela tem uma bravura pessoal que é uma coisa inacreditável. ”

Como escrevi anteriormente (veja aqui), a começar pelas declarações bombásticas do senador Romero Jucá, o segundo homem-forte de Temer, porque o primeiro é Eduardo Cunha, as gravações divulgadas essa semana são uma cristalina confissão da farsa golpista. Não comprometem apenas o ex-ministro do planejamento do governo interino, seu grupo político (seria mesmo um grupo?) e os conspiradores do golpe. Atingem o sistema de justiça, notadamente o STF; confirmam a participação descarada da imprensa golpista no processo fajuto; apontam para um "eles", o PSDB (o partido que perdeu as eleições e não aceita a derrota) e, finalmente, comprometem o interino. Afinal, segundo Jucá, Temer foi citado como se tivesse sido consultado a respeito da criação de um "pacto" cuja finalidade seria acalmar a sociedade (qual sociedade?) que estava angustiada com os efeitos da operação lava-jato. Noutra gravação, o interino aparece, novamente: Sérgio Machado, em conversa com Sarney, alega que ajudou Temer  na campanha de 2012: "O Michel, eu contribuí pra ele. Ajudei na campanha do menino [Gabriel Chalita]. Até falei com ele num lugar inapropriado", diz Sérgio Machado. (Veja aqui).

Jucá já tinha afirmado que “Temer deveria fazer um governo de salvação nacional”. Para salvar os homens e as mulheres de bens, um pacto, “construído por uma nova casta pura” –  expressão de fazer inveja a Hitler -, acabaria com as investigações de corrupção que atingem vários políticos, inclusive os tucanos, na figura de Aécio, “o primeiro a ser comido". 

         À medida que o folhetim de corruptos e corruptores foi sendo confirmado nas conversas já divulgadas ficou claro que as coalizões golpistas também estão na corda bamba, porque não têm governança sobre o mar de lama que poderá emergir nas confissões de gravações que ainda podem aparecer, dependendo das fontes e seus inconfessáveis interesses. Afinal, o tal áudio de Jucá teria sido gravado em março. Por que só agora apareceu a gravação? Seria isso obra do acaso?

         O que está límpido até agora é que a promessa de Dilma Rousseff naquele 27 de outubro do ano passado não era tergiversação de político tradicional. A presidenta honrou sua palavra. Por incrível e kafkiano que pareça, Dilma é a única honrada nesse lamaçal putrefato.

Talvez, o maior legado até agora do governo Dilma, superando e muito nesse quesito o governo Lula, é o combate sistemático e profundo à corrupção generalizada que corrói nossas instituições políticas e o setor empresarial nacional.

Independentemente da reversão do processo fajuto, ilegítimo, ilegal e imoral do impeachment, o país e o mundo conheceu, pela primeira vez na história, que as instituições políticas (partidos, executivo, legislativo e judiciário), as grandes empresas e os oligopólios midiáticos, ressalvadas poucas exceções, são um antro de corrupção, mediocridade e patifaria, entre outros inúmeros adjetivos.

E, por falar em mediocridade, para fechar a semana com mais um escárnio produzido pelos membros do governo interino, ainda tivemos que assistir a boçal e patética audiência do ministro da (des)educação, que recebeu em seu gabinete um ator acusado de fazer apologia ao estupro. Uma afronta aos educadores e educadoras deste país (veja aqui). No dia seguinte a conversa, ficamos sabendo do estupro de uma jovem de 17 anos, por uma quadrilha de 33 trogloditas conscientes da barbárie. Num país onde a cada 10 minutos uma mulher é violentada e, segundo o Ipea, 70% das vítimas são crianças e adolescentes, tudo parece normal, natural e abençoado (porque alguns líderes religiosos rasgam elogios a políticos sexistas, misóginos e corruptos e outros assistem impávidos ao espetáculo grotesco). Esses episódios são sinais inequívocos do retrocesso civilizatório que vivenciamos nesses tenebrosos dias. Diante de tanta violência real e simbólica, o comodismo e a sombra da neutralidade não são aceitáveis do ponto de vista ético e moral. Em face a ameaças de violações de direitos sociais e econômicos da população, quem não se posiciona será vomitado pela história como um verme. E poderá, também, prestar contas a Deus. Afinal, lemos no livro do Apocalipse: “mas, como és morno, nem frio nem quente, vou vomitar-te” (cf. Ap 3,16).

Ainda ficamos sabendo do encontro do ministro da saúde interino com uma turma que defende, sem temor e pudor, a velha política da casa grande: direito constitucional para os ricos; direito penal para os pobres. E, mais, noticiou-se acerca do financiamento do PMDB, PSDB, Solidariedade e DEM ao MBL, um agrupamento que dispensa comentários. Tudo divulgado em doses homeopáticas pelo partido da mídia golpista, para não assustar o povo. De agora em diante, operações policiais e judiciais poderão cumprir um papel de abafar os inúmeros escândalos do governo interino. Como é notório, o fim da corrupção nunca foi e nunca será o objetivo do PMDB, do DEM e do PSDB.


Há poucos dias, enviei o currículo dos homens brancos, ricos e velhos que formam o gabinete interino para uma amiga, professora em renomada universidade no exterior. Sua resposta: “Oh! My God!” Realmente, é de assustar. E assim, o governo interino vai se notabilizando como o mais medíocre da história nacional.


Para todos os efeitos, a hipocrisia dos homens e mulheres de bens deste país está escancarada. Por mais paradoxal, o golpe, graças a firmeza de Dilma em manter sua palavra, está desnudando a entranhas de uma elite (política, midiática, empresarial, religiosa) violenta, corrupta, medíocre e perversa. 

quarta-feira, 25 de maio de 2016

Uma afronta aos educadores e educadoras brasileiros



Tudo tem limite, diz o velho ditado popular. Porém, nessa semana chegamos a seguinte conclusão: o governo interino não tem limites. Aliás, não tem limites, pudor, ética, vergonha e por aí adiante...

Primeiro, as revelações de Jucá. Trata-se de uma confissão indubitável da farsa golpista que não compromete apenas o senador, seu grupo político (seria mesmo um grupo?) e os conspiradores do golpe. Atinge o sistema de justiça; confirma a participação descarada da imprensa golpista no processo fajuto; aponta para um "eles", o PSDB (o partido que perdeu as eleições e não aceita a derrota) e, finalmente, compromete o interino. Afinal, segundo Jucá, Temer foi citado como se tivesse sido consultado a respeito da criação de um "pacto" cuja finalidade seria acalmar a sociedade (qual sociedade?) que estava angustiada com os efeitos da Operação Lava Jato. Aliás, diga-se de passagem, o jornal alemão Ziet, comentando o escândalo das gravações perguntou, referindo-se ao governo ilegítimo: “regierung oder gangsterbande?” Tradução: Governo ou gangsters?

Depois, os áudios vazados de Renan e Sarney: velhacas (como dizia Ulisses Guimarães) raposas que operam no obscurantismo. Todos a confirmar o verdadeiro motivo do golpe: apear a presidenta Dilma do poder para que os usurpadores rifem o país. E tudo sob os auspícios das ninfas supremas. Não há como negar o óbvio ululante!

Agora, como se não bastassem tantas patifarias em série, vemos estampados nos sites de notícia a informação da audiência do titular da (des)educação (um sujeito cujo currículo não seria, por mérito, nem diretor de escola), com um ator pornô que foi levar "propostas de educação" para o ministro.

Não sou moralista como essa trupe conservadora que impediu recentemente, por exemplo, a distribuição pelo Ministério da Educação de material sobre educação sexual para as escolas. Não tenho nada contra atores pornô. Porém, o novo conselheiro do ministro da (des)educação há algum tempo atrás notabilizou-se por fazer apologia ao estupro em plena rede nacional de TV. Realmente, deve ser um grande especialista em educação do  governo interino!

O que vimos hoje é uma abissal afronta aos educadores e educadoras desse país. Um país cujo sistema educacional precisa de mais atenção, investimento e respeito por parte dos governantes e que recebe, deste (des)governo um tapa na cara despudorado.  

Indignação é insuficiente para expressar o sentimento diante de tamanha afronta. A organização que tomou o país está nos fazendo de otários; abusa da nossa paciência; provoca-nos cotidianamente. Apoiado por um oligopólio midiático-golpista que esconde, seleciona, manipula e mente acerca dos desmandos cotidianos, o governo interino tripudia o tempo todo dos milhões de brasileiros.

Uma coisa é certa: em pouco mais de uma semana temos certeza que se trata do governo mais medíocre e tacanho da história deste país.

         Tudo tem limite!

De Jucá para Rosa Weber, com carinho!

Fonte: Brasil de Fato Minas, edição 137, de 25/05/2016.

terça-feira, 24 de maio de 2016

No Facebook, página registra voz dos jovens inocentes mortos pela PM

Criada recentemente no Facebook, a página Últimas Palavras de Jovens Negros imortaliza a voz de jovens inocentes mortos pela Polícia Militar. As frases, como "Quero a minha mãe" e "Por que o senhor atirou em mim?", são acompanhadas pelo nome da vítima e uma descrição de cada caso. 
Luzia Souza, professora de História que cuida da página, crê que a sociedade não percebe que há um recorte racial nesses casos de violência. "Parece que a bala da polícia tem um sensor na ponta que só encontra jovem negro", afirma. A professora, que perdeu um irmão e um primo para a violência, aponta o papel da mídia na “naturalização” da violência policial contra jovens negros.

Do El País:
As últimas palavras de jovens negros mortos pela Polícia Militar são imortalizadas em página do Facebook

“Quero a minha mãe”, disse Herinaldo Vinicius de Santana, de 11 anos. Provavelmente não foi a primeira vez que o jovem falou essas palavras. Mas foi a última. Em 23 de setembro de 2015 ele foi baleado e morto por policiais militares na comunidade Parque Alegria, no complexo do Cajú, no Rio de Janeiro. Testemunhas disseram que um grupo de PMs patrulhava o local, que conta com uma Unidade Policial Pacificadora, e se assustou quando a criança desceu correndo uma escadaria do bairro. Em seu bolso, 80 centavos para comprar uma bolinha de pingue-pongue. Após receber os disparos, Santana caiu e, segundo testemunhas disse suas últimas palavras: “Quero minha mãe”. Não deu tempo. Quando ela chegou, ele já estava morto. A frase, no entanto, foi imortalizada na página Últimas Palavras de Jovens Negros, criada recentemente no Facebook. O caso de Santana ainda está sob investigação.

“Nossa página tem por objetivo mostrar que esses jovens não eram, e nunca foram enquanto viveram, coisa sem valor”, diz um dos posts, que traça ainda um paralelo entre os métodos violentos da PM de hoje com o dos feitores e capitães-do-mato dos tempos da escravidão no Brasil colônia: “só trocaram o açoites por armas de fogo”. A iniciativa toca em uma antiga ferida do país que ainda está longe de cicatrizar: a maneira como a polícia por vezes age de forma arbitrária e ilegal nos bairros mais pobres. Nas periferias, onde não é necessário ter um mandado de busca e apreensão para entrar na casa de alguém, as balas não são de borracha e muitas vezes levar apenas um tapa na cara é o melhor desfecho para um enquadro.
As frases são acompanhadas pelo nome da vítima, uma breve descrição dos fatos e ahashtag #últimaspalavras. Algumas delas são simples, apenas gemidos ou gritos de dor, o último registro vocal de alguém prestes a morrer. “Mmmm....”, teria dito André Luís Parruda Goulart Siqueira Junior, 17, ao levar um mata-leão de um policial militar no dia 19 de março deste ano. Ele não resistiu e morreu sufocado. A versão oficial é que ele fugiu de uma abordagem da tropa, e precisou ser imobilizado.
“Parece que a sociedade não se toca que existe um recorte racial bem grande nisso, parece que a bala da polícia tem um sensor na ponta que só encontra jovem negro”, afirma Luzia Souza, a professora de História por trás da página. Moradora da periferia da zona leste, ela perdeu um irmão e um primo para a violência. A inspiração para a iniciativa veio de uma série de montagens semelhantes feitas tendo como base asmortes de jovens negros nos Estados Unidos em 2014 e 2015, que deu origem ao movimento Black Lives Matter (Vidas Negras Importam).
A professora aponta ainda o papel da mídia na “naturalização” da violência policial contra jovens negros. “Você percebe isso nas manchetes. Se é um jovem branco preso com droga, é ‘Estudante preso com droga’. Se é um negro, é ‘Traficante preso com droga”. Segundo Luzia, isso colabora para tornar as mortes de jovens negros “normais”. “É como se eles não tivessem humanidade, profissão, família, futuro...”, explica.
Outras frases da página refletem o espanto de quem foi baleado sem motivo algum por quem deveria ser responsável por sua proteção. “Por que o senhor atirou em mim?”, indagou Douglas Rodrigues, 17, após ser alvejado por um PM em 28 de novembro de 2013, na Vila Medeiros, zona norte de São Paulo. Os policiais foram ao local para atender uma denúncia de “distúrbio da paz”. Quando o soldado Luciano Pinheiro Bispo foi sair da viatura para realizar a abordagem, sua arma disparou. Em nota, a corporação afirmou que “por motivo a esclarecer, houve disparo acidental, que atingiu um adolescente, de 17 anos, no tórax”. A morte de Rodrigues provocou uma série de protestos na região norte da capital, que culminaram com a interdição da rodovia Fernão Dias, três caminhões e seis ônibus queimado.



A morte de Douglas - e suas últimas palavras - deram origem a uma campanha contra a violência policial que se espalhou pelas redes sociais. À época, um grupo de artistas, entre eles o rapper Emicida, o cantor de funk MC Guimé e o dj Kl Jay, dos Racionais MC's, gravou um vídeo para dar visibilidade ao caso.
"Não precisa me matar, senhor...", teria dito Lucas Custódio, 16. Em 29 de maio de 2015 o jovem jogava bola com amigos quando foi abordado por policiais. Algemado, foi levado para um matagal na favela Sucupira, no Grajaú, zona sul de São Paulo, onde foi morto. Em um dos posts, os administradores da página dizem que querem “ecoar as vozes dos mortos para que cheguem a todos que não puderam ouvir naquele momento”. E elas chegam. Como um chute no estômago.
Fonte: Jornais GGN e El País.

domingo, 22 de maio de 2016

Em reunião com bispos do CELAM Papa Francisco fala de “golpe suave” em alguns países da América Latina

Em reunião com a presidência do Conselho Episcopal Latino-americano (CELAM) – órgão colegiado dos bispos de toda a América Latina – na última quinta-feira, dia 19 de maio, o  Papa Francisco advertiu que "pode ​​estar acontecendo "golpe de estado suave” em alguns países da região.

Reunião do Papa Francisco com presidência do CELAM - Foto: L'Osservatore Romano

Segundo o portal de notícias “Religião Digital”, da Espanha, (veja a notícia no original AQUI) no encontro com a cúpula do episcopado latino-americano o Pontífice também se mostrou consciente das críticas que tem recebido, incluindo de alguns cardeais, que “não conseguiram entender” de forma correta sua exortação apostólica “Amoris Laetitia” sobre o amor na família. O Papa recordou aos representantes do CELAM que a interpretação correta do Amoris Laetitia é a do cardeal Schönborn.

A tradução da reportagem é de nossa autoria e responsabilidade:


Na quinta-feira, a festa de Jesus Cristo Sumo e Eterno Sacerdote, o Santo Padre Francisco recebeu às 11H45, na sua biblioteca particular, os membros da Presidência do CELAM. Estavam presentes o cardeal Rubén Salazar Gómez, arcebispo de Bogotá, presidente; Dom Carlos Collazzi, bispo de Mercedes, Uruguai, primeiro vice-presidente; Dom José Belisário da Silva, arcebispo de São Luís do Maranhão (Brasil), segundo vice-presidente; o cardeal José Luis Lacunza Maestrojuan, bispo de David, Panamá, presidente do Conselho de Assuntos Econômicos; Dom Juan Espinoza Jiménez, bispo auxiliar de Morelia, México, secretário-geral  e o padre Leonidas Ortiz, da Diocese de Garzón, Colômbia, secretário-assistente.

A implementação da encíclica Evangelii Gaudium

Quando o cardeal Ruben Salazar, depois de apresentar uma saudação em nome da Presidência, pediu ao Santo Padre como deseja que o CELAM atue, ele imediatamente respondeu: "implementar a Exortação Apostólica Evangelii Gaudium", especialmente tudo o que se refere aos leigos. Por 50 anos ou mais foi dito que "esta é a hora dos leigos", mas parece que o relógio está parado (referindo ao Concílio Vaticano II - nota do tradutor).

O Papa recomendou especialmente a leitura e a aplicação da carta dirigida ao Cardenal Marc Ouellet, presidente da Pontifícia Comissão para a América Latina, em 19 de março, dia de São José, por ocasião da recente Assembleia que este organismo realizou em março, em Roma, sobre "o compromisso indispensável dos leigos na vida pública dos países latino-americanos."

O coração da "Amoris Laetitia" é o amor na vida familiar

O Cardeal Salazar fez referência ao diálogo mantido na segunda-feira com embaixadores latino-americanos acreditados junto da Santa Sé, sobre a Exortação Amoris Laetitia. O Papa respondeu que o coração da Exortação é Capítulo 4: o amor na vida familiar, fundamentado no décimo terceiro capítulo da Primeira Carta de São Paulo aos Coríntios.

E o mais difícil de ler é o capítulo 8. Alguns, disse o Papa, se deixaram aprisionar por este capítulo. O Santo Padre está muito consciente das críticas de alguns, incluindo cardeais, que não conseguiram compreender o significado evangélico de suas declarações. E ele afirma que a melhor maneira de entender este capítulo está sob o âmbito da apresentação feita pelo Cardeal Christoph Schonborn, arcebispo de Viena, na Áustria, um grande teólogo, membro da Congregação para a Doutrina da Fé, muito familiarizado com o a doutrina da Igreja.


Congresso sobre o Jubileu Extraordinário da Misericórdia
A presidência do CELAM também se referiu aos preparativos que estão sendo feitos para o próximo Congresso sobre o Jubileu extraordinário da Misericórdia, organizado pela Pontifícia Comissão para a América Latina - CAL e o CELAM. Este Congresso será realizado em Bogotá, Colômbia, de 27-30 agosto de 2016, com o slogan, "Que um vento impetuoso de santidade percorra o próximo Jubileu extraordinário da misericórdia em todas as Américas". O Papa ficou satisfeito com esta informação e encorajou os bispos da América Latina a aderirem a esta grande celebração.

A preocupação do Papa para a América

O Santo Padre expressou preocupação com os problemas sociais dos países da América Latina em geral. Está preocupado com a eleição nos EUA por falta de uma atenção mais viva à situação social dos mais pobres e excluídos.

O Papa está preocupado com os conflitos sociais, econômicos e políticos na Venezuela, Brasil, Bolívia e Argentina. Atualmente, segundo o Papa,  pode estar ocorrendo um "golpe de estado suave" em alguns países.

Francisco está atento com as carências do povo haitiano e a falta de diálogo entre as autoridades dos países que compartilham a ilha, Haiti e República Dominicana, para encontrarem uma solução jurídica para os migrantes e apátridas. Ele se preocupa acerca da interpretação do que é um Estado laico e o papel da liberdade religiosa para algumas autoridades mexicanas.

O Papa encorajou os representantes da CELAM a ver o progresso que está ocorrendo no processo de paz na Colômbia; também incentivou a sua próxima viagem a este país para fazer uma visita pastoral a um povo que foi atingido pela violência e que precisa tomar caminhos que de perdão e reconciliação.


O Papa Francisco fica entusiasmado quando começa a falar sobre a Pátria Grande que é a América Latina e dos esforços que não devem cessar para alcançar uma maior integração de nossos povos. Para isso, é necessário acertar posições mais próximas para que se restabeleça o diálogo social e a busca conjunta de soluções para superar os desafios do mundo de hoje.

___
Nota: o mais importante nessa reportagem feita por um veículo da imprensa internacional (que não é especializado em política) é o destaque na matéria em relação a preocupação do Papa com os golpes que ocorrem na América Latina. Isso mostra que a narrativa acerca da similaridade do modus operandi da tomada de poder pela elites latino-americanas que ocorreram no Paraguai, Honduras e, agora, no Brasil, tem fundamento e é objeto de preocupação do Pontífice. Nos últimos dias, assistimos pelo menos três vezes o Papa se referir a situação do Brasil: num encontro com Adolfo Perez Esquivel; noutro, com Letícia Sabatela e a juíza Kenarik Boujikian Felippe e, agora, com o CELAM.

sábado, 21 de maio de 2016

O ativismo digital engajado e a resistência democrática


Participo neste final de semana (aqui em BH) do 5º Encontro Nacional dos Blogueiros e Ativistas Digitais (#5BlogProg). É muito importante refletirmos, mesmo que sucintamente, sobre esse poderoso campo repleto de pluralidade e diversidade que é o ativismo digital engajado: uma polissemia democrática que produz um pujante contraponto aos oligopólios midiáticos, através da construção de narrativas novas e anti-hegemônicas.

Grupo de discussão com análise de conjuntura no segundo dia do encontro

Ao longo dos últimos anos e, agora, nesse momento crucial da democracia, o ativismo digital engajado articula-se como um front de resistência democrática. O mundo digital, uma “ágora virtual”, continua fértil não somente no espraiamento de informação sob a ótica dos variados grupos que compõem a sociedade, mas, fundamentalmente, na formação política e na articulação e mobilização social contra o golpe.

O encontro dos ativistas digitais começou na noite da última sexta-feira (20/05) com a presença da presidenta Dilma Rousseff. A primeira aparição pública de Dilma logo após a abertura do processo do “jogo jogado do impeachment” pelo Senado (veja aqui) é sinal, mesmo que tardio, do reconhecimento dela acerca da importância estratégica dessa rede de comunicação e mobilização alternativa formada por dezenas de blogueiros e outros ativistas digitais que têm produzido uma narrativa de proporções portentosas: além de ter conseguido emplacar, para o desespero da mídia golpista, o discurso acerca do golpe, a mídia alternativa e livre consegue pautar uma parte da imprensa internacional; ademais, tem papel importante na mobilização, divulgação e apoio às manifestações que acontecem em todo o país, reunindo milhões de militantes de variados movimentos sociais contra o golpe (apesar da tentativa de invisibilidade desses acontecimentos pela mídia golpista).



O desespero de alguns deformadores de opinião da grande mídia acerca da ação dos ativistas digitais mostra o poderio que as microrredes de comunicação (assim como as microrredes sociais) desempenham no enfrentamento do poder institucionalizado e, no caso específico, na confrontação e desconstrução dos discursos dos oligopólios do mercado e sua serviçal mídia.

O golpe em curso no país só não foi mais violento, rápido e exitoso porque, em boa medida, as redes sociais formaram uma poderosa coalizão para contrapor a coalizão midiático-jurídica-empresarial-elitista (veja aqui) que conduziu o processo de impedimento da presidenta Dilma. Afinal, o Partido da Imprensa Golpista (PIG) conseguiu mobilizar e arregimentar multidões para, em nome de um falso discurso do combate à corrupção, tomar as ruas, nas manifestações domingueiras, com vistas a dar uma pseudolegitimidade ao golpe.

Não obstante, redes sociais, blogs e ativistas digitais emplacaram a narrativa segundo a qual o processo de impeachment sem crime de responsabilidade, além de farsa é um golpe; e, mais que isso, que o governo ilegítimo, como todos percebem agora, é um governo subserviente ao capitalismo global e às velhacas elites que historicamente sempre se apropriaram do erário e do suor do povo brasileiro. Portanto, é um governo cujos objetivos são a retirada dos direitos trabalhistas, a redução e gradual eliminação dos programas sociais, a aniquilação dos movimentos sociais e sindicais, reposicionando o país na condição de subserviência aos interesses alienígenas, principalmente dos Estados Unidos (veja aqui).

Também, confrontando o poderoso exército do PIG, o ativismo digital engajado escancarou para o mundo que se trata de um gabinete formado e conduzido por corruptos que não têm sequer o pudor de maquiar seu viés conservador, misógino, racista e eivado de todo o tipo de preconceito étnico, econômico e social.

Mais importante que defender a presidenta e um partido político, o ativismo digital de esquerda está preocupado e coeso na defesa da democracia, dos direitos sociais, de uma justiça que seja minimamente isonômica e de um país cujo principal desafio continue sendo a diminuição da desigualdade social, das injustiças e das múltiplas formas de violências que ainda segregam e eliminam, de variados modos, milhões de brasileiros.

É verdade (e devemos reconhecer) que os grupos de direita, conservadores e autoritários, além dos oligopólios midiáticos têm investido e muito no domínio das redes sociais. Os discursos de ódio, preconceito, discriminação, racismo, segregação socioespacial, dentre outros, estão cada vez mais salientes e repletos de seguidores. Porém, como a Internet em nosso país (AINDA) é um território sem muitos controles, é praticamente impossível silenciar e obliterar essa polissemia virtual. Não é por acaso que já estão sendo desengavetados no Congresso Nacional vários projetos de lei propondo a limitação, a censura e até mesmo a punição seletiva (operada historicamente de modo tão eficiente pelo nosso sistema de justiça criminal) com o objetivo de enquadrar, silenciar, vigiar e punir todos aqueles e aquelas que ousam denunciar e enfrentar essa coalizão golpista que tomou de assalto o país.

Por isso, o encontro de blogueiros e ativistas digitais engajados representa importante articulação para o enfrentamento do golpe. Junto com os movimentos sociais (sob a liderança das frentes Brasil Popular e Povo Sem Medo) ergue-se, nas ruas e nas redes, uma ampla rede de resistência democrática para o restabelecimento da democracia em nosso país.





sábado, 14 de maio de 2016

A involução social, política, moral e ética de um governo ilegítimo


Não é preciso esperar um mês, sequer uma semana, para fazer uma avaliação do governo ilegítimo. Cinco horas depois da notificação pelo Senado, o presidente interino deixou claro seu compromisso com a dilapidação das políticas e das instituições de proteção e garantia de direitos, de proteção social e de combate à corrupção.

A composição ministerial do novo governo chega a ser uma afronta inominável à população brasileira: um time composto por 100% de homens brancos, 78% milionários, 31% donos de rádio e TV, 31% citados na Operação Lava Jato mostra a que veio o coronel da velha república. Ao escolher como lema “ordem e progresso” (os ideais de Benjamin Constant e dos fundadores da república de e para poucos - fazendeiros, ilustrados positivistas, maçons e militares), o governo ilegítimo deixa claro que a ordem burguesa conservadora, elitista e opressora prevalecerá de agora em diante, lançando o país no século 19. Ordem burguesa, para ficar claro, é aquela estrutura policial-judicial-estatal que, em nome da lei, sufoca, reprime e, no limite, elimina todo o opositor. Não é à toa que os pitbulls globais, por exemplo, já vomitam nos noticiários da emissora oficial do golpe expressões do tipo “desordeiros” ou “baderneiros” (em relação aos movimentos sociais e manifestações contra o governo) para justificar a repressão.

         No campo dos direitos humanos, quero sublinhar, tivemos uma regressão de quase meio século. Desde 1948, com a Declaração Universal dos Direitos Humanos, assistimos no mundo inteiro uma ampliação das políticas públicas de defesa, garantia, proteção e promoção de direitos. No Brasil, mesmo que tardiamente, desde o governo Sarney, passando pela Constituição Federal de 1988, depois no governo FHC (com a criação de órgãos, programas, projetos e políticas de direitos humanos) e a ampliação e consolidação dessas políticas nos governos Lula e Dilma, tivemos a construção de uma sólida política de estado de direitos humanos. Agora, ruborizados de vergonha, assistimos, numa canetada e de forma violenta, a extinção dos ministérios da Igualdade Racial, das Mulheres, da Juventude, dos Direitos humanos. Na prática, um colossal retrocesso em relação aos direitos de mulheres, jovens e negros, e mais especificamente, dos quilombolas, povos de matriz africana, povos e comunidades tradicionais, população LGBT, grupos vítimas de tráfico de pessoas e tortura, entre outros.

Chama a atenção o fato de se localizar justamente no Ministério da Justiça o novo órgão que cuidará desses temas. O atual titular da pasta da justiça (?), que era secretário de segurança de São Paulo, autorizou a invasão das escolas e a prisão de adolescentes que as ocupavam, protestando contra a máfia da merenda. Além disso, já foi advogado de Eduardo Cunha, o inominável, e do PCC (Primeiro Comando da Capital) (veja aqui). Recentemente, disse à imprensa que determinadas manifestações populares são atos de guerrilha (veja aqui). Será mera coincidência essa estreita relação do novo governo com o governo Alckmin? Seria uma prévia do projeto dos tucanos com os peemedebistas para 2018?

É bom lembramos, aqui, Hannah Arendt: primeiro, a violência destitui a fala, no caso, das minorias. Depois, vêm todas as outras formas de domínio e de opressão. Esses grupos historicamente invisibilizados e vulnerabilizados da sociedade brasileira passam, de agora em diante, a serem definitivamente excluídos e extirpados do estado (não-democrático de direita).

Como se não bastassem tantos retrocessos e violências contra uma sociedade plural, desigual e diversificada, o governo ilegítimo fundiu os ministérios da Educação e da Cultura, colocando em seu comando um político do DEM que é a favor do rebaixamento da idade penal e que tem questionado, repetidas vezes, políticas de ampliação da educação pública, de ações afirmativas e de alargamento do acesso à universidade pública. Também aqui há uma visão do século 19, que sustenta o perverso argumento segundo o qual as universidades públicas devem ser centros de formação da elite dirigente do país. 

Na biografia do titular da educação consta ainda o fato de ele ter fortes relações com o instituto que cedeu ao governo tucano de São Paulo o projeto de reestruturação das escolas, ocasionando uma forte e cívica reação dos estudantes que passaram a ocupá-las, primeiro denunciando esse projeto; depois pelo roubo da merenda naquele estado (veja aqui).

Em relação a violência contra os trabalhadores e as trabalhadoras deste país,  a transformação do Ministério do Trabalho e Previdência Social em Ministério do Trabalho e o fato de a Previdência passar a ser uma mera atribuição do ministro da Fazenda, com o compromisso explícito de realizar uma ampla reforma (alterando a idade mínima para aposentadoria, desvinculando o salário mínimo do reajuste das aposentadorias e possivelmente privatizando a Previdência) mostra claramente o desdém do governo ilegítimo para com a classe trabalhadora. O ministro da fazenda, que recuso citar seu nome, teve a desfaçatez de afirmar que “direitos adquiridos é um conceito impreciso” (veja aqui), não restando dúvida que o feitor dos trabalhadores não poupará sequer os direitos previdenciários já adquiridos.

E tem mais: a extinção da Controladoria-Geral da União (CGU), o órgão responsável nos últimos anos pelo sistemático combate e desmonte da corrupção na máquina pública federal (sendo mais eficiente que as estruturas seletivas do judiciário e ministério público nessa área), foi extinta em ataque frontal ao direito de acesso à informação e limitação do combate à corrupção. Sua extinção e substituição pelo Ministério de Transparência, Fiscalização e Controle, esse pomposo nome que não significa nada na prática, retira autonomia do órgão (fundamental para um enfrentamento eficiente da corrupção). Ademais, trata-se de uma afronta à doutrina internacional do controle interno que determina que mecanismos de controle estejam diretamente vinculados à Presidência da República. Não precisa escrever mais sobre isso. O fato de o presidente ilegítimo e sete de seus ministros estarem envolvidos em diversas denúncias de corrupção sugere que há algo muito estranho e oculto no aparente reino dos que tomaram o poder sem ter votos. A cegueira da justiça em relação a esse e outros fatos mostra que a degradação dos poderes não se limita no executivo e no legislativo.

A questão agrária e rural será, agora, uma espécie de “puxadinho” do Ministério de Desenvolvimento Social. Sob o comando de um peemedebista gaúcho, a ordem é fortalecer o “empreendedorismo rural”. Quantas palavras bonitas “pra inglês ver”, bem nos moldes positivistas da velha república. Provavelmente, doravante ocorrerão ações sistemáticas para desmontar o que foi criado visando o fortalecimento e a autonomia dos agricultores familiares, camponeses e indígenas que garantem mais de 70% dos alimentos que os brasileiros consomem. De agora em diante, no governo dos coronéis, esses segmentos do campo passam a ser tratados como pobres coitados e não mais como importantes atores do desenvolvimento socioeconômico e ambiental do país.

Por fim, a violência real e simbólica praticada contra a presidenta Dilma (uma mulher que é bela, recatada, do lar, da luta, da democracia e com mãos limpas) virou escândalo na comunidade internacional. Nenhum chefe de estado e de governo apareceu para defender o governo ilegítimo. Ao contrário, as notícias que temos de várias fontes, obviamente não da imprensa golpista, é que o constrangimento é geral. Até mesmo liberais democratas de variados países que, apesar de serem serviçais do mercado são respeitadores da lei, andam atordoados com as notícias do Brasil. Um vexame sem fim...

É preciso, neste momento, dizer algo mais: instituições e pessoas que se dizem defensores da democracia e se calam frente a tanta violência precisam sair da toca (do comodismo, do medo ou da paralisia decisória). Afinal, como diz o velho ditado popular, geralmente, “quem cala consente”.


Com racionalidade, alguma serenidade e estudando um pouco da história e da política brasileiras, consigo compreender claramente os processos de conquista do poder pelas elites desse país. Historicamente, são inúmeros os exemplos que mostram que esses grupos poderosos (ora com a cruz e a espada; ou com a chibata; ou com as armas e canhões e, agora, com a ajuda do parlamento, da mídia e da justiça) se impõem pela força, contra o povo e o projeto de uma nação, das mais variadas formas. Por isso, o sentimento não é de ódio no coração, nem confusão na mente. Sinto-me triste, envergonhado e angustiado frente à imensa involução social, política, moral e ética de um governo ilegítimo. Por isso, não reconheço um governo golpista.

quarta-feira, 11 de maio de 2016

Impeachment: a farsa do jogo jogado


Assistiremos hoje a mais uma congressada, desta vez urdida pelo Senado Federal, levando os usurpadores, que não passaram pelo crivo das urnas e, portanto, não têm mandato popular para o Palácio do Planalto. Para dar ares de seriedade, os senadores (em sua maioria brancos e ricos e muitos com pendências judiciais) não repetirão a palhaçada da sessão da Câmara. Porém, por mais que escondam, não deixarão de explicitar a farsa de um processo cuja ré é julgada sem ter praticado crime. A farsa do jogo jogado que começou com a não aceitação de Aécio do resultado das urnas tem seu pseudocoroamento no dia de hoje.

Ao longo de um ano, sob a batuta de Janot, Moro, da Polícia Federal e da mídia chafurdaram a vida e as ações de Dilma tentando encontrar um crime de responsabilidade. Como não tiveram êxito, inventaram essa desculpa esfarrapada das pedaladas fiscais para justificarem a empreitada golpista.

As duas coalizões golpistas (veja aqui) conseguiram apear do poder uma presidenta eleita democraticamente e impedida de exercer seu mandato, numa afronta abissal à Constituição. Porém, o resultado desse estupro à democracia virá em doses cavalares nos próximos dias e anos.

Ter esperança na justiça é evidente perda de tempo. Se o STF desejasse um mínimo de moralidade na República deveria ter determinado não somente o afastamento de Eduardo Cunha do seu mandato e da presidência da Câmara, mas também anulado todos os seus atos desde o recebimento da denúncia da PGR em dezembro de 2015. E, nesses atos, estaria inclusa a patética sessão da Câmara de 17 de abril quando foi determinado o prosseguimento do processo de impeachment contra Dilma Rousseff. Como dizia Ruy Barbosa "a justiça atrasada não é justiça; senão injustiça qualificada e manifesta." (IN: "Oração aos Moços", 1921).

Depois de apresentar um relatório eivado de vícios, o tucano Antônio Anastasia (PSDB), assistiu seu parecer na Comissão daquela Casa ser   desconstruído publicamente pelos três juristas citados por ele no documento. Os constitucionalistas Lenio Luiz StreckMarcelo Andrade Cattoni de Oliveira e Alexandre Bahia aparecem na peça de Anastasia como se reforçando o ponto de vista do relator.

Num embate entre Anastasia e o advogado geral da União José Eduardo Cardoso, durante uma das oitivas na Comissão do Impeachment do Senado, o mineiro quis, espertamente, dar ares de legalidade a trama golpista, sendo confrontado imediatamente pelo defensor de Dilma Rousseff:  

“O fato de existir direito de defesa formal, não real, onde as pessoas já entram com a convicção formada, indica uma decisão política e não uma decisão imparcial. O senhor (Anastasia) diz que nunca viu golpe com direito de defesa? Eu já vi. Eu já vi injustiça com direito de defesa. Todos os julgamentos mais iníquos da humanidade foram feitos com direito de defesa. Aliás, quando se quer esconder uma iniquidade, se dá o direito de defesa retórico onde as cartas já estão marcadas, onde o jogo já está definido”. (José Eduardo Cardozo – veja aqui).

A destruição da democracia terá um preço colossal. Conforme as palavras proferidas pelo insuspeito professor Paulo Sérgio Pinheiro, integrante do governo FHC e reconhecido internacionalmente pela defesa dos direitos humanos, 

“o que vai acontecer é a derrubada de tudo o que se constituiu nos últimos 25 anos em termos de direitos humanos, controle civil das Forças Armadas, fortalecimento dos movimentos sociais e da sociedade civil democrática organizada”. “O perfil do governo golpista simplesmente é um sinal fraco do governo, com práticas de direita e extrema direita, que estarão ainda por vir” (veja aqui). 

O respeitado cientista político Wanderley Guilherme dos Santos, em uma rede social, postou ontem (10/05) uma análise corajosa, típica daqueles que não têm medo em desvelar a trama cujos resultados ainda não conhecemos e que precisa ser reproduzida, quase que na íntegra, aqui: 

Qualquer objeção jurídica ou lógica à decisão é pura perda de tempo. Por isso o golpe fracassou. As sucessivas ilegalidades da força-tarefa da Lava-Jato, com prisões injustificadas, humilhações de investigados, difamações, tortura psicológica de presos, vazamentos operados com oportunismo, incansável repetição de incriminação e degradação de investigados ou mesmo réus em curso de julgamento, linguagem virulenta de procuradores, policiais federais e Procurador-Geral da República, cultivando hostilidade e ódio na opinião pública e, finalmente, o apelo dos homiziados de Curitiba aos movimentos sociais conservadores e mídia golpista para continuado apoio, esquecendo as instâncias judiciárias e de outros poderes a que estão subordinados, substituiu a indumentária de cavaleiros pelo restabelecimento da moralidade pelo descarado uso da força bruta, e só ela, contida nas leis. Não há salvação: Michel Temer é um usurpador e seu governo não deve ser obedecido. Não deve e não o será. O golpe fracassou socialmente e o usurpador só governará mediante violência física, repressão sem disfarce. Ou a sublevação social pela democracia é submetida pela força (e aí o golpe, finalmente, será vitorioso), ou a coerção servirá de combustível à sublevação. Então, de duas uma: ou Michel Temer renuncia e o STF convoca novas eleições ou as forças armadas intervirão. ”

terça-feira, 10 de maio de 2016

INTELECTUAIS E ESTUDIOSOS BRASILEIROS: É HORA DA AUTOCRÍTICA



Até um ano atrás, os intelectuais brasileiros (cientistas políticos, sociólogos, historiadores, juristas...) fiavam na estabilidade democrática. Acreditando no respeito às regras da democracia procedimental e, principalmente, na formalidade da Constituição Federal de 1988, afirmavam, quase que unanimemente, que nossa democracia era sólida.

A bem da verdade, desde 1889, ocasião da proclamação da República por um grupo de liberais conservadores, o Brasil não experimentou NEM UMA DÉCADA de intensa estabilidade democrática. As elites conservadoras, já na gênese da república, trataram de confabular um regime de intensa instabilidade política, porque nunca tiveram apreço à democracia real, apesar da defesa formal de um regime no qual o princípio liberal-republicano do respeito às leis sempre foi um acessório, a começar pelo sistema de justiça (veja, aqui, o estudo do grande jurista Fábio Konder Comparato, traçando a história de um "poder submisso às elites, corrupto na sua essência e comprometido secularmente com a injustiça").


As elites nunca se importaram, nestas plagas, com a educação para a cidadania e para a preocupação com a coletividade, visando a consolidação da república como uma realidade política fática, fatores já destacados por PLATÃO no diálogo entre Sócrates e Glauco:


A lei não visa o bem-estar absoluto de uma só classe de cidadãos mas, ao contrário, procura que no Estado seja alcançado com a concórdia entre todas as classes, seja por meio da persuasão, seja pela coação, obrigando a todos a repartir entre si a contribuição que cada um está em condição de trazer para a coletividade. Se a lei assim os torna cidadãos, seu objetivo não é o de deixá-los livres para fazer o que quiserem, mas de obrigar a cada um a colaborar para a concórdia do Estado. (PLATÃO. A República. Tradução de Ciro Mioranza. 2ª ed. São Paulo: Editora Escala, 2007, pp. 249, 269, grifos nossos).

O circo que assistimos nos últimos 18 meses somente confirma o que todos sabíamos, mas não queremos reconhecer: somos uma república das bananas, na qual, salvo exceções, as elites (políticas, econômicas, intelectuais, religiosas e jurídicas) nunca foram liberais democráticas de fato, apesar de defenderem a democracia formal (uma democracia na qual 99% dos brasileiros labutam para engordar a renda do 1% dos endinheirados, posicionando o país nas primeiras posições dos ranking de desigualdade, concentração de renda e sonegação fiscal).

Conviver pacificamente, num descomunal cinismo social, neste país que assiste em berço esplêndido e impunemente o extermínio de 60 mil cidadãos por ano (a maioria negros e pobres e parte significativa sendo eliminada por agentes do estado) é um dos dados mais evidentes da intensa fragilidade de uma sociedade que nunca foi, não é e continuará não sendo nem republicana, nem liberal-democrática e cujo estado nunca foi, não é e não continuará sendo de direito (a não ser na formalidade da lei que é manipulada ao bel-prazer dessas elites).


Neste sentido, são pertinentes e apropriadas as ponderações de Jessé Souza em A tolice da inteligência brasileira ou como o país se deixar manipular pela elite, acerca  do servilismo dos intelectuais brasileiros aos interesses dos poderosos:

Todos os dias indivíduos normalmente inteligentes e classes sociais inteiras são feitos de tolos para que a reprodução de privilégios injustos seja eternizada entre nós. Para enxergar com clareza nosso real lugar no mundo, é fundamental compreender como nossa elite intelectual submissa à elite do dinheiro construiu uma imagem distorcida do Brasil de modo a disfarçar todo tipo de privilégio injusto. Os poucos que hoje controlam tudo precisam desse “exército de intelectuais”, do mesmo modo que os coronéis do passado precisavam de seu pequeno exército de cangaceiros. (...) E produzir “convencimento” é precisamente o trabalho de intelectuais no mundo moderno, substituindo os padres e religiosos do passado

Se para atenderem aos seus interesses momentâneos e casuísticos, as elites desconstroem, desobedecem e subvertem as leis que são por elas impostas, por que o cidadão teria apreço às leis e às regras do jogo democrático?

O trocadilho parece infantil, mas é a pura realidade. Temos um ESTADO DE DIREITA (liberal-elitista, conservador e antidemocrático). É preciso refletir melhor sobre a histórica baixíssima qualidade dessa dita democracia tupiniquim... para mudá-la.


(Atualizado em 10/05/2016, ao meio dia)