sábado, 25 de junho de 2016

O deus-dinheiro, o impeachment e a volta da caça às bruxas

Fonte: "A sala de cima" (Internet)

As novas ações midiáticas patrocinadas pela juristocracia tupiniquim (desta vez tendo à frente um pupilo da tresloucada autora do pedido de impeachment), recolocam no debate a questão acerca dos maiores interessados no golpe, esse estupro à democracia brasileira. Cada vez fica mais claro que, para além dos pastelões, corruptos e fanfarrões que abundam no Congresso e no governo interino, os verdadeiros interessados no imediato retorno de nosso país à velha categoria das repúblicas das bananas são os ricos e poderosos. Por isso, é fundamental entendermos o que está por detrás do jogo jogado do impeachment fajuto.

Giorgio Agamben, um dos principais intelectuais contemporâneos, professor em diversas universidades europeias e norte-americanas explicou, em entrevista recente (leia na íntegra, aqui), como funciona a atual fase do capitalismo (concentrador de riqueza, fundamentalmente rentista e excludente, que move todos os interesses, inclusive a determinar os rumos da política e da vida das pessoas). Agamben foi definido pelo Times e pelo Le Monde como uma das dez mais importantes cabeças pensantes do mundo. Sua obra, influenciada por Michel Foucault e Hannah Arendt, centra-se nas relações entre filosofia, literatura, poesia e, fundamentalmente, política.

O filósofo Giorgio Agamben
Quando lemos com atenção algumas considerações de Agamben sobre a democracia, por exemplo, entendemos com mais clareza o que está por detrás de afrontas à cidadania em várias partes do mundo, como o golpe em curso no país. Para ele, “a nova ordem do poder mundial funda-se sobre um modelo de governabilidade que se define como democrática, mas que nada tem a ver com o que este termo significava em Atenas”. 


Para manter um empreendimento dito democrático e que, paradoxalmente, produz imensa concentração de renda e riqueza nas mãos do 1% mais ricos em detrimento à dignidade da absoluta maioria das pessoas, o capitalismo, atualmente, sobrevive da fabricação de crises: “Crise e economia atualmente não são usadas como conceitos, mas como palavras de ordem, que servem para impor e para fazer com que se aceitem medidas e restrições que as pessoas não têm motivo algum para aceitar. “Crise” hoje em dia significa simplesmente “você deve obedecer! ”.

Neste sentido, explica Agamben, “é preciso tomar ao pé da letra a ideia de Walter Benjamin, segundo o qual o capitalismo é, realmente, uma religião, e a mais feroz, implacável e irracional religião que jamais existiu, porque não conhece nem redenção nem trégua. Ela celebra um culto ininterrupto cuja liturgia é o trabalho e cujo objeto é o dinheiro.  Deus não morreu, ele se tornou dinheiro. ”

Nos dizeres do professor Ladislau Dowbor, "a expansão dos lobbies, a compra dos políticos, a invasão do judiciário, o controle dos sistemas de informação da sociedade e a manipulação do ensino acadêmico representam alguns dos instrumentos mais importantes da captura do poder político geral pelas grandes corporações. Mas o conjunto destes instrumentos leva em última instância a um mecanismo mais poderoso que os articula e lhe confere caráter sistêmico: a apropriação dos próprios resultados da atividade econômica, por meio do controle financeiro em pouquíssimas mãos."

Ademais, a associação entre os grandes oligopólios do capitalismo internacional com a manipulação da mídia, serviçal desses grupos, naturaliza todo o tipo de violência real e simbólica contra a democracia:  “É mais simples manipular a opinião das pessoas através da mídia e da televisão do que dever impor em cada oportunidade as próprias decisões com a violência. ”

No caso brasileiro, a liturgia formal do voto popular deixou de ser um “esquema” a beneficiar os históricos usurpadores das riquezas e do trabalho nacionais e, assim sendo, não mais interessa aos donos do deus-dinheiro respeitar as regras procedimentais da democracia. O resultado eleitoral pode, portanto, ser anulado com desculpas das mais esfarrapadas. Os capachos tupiniquins do grande sistema de corrupção internacional que move o capitalismo atualmente resolveram jogar no lixo as deliberações eleitorais para tocarem um impeachment sem crime de responsabilidade. O que é isso? Simples: é golpe.

Imagem: Internet
Essa percepção acerca do estupro à nossa democracia parece se tornar cada vez mais clara. Mesmo não apreciando certo culturalismo dependente que gosta de bajular as “inteligências” alienígenas como se fossem melhores que a produção da reflexão autóctone, é digno de destaque o fato de, nesta semana, intelectuais de referência em todo o mundo, como os filósofos alemães Jürgen Habermas, Axel Honneth e Rainer Forst, a filósofa norte-americana Nancy Fraser e o filósofo canadense Charles Taylor terem assinado um manifesto internacional de repúdio ao que classificaram como “golpe branco” contra a democracia brasileira. Expressão também já utilizada, mais de uma vez, pelo Papa Francisco. (Veja aqui >>>).

Segundo o manifesto internacional, a oposição no Brasil, formada por partidos de direita, aproveitou-se da crise econômica para levar adiante uma campanha “violenta” contra um governo eleito democraticamente. Por isso, o objetivo do impeachment da presidenta Dilma Rousseff é atacar direitos sociais, desregulamentar a economia e frear as investigações de corrupção.

Noutro documento, com mais de mil assinaturas, artistas e intelectuais estrangeiros também manifestaram solidariedade ao Brasil. O texto diz que os movimentos sociais “estão sujeitos a uma ofensiva política de grande magnitude que leva o Brasil a um período de grande retrocesso democrático” e obscuridade.

Talvez, pelo fato de ameaçar a hegemonia dos donos do capital especulativo e rentista não somente daqui, mas do mundo (haja vista as potencialidades nacionais, como nossas reservas de petróleo e a biodiversidade – ativos valiosíssimos no presente e no futuro), a caçada ao PT voltou com toda a força nesta semana. Curiosamente, depois de uma reunião entre a ninfa justiceira e um ministro interino e, para o delírio dos moralistas sem moral, foram retomados mais uma vez os espetáculos policialesco-midiático-seletivos. Incrivelmente, logo após a divulgação de dezenas de áudios a comprovarem a corrupção endêmica e sistêmica envolvendo o PMDB, o PSDB e o DEM há anos, nestas plagas. A justiça brasileira é uma bênção para os homens e as mulheres de ben$, com cifrão no final.


Não serei eu a defender Paulo Bernardo e ninguém que, eventualmente, tenha praticado atos de corrupção. Mas, até para um idiota político valem as perguntas: alguém já viu ou ouviu falar que a polícia (política) federal tenha vasculhado as sedes nacionais de partidos inúmeras vezes citados em casos de corrupção como o PSDB, DEM, PP, PMDB? Alguém conhece pelo menos um tesoureiro nacional desses partidos que tenha sido investigado? Quantos ministros do governo FHC, flagrados em escutas comprometedoras em diferentes ocasiões, foram conduzidos à prisão, tiveram condução coercitiva ou prestaram depoimentos (cobertos ao vivo pela mídia?) Em síntese: a juristocracia seletiva tupiniquim faz com que o Tomás de Torquemada, no túmulo, sinta-se apequenado.

O fato é que, como nenhum partido conseguiu ganhar quatro eleições seguidas para a Presidência em toda história republicana brasileira (e, não obstante o massacre midiático-justiceiro contra o ex-presidente Lula, uma liderança que continua firme numa provável disputa presidencial futura), o PT ainda é um perigo real e simbólico aos donos do capital internacional e seus capachos daqui e, portanto, deverá ser aniquilado. E o primeiro passo, dado o fracasso da cavalar campanha midiática contra o partido, é consolidar a empreitada golpista.


         Os gigolôs do capitalismo rentista, sacerdotes e sacerdotisas do deus-dinheiro, e seus prepostos das coalizões que articulam o golpe nessas plagas (veja aqui >>>) querem manter o país como eterna colônia. E farão de tudo para trucidar quaisquer pessoas e grupos que se opuserem aos seus intentos.

sábado, 18 de junho de 2016

A MISÉRIA DAS ELITES BRASILEIRAS

Fonte: Facebook.
Como naturalizar e não problematizar a imensa injustiça provocada pelas altíssimas taxas de juros e de spread bancário que oprimem toda uma população em favor de meia dúzia de banqueiros e especuladores? Como entender um golpe travestido de legalidade e abençoado pelos setores mais conservadores e retrógrados da sociedade, com a conivência cínica de instituições que, a princípio, deferiam se levantar contra toda afronta à Constituição ou a afronta à dignidade dos pobres?

         Jessé Souza, em sua mais recente obra A tolice da inteligência brasileira, ou como o país se deixa manipular pela elite (São Paulo: LeYa, 2015), nos ajuda a entender que a perfeita união entre o economicismo (“a crença explícita ou implícita de que a variável econômica por si esclarece toda a realidade social”) e o culturalismo conservador (uma ciência da ordem que existe para afirmar e legitimar o mundo como ele é) justificam as leituras dominantes e empobrecedoras do debate político brasileiro. Esse é um dos motivos do porque não indignamos com o fato de que “nos bolsos do 1% mais rico da população brasileira está o resultado do trabalho dos 99% restantes”. E isso parece normal, natural, justificável, imutável e academicamente inquestionável.

Para manter esse empreendimento vergonhoso intacto, somente com muita violência simbólica, “que se disfarça de convencimento pelo melhor argumento”. E aqui entra a miséria da nossa ciência. Como já ensinava Max Weber, é preciso que o dominado socialmente se convença de sua inferioridade para que a dominação social seja possível. Neste sentido, “a legitimação científica da dominação fática produz a imagem de sociedades idealizadas de um lado e de sociedades essencialmente corrompidas do outro”. Portanto, “em vez de apontar para as causas reais da concentração da riqueza nas mãos de uns poucos e para a exclusão da maioria, essas concepções de intelectuais servis ao poder e ao status quo nos levam a acreditar que nossos problemas advêm da ‘corrupção apenas do Estado’, levando a uma falsa oposição entre o Estado demonizado, tido como corrupto, e um mercado visto como o reino de todas as virtudes”.

A bem da verdade, as elites nacionais nunca se importaram com a consolidação de um sistema educacional voltado aos interesses da cidadania, com o objetivo de concretizar uma república de fato (para além da formalidade do direito). Conviver pacificamente com essa abissal desigualdade social assistindo em berço esplêndido e impunemente o extermínio de sessenta mil cidadãos por ano (a maioria negros e pobres e parte significativa sendo eliminada por agentes do estado), além de um descomunal cinismo é um dos dados mais evidentes da intensa fragilidade de uma sociedade que nunca foi e não é nem republicana, nem liberal-democrática e cujo Estado nunca foi e não é  de direito (a não ser na formalidade da lei que é manipulada ao bel-prazer de e para poucos). Como dizia Darcy Ribeiro: "o Brasil tem uma classe dominante ranzinza, azeda, medíocre, cobiçosa, que não deixa o país ir pra frente!"

As críticas de Jessé Souza acerca do servilismo dos intelectuais brasileiros aos interesses dos poderosos precisam ser consideradas: “Todos os dias indivíduos normalmente inteligentes e classes sociais inteiras são feitos de tolos para que a reprodução de privilégios injustos seja eternizada entre nós. Para enxergar com clareza nosso real lugar no mundo, é fundamental compreender como nossa elite intelectual submissa à elite do dinheiro construiu uma imagem distorcida do Brasil de modo a disfarçar todo tipo de privilégio injusto. Os poucos que hoje controlam tudo precisam desse “exército de intelectuais”, do mesmo modo que os coronéis do passado precisavam de seu pequeno exército de cangaceiros. (...) E produzir “convencimento” é precisamente o trabalho de intelectuais no mundo moderno, substituindo os padres e religiosos do passado.”

Mas, por que o título do livro trata de uma “tolice da inteligência brasileira”?  Porque, segundo o autor, e concordamos com ele, os principais intérpretes do Brasil sempre foram “colonizados até o osso”. Criaram suas teorias sociológicas e políticas a partir do pressuposto de um desenvolvimento socioeconômico relativamente baixo, como próprio das pessoas de sociedades como a nossa e não como resultado de uma estrutura e institucionalidade de distribuição da riqueza (acesso a bens e serviços) extremamente desiguais e excludentes.

A bem da verdade, constata Jessé Souza, a maioria dos cientistas sociais e políticos vê a modernidade como se fosse uma “fábula para adultos”; ou seja, a modernidade descrita como fruto de uma benção divina. Assim, algumas sociedades abençoadas têm pessoas boas que são recompensados (por méritos) com riquezas. Outras, não são abençoadas e têm pessoas más, padecendo do castigo da pobreza.

Neste sentido, no caso da tolice à brasileira, trata-se de criar todo um conjunto de teorias com vistas a confundir a causa (desigualdade extrema associada a “pobreza extrema”) com a consequência (reprodução crônica e ampliada das “doenças” modernas). A partir dessa “confusão”, os tolos, que somos todos nós, acabam vendo subjetividade, ou seja, sociedades melhores, onde na verdade existe objetividade, isto é, sociedades estruturalmente mais ou menos desiguais.

A leitura atenta do livro de Jessé Souza ajuda-nos, entre outras possibilidades de apreensão das muitas mazelas nacionais, a entender um pouco mais sobre a crise política que vivenciamos nos últimos meses. A erosão das instituições políticas somente confirma o que todos sabíamos, mas não queríamos reconhecer: somos uma república das bananas, na qual, salvo exceções, as elites (políticas, econômicas, intelectuais, religiosas e jurídicas) defendem na teoria uma democracia formal, mas não se comprometem na concretização de numa democracia de fato.

A ressaca frustrante dessa democracia de faz-de-c0nta, que não respeita sequer a formalidade dos procedimentos determinados pela Constituição Federal de 1988, foi comprovada no golpe parlamentar-jurídico-empresarial-midiático-elitista em curso no país. No livro, editado no ao passado, o autor já antevia no capítulo “o golpismo de ontem e de hoje: considerações sobre o momento atual”, o que ocorreu, de fato, neste ano.

Construtores e patrocinadores dos contos da carochinha sobre corrupção, isenção da justiça e deficiência do Estado, divulgados em doses cavalares pela mídia (afinal, ninguém é dominado se não aceitar a dominação como algo bom ou devido a sua inferioridade moral), os beneficiários diretos de uma desigualdade que se reproduz de forma ampliada fizeram a sociedade brasileira crer que ela é essencialmente corrupta, devendo, portanto, aceitar passivamente o estupro à democracia apadrinhado por uma elite despudora, chafurdada na lama da corrupção, mas com um discurso higienista, salvacionista e eivado de conservadorismo (social, moral, político e religioso).

Os espertos (ricos, beneficiários diretos da estrutura desigual da sociedade) construíram uma farsa fazendo com que o brasileiro, não abençoado e corrupto por natureza, confiasse que o âmago da corrupção está no Estado e no governo de plantão que gerenciava a máquina pública. Como alter ego da sociedade, a mídia ainda cumpriu o perverso papel de propagar a ideia de negação da política (os políticos, os partidos e a democracia representativa como instituição), bem como repudiar a importância do Estado no seu papel de fundamental como lócus de redução da desigualdade social e suas mazelas, entre elas as violências real e simbólica.


Tudo bem arquitetado, assistimos ao golpe elitista reposicionando novamente para o centro das decisões do Estado aquele 1% mais rico, que controla a riqueza e o poder; que tem nas mãos todo o sistema de manipulação da opinião publicada transformada em opinião pública; que tem no sistema de justiça conservador  e seletivo parceiro de primeira hora; que não paga imposto (porque no Brasil os lucros de capital são isentos de tributos) e que, historicamente, sempre usurpou do trabalho e do suor dos 99% dos brasileiros, principalmente dos 70% dos trabalhadores e empobrecidos. E todos, como marionetes, assistimos ao espetáculo sem perceber que os mesmos de sempre pagarão a conta do banquete dos poderosos. 

sábado, 11 de junho de 2016

Ganhar as mentes e os corações e enterrar o golpe



A história recente do Brasil mostra que é preciso convencer as mentes e amolecer os corações para que a indiferença em relação à desigualdade e injustiça social se transforme em ação política capaz de incidir nas mudanças institucionais.

Em 2002, Lula conseguiu convencer mentes e corações acerca da absurda convivência com a miséria e a corrupção naturalizadas em nossa sociedade. E foi eleito presidente. Naquele momento, o PT se tornou hegemônico na constituição de uma coalização mudancista.

Porém, ao longo dos anos o governo petista, embriagado pela mosca azul do poder, deixou-se contaminar, em parte, pelos maus-feitos historicamente perpetrados pelas elites econômicas e políticas deste país. Foi perdendo, paulatinamente, o apoio das esquerdas e daqueles segmentos progressistas que exigem ética e coerência no trato da coisa pública.

Desde 2013, com as jornadas e junho e  durante o processo eleitoral de 2014, numa disputa real e simbólica, observamos a tomada das ruas pelos setores mais conservadores da sociedade brasileira, nas manifestações domingueiras promovidas pela mídia.  Porém, desde o ano passado, com o recrudescimento das disputas políticas, as esquerdas e os movimentos sociais progressistas começaram a esboçar uma reação.

Num cenário de corrosão econômica e “endireitamento” do Parlamento chegamos ao impensável golpe que culminou na assunção de um governo ilegítimo de homens ricos, brancos e corruptos: uma caricatura de nossas elites sociais, políticas e econômicas.

Ao mesmo tempo em que o PT perdia a hegemonia da esquerda, foi-se constituindo uma ampla coalização que se concretiza, como observamos na última manifestação deste 10 de junho, numa resposta pujante na defesa da democracia e suas regras procedimentais e contra a superestrutura do golpe, formada pelas elites políticas, sociais e empresariais, com apoio dos segmentos judiciais e midiáticos.  

As frentes Brasil Popular e Povo Sem Medo foram se somando a outros segmentos sociais que, com a assunção do governo golpista, se unem contra a agenda neoliberal, conservadora e entreguista que tenta destruir não somente um partido político (PT) e uma governante legitimamente eleita (Dilma), mas fundamentalmente a consolidação da democracia e a construção de um país mais justo e igualitário.

A total ausência de notícias sobre as manifestações deste 10 de junho na mídia golpista não sinaliza somente a má-fé dos promotores do golpe, mas, fundamentalmente, o desespero dos setores golpistas à medida que a empreitada conservadora vai sendo desmascarada e aumenta a mobilização social em prol da democracia e contra o governo interino. E isso não ocorre somente no território nacional. Temos informações de manifestações a denunciarem o golpe em várias partes do mundo, envolvendo uma classe média progressista e diversos campos sociais (intelectuais, artistas, militantes políticos, etc.).

As manifestações desse 10 de junho mostraram, claramente, que os setores progressistas da sociedade começaram a ganhar os corações e as mentes dos brasileiros. Aos poucos, todos os brasileiros e brasileiras vão percebendo que governo provisório é péssimo para os trabalhadores, os pobres, os aposentados, os segmentos vulneráveis e também para a classe média que, a curto prazo, pagará o preço de uma política concentradora de riqueza e renda nas mãos de poucos.

Precisamos mostrar que o governo golpista ataca as políticas sociais em vez de taxar os mais ricos. É preciso demonstrar, com toda a clareza, a farsa construída através de perversa tramoia que destituiu uma presidenta legítima e colocou em seu lugar um gabinete cujo programa é o oposto do que foi decidido nas urnas, em 2014. É imperioso mostrar que a presidenta Dilma, mesmo com falhas, fez um governo sério num quadro de endireitamento do Parlamento, aguda crise econômica e traições das mais perversas.

É claro que não estamos em 2002, mas se essa “onda” de esperança num país de e para todos e todas continuar espraiando para dentro e fora do Brasil teremos condições de reverter o golpe e recolocar o país nos trilhos da democracia.

Povo nas ruas e ideias novas precisam se articular num denominador comum da luta para reverter o golpe.

quinta-feira, 9 de junho de 2016

A mídia, o golpe e a pseudoguerra do bem versus o mal




À medida que o poderio econômico foi dominando a mídia, muitos “profissionais da pena” foram se subjugando aos interesses patronais e outros se transformando em animadores de auditório. Parte do jornalismo, ator político relevante na formação da “opinião pública”, tem se contentado com o apequenado papel de ventríloquo.

Presenciamos no Brasil uma incestuosa relação no universo da comunicação de massa: de uma maneira geral, o jornalismo domado às conveniências do grande capital sucumbe aos ditames dos donos dos oligopólios empresariais e midiáticos que determinam o que deve ser pautado, como, quando, de qual forma, com qual recorte e viés, assim como o que deve ser publicado (melhor dizendo, publicizado — dado que a produção da notícia se transformou ora em mercadoria, ora em produto de entretenimento). Assim, o jornalismo dos grandes veículos de comunicação decompõe-se em espetáculo, muitas vezes grotesco, a ser vendido de forma sensacionalista, eivado de interesses de classe, para o deleite do telespectador-consumidor desavisado.

Numa afronta colossal ao direito humano à comunicação, as grandes redes de mídia e as poderosas agências noticiosas escolhem, selecionam, manipulam e determinam o que deve ser divulgado e sob qual ótica os fatos são apresentados à opinião pública.

Há muito se questiona a isenção e a imparcialidade dos meios de comunicação. Por um lado, em virtude das relações imbricadas e promíscuas que envolvem os donos dos veículos (muitos dos quais, editores de suas empresas de comunicação; outros tantos, políticos herdeiros da velha estrutura colonial e familiar) com setores conservadores, elitistas e golpistas; por outro, pela fragilidade de parte de seus quadros profissionais, submissos (e impotentes) frente às determinações patronais. Quem perde com essa situação é a democracia que deixa de ter na imprensa o contraponto às mazelas sociais, econômicas e políticas.

Acompanhamos, com perplexidade e surpresa, a cobertura que a mídia tem dado às denúncias de corrupção que assolam frequentemente nossa República. A imprensa tem desprezado o aprofundamento das informações e demonstrado discricionariedade e seletividade na cobertura. A guerra do bem  versus  o mal reproduz o velho estilo maniqueísta (uma forma de pensar simplista em que o mundo é visto como que dividido em dois, reduzindo os fenômenos humanos e sociais a uma relação de causa e efeito, certo e errado, isso ou aquilo; sendo que a simplificação nasce da intolerância ou desconhecimento em relação a verdade do outro e/ou da pressa de entender e refletir sobre a complexidade de tais fenômenos.).  Quase não se fala, por exemplo, sobre os corruptores, os donos do capital e os interesses econômicos por detrás dos políticos e empresários corruptos. E que a corrupção não é obra brasileira. Trata-se de uma grande engenharia multinacional, construída para manter e fazer funcionar o capitalismo rentista.

Somos bombardeados com um vendaval de informações pontuais, muitas vezes descontextualizadas, passando a (falsa) impressão, por exemplo, de que todos são, essencialmente, corruptos e desonestos quando, na verdade, o discurso do combate à corrupção funciona como lenitivo de salvaguarda da elite empresarial-midiática-política, historicamente envolvida até o pescoço com os malfeitos. Os brasileiros e brasileiras não são corruptos por essência, como a mídia quer que acreditemos. Mas nossas elites o são. Esse é o ponto. Essa mentira vendida como verdade (de que todos são, indistintamente, corruptos) tem provocando um misto de histeria coletiva de caça às bruxas, expressa na raiva, ódio e desilusão em relação ao sistema político e provocado um imobilismo cívico – a ideia de que este país não tem conserto. Portanto, entreguemo-lo para os ratos.

Outro fenômeno que ressurgiu a partir das manifestações de 2013 e se recrudesceu nas últimas eleições, em 2014, foi um misto difuso de ódio e vingança, fazendo da disputa eleitoral uma verdadeira guerra, quando o processo democrático da escolha dos representantes deveria ser tão e somente um embate civilizado e respeitoso de ideias, opiniões e pontos de vista sobre os rumos do país. A quem interessa um país no qual os cidadãos têm nojo da política?

Frente a tanta (des)informação parece que estamos perdidos; que ninguém é honesto; que não vale a pena lutar pela ética, a verdade, a justiça. A mensagem subliminar seria, então, que vale a pena ser desonesto e chafurdar-se nas pequenas corrupções do dia a dia? É essa a mensagem sub-reptícia que nos é passada por essa mídia venal e fascista?

O pior dos mundos é quando os cidadãos não reconhecem na ética, na verdade, na mobilização social e na luta política os caminhos para as mudanças.

O filósofo e cientista político esloveno Slavoj Žižek  nos ajuda a pensar algo muito importante: a unificação de todos os nossos medos (e/ou discursos do medo) numa (falsa) verdade é o grande objetivo que sempre moveu os ideais dos mais conservadores. Essa estratégia justificou o nazismo (os nazistas tinham horror dos judeus, dos homossexuais...) ou o golpe civil-militar de 1964 (medo do comunismo), por exemplo. E, agora, justifica a assunção de uma quadrilha ao poder. Depois de transformar uma mentira numa verdade (que somente o PT e seus quadros são corruptos), a mídia brasileira liderou a gangue que estuprou nossa democracia. Não é mera coincidência o fato de o sistema de justiça desdenhar os estupros reais, como o ocorrido no Rio de Janeiro, daqueles simbólicos, não menos violentos, como o ocorrido com nossa democracia. A justiça, enquanto sistema, não existe para produzir justiça; senão, para corroborar os intentos e perversões dos poderosos.

O fato, é que a soma dos muitos medos (os verdadeiros ou aqueles construídos no imaginário social) é o ambiente propício para se criar um clima de pânico, instalar a desconfiança generalizada, propagandear uma insatisfação irracional. A partir daí, pode-se construir os pseudo-heróis "salvadores da Pátria"; justifica-se o injustificável; elegem-se os bodes expiatórios lançando-os à fogueira, na condenação midiática para o gozo sempiterno de uma massa amorfa, porque sempre apartada da política.

Mesmo nos regimes ditos democráticos, a construção orquestrada do medo pelos segmentos cujos privilégios são colocados à prova pavimenta atalhos fáceis para o golpismo. Mas, voltemos a Žižek:  a partir da unificação dos medos é fácil acatar como verdade inequívoca o discurso do ódio, da violência, da eliminação a qualquer custo daquele que encarna os males e seus seguidores.

Outro problema político vergonhoso, camuflado nesse cenário, é a intolerância, o racismo, o sectarismo religioso, o preconceito – principalmente de matrizes étnica e socioeconômica -, o fascismo disfarçado de nacionalismo. Esses "demônios" saíram do armário (porque lá sempre estiveram) e seus adeptos (que comportam como massa acéfala) querem se impor, afrontando a democracia.

Infelizmente, alguns privilegiados de ontem e de hoje não aceitaram uma sociedade que caminhava, a passos lentos, na construção da igualdade de fato, para além da igualdade de direito. Querem se manter como diferentes, ostentando os velhos privilégios da Casa Grande. Por isso, preferem morar em Miami. Não conhecem a verdadeira história deste país, porque a conquista de direitos, mesmo lenta e gradual, é irreversível em qualquer sociedade minimamente democrática e plural.

A igualdade de direitos faz parte do processo de consolidação da cidadania e é fundamento da democracia. Não há democracia numa sociedade estamental, como era o Brasil até bem pouco tempo. E não há democracia quando a mídia se transforma em partido político a fomentar e dar suporte ao golpe e, agora, transformando-se em porta-voz do governo golpista.


terça-feira, 7 de junho de 2016

Quando não se quer discutir os direitos das mulheres - Por Pe. Magno Marciete do Nascimento Oliveira


         O fascismo no país é cada vez pior. O tempo todo tenta desqualificar qualquer luta social com os mais estapafúrdios argumentos, na intenção de fazer a população entrar em perturbação mental, caindo em quadro esquizoide (apatia, falta de interesse em relações sociais, no caso aqui analogicamente por vida política). A patologia, porém, serve só para os fatos conclamados em nome das minorias e para a retirada de direitos, como no caso do golpe com seu efeito cascata, cadenciado pela forma como as notícias e o debate público são conduzidos pelos donos da informação. Lamentável.

         Diante do estupro coletivo, fato questionado com desfaçatez ultimamente, de uma menina de 16 anos, um soco no estômago de qualquer pessoa um pouco dotada de sensibilidade, moveu-se a sociedade, mexeu-se no quadro esquizoide. As vozes feministas deram seu grito antes da mídia noticiar qualquer coisa, pois só as redes sociais deram notoriedade ao grotesco de um vídeo divulgando o estupro como se fosse algo perfeitamente sintonizado com a consciência coletiva, algo tão normal quanto dizer bom dia.

         Os fascistas esclarecidos, que não admitem, mas têm ciência do seu direitismo acerbo, e o fascistas não esclarecidos, que não admitem e não sabem que estão no fundo poço da humanidade seguindo diretrizes macabras, trataram de minimizar o fato. Dizem: que importância tem tal situação? Todos os dias mulheres são estupradas e ninguém diz nada, mulheres são mortas e agredidas sem cobertura e comoção? Verdade. Todos os dias acontece, assim como todos os dias as pessoas são assaltadas, assassinadas e sofrem outras formas de violência. Todavia, numa sociedade estruturada sobre a barbárie tudo isso vai se tornando corriqueiro, até que algum evento por suas características explode como um furúnculo em um corpo social de aparência saudável.

         Esquecem os donos desses argumentos toscos que, se eles não lembram, há vários movimentos sociais, há feministas por toda parte que diuturnamente lutam contra as mazelas às quais as mulheres são constrangidas. Contra a violência atuam em frentes diversas, nas comunidades por meio de ONG’s, nas escolas e nas faculdades com a educação formal, nas igrejas e onde mais se puder imaginar, como na militância virtual, no combate em defesa da narrativa feminina. Quem não sabe nada sobre essas coisas é quem dessas coisas não faz sua preocupação, raciocinando só a partir de fatos midiáticos. Por isso, os fascistas esclarecidos ao defenderem seus argumentos são perversos e os não esclarecidos são, infelizmente, ignorantes.

         Agora, com um estupro acontecido em um acampamento de trabalhadores sem-terra, na noite do dia 04, sábado, no Bairro Castro Pires em Teófilo Otoni, Minas Gerais, Luciano Henrique do Ceticismo Político desafia: “Agora é só observar o comportamento da mídia. Parece que vários órgãos, como a Folha, estão escondendo a notícia. Devemos exigir que eles tratem do assunto. E as feministas do PT devem ser pressionadas a se posicionarem. Enfim, depende de nós pressionarmos os adeptos de discursinhos hipócritas. Se eles realmente se importam com as vítimas de estupro, agora é o momento de provarem isso. Ou serem expostos em sua monstruosidade” (veja aqui).

         Banal demais para ser verdade e verdade de sobra para ser banal, a invectiva do blogueiro é um exemplo límpido de um posicionamento que não entende nada sobre a realidade na qual vivemos e desmerece a defesa das mulheres e seus direitos como se fosse uma farsa. O seu olhar é um caso que abarca amplo espectro do que temos visto de falas e discursos por aí. O reducionismo aparece como marca registrada. As feministas chamadas a dar satisfação são só do PT. Bom, tem mais feministas por aí que se indignaram e reclamaram do que aconteceu do que aquelas que estão no Partido. E depois do estupro coletivo não foi só esse perpetrado por acampados os únicos sofridos por mulheres. Além de tudo a escolha de um estupro vivido por uma mulher com acampados mostra a polarização desonesta dos últimos tempos. Há questões na vida que não se resumem em direita e esquerda. Há valores que transcendem tais binômios, ainda que possam ser assumidos mais por um lado do que por outro.

         A má-fé do blogueiro em sugerir um ato de pressão para ser noticiado o fato com ênfase em nome da validade da luta contra a cultura do estupro é um descalabro. É como se a única mulher defendida em todo esse tempo tivesse sido só aquela menina. E como se não houvesse nenhuma luta antes e a explosão de um fato dessa monta, para o qual os olhares se voltam assombrados, não devesse ter tido cobertura depois dos requintes de crueldade expostos, num ato de instrumentalização de proporções abomináveis.

         Para o blogueiro e outros que pensam igual, como Reinaldo Azevedo, que se recusa, em artigo publicado na Folha no dia 03, com muito cinismo, a dar o braço a torcer para entender o que seja a cultura do estupro, apesar da história já ser relativamente longa sobre essa discussão, o que houve foi só uma “estandartização” do estupro para dar publicidade à esquerda. A canalhice desse pensamento é deprimente. É uma rejeição à causa feminista e menoscabo bem ao modo de policiais que recebem mulheres agredidas por homens e ficam insinuando que estas gostam de apanhar. Atitudes deste naipe achincalham o movimento feminista e deixam a questão dos direitos das mulheres em último plano, lançando mão de um discurso no qual se sobressai a disputa de campos antagônicos. Desaparece a vítima. Inclusive o estupro lembrado pelo blogueiro é só uma tentativa de desmascarar um discurso. Se pode dizer que essa razão em face do ocorrido fede. Ele não se importa com a mulher. Seu objetivo, como em filmes de ação, é estar com alguém nas mãos para forçar o inimigo a fazer um movimento temerário para depois matá-lo e dizer com gozo que a luta pelos direitos da mulher e sua defesa é um “discursinho hipócrita” e monstruoso.

Confessando só nas entrelinhas a completa desconsideração pela vítima, essa forma de pressionar o movimento feminista e a esquerda, esta dita explicitamente, cai em armadilha indesejada: a admissão de que nunca olharam para a vítima, de que não se quer discutir os direitos das mulheres pela ótica feminista, mas só através de abstrações de um falso humanismo que mais esconde do que revela. Que um estupro tenha acontecido num acampamento dos sem-terra é lamentável e condenável para qualquer pessoa sensível ao mundo feminino, no entanto para quem propôs fazer pressão é só algo providencial para desnudar quem se rejeita e continuar estuprando as possibilidades da existência de uma cultura saudável e civilizada.


(Pe. Magno Marciete do Nascimento Oliveira)

segunda-feira, 6 de junho de 2016

Um sentido para a esquerda. Por: Pe. Magno do Nascimento Oliveira


         No Brasil vivemos da falta de sentido. Isso é bastante sério. Isso significa que não temos muita coisa em que acreditar, que a vida na melhor das hipóteses segue sem ânimo e sem destino, mendigando sobras de sentido pelas ruas de uma história escrita por quem nunca se preocupou realmente por constituir uma nação. Sim. Desde a chegada das caravelas por aqui, a questão do sentido foi relegada a segundo plano. O que se poderia querer dar para uma terra que enchia os olhos da ganância e alimentava a sede de explorar.

         Não se oferece sentido para quem se deseja explorar. Ao explorado se procura, na verdade, tirar tudo. E assim essa terra foi sugada, dilapidada, desconstruída em seus símbolos até sangrar e chegar a ter como signo máximo a própria exploração, e um complexo de inferioridade do qual se padece hoje de forma medular. No interior do brasileiro se articulam falas e imagens de um Brasil que jamais dará certo. É o famoso complexo de vira-lata. E ele está mais enraizado na percepção do indivíduo brasileiro do que se imagina.

Por princípio, por aqui, todo brasileiro é preguiçoso. O Brasil não cresce segundo essa imagem porque não trabalhamos. E o tal do “jeitinho”? O jeitinho brasileiro é a prova maior de uma identidade estruturada, segundo os brasileiros, para fazer funcionar o mundo dos mais espertos e caras-de-pau. E como todos são dados ao jeitinho, atávico em nós como o carnaval e a alegria, a guerra constante de todos os espertos se constitui em algo fratricida, num boicote social de larga escala. Nada funciona com essa situação jeitosa. Todo mundo que dar um jeitinho em algo e aí todos ficam desajeitados.

E o brasileiro de classe média gosta de declamar seu desejo de ir para fora dessas terras. Aqui nada funciona, pensa. Inclusive, fica procurando saber quais são suas raízes europeias. Afinal é bonito ter ligação com alguém, que veio de lá do outro lado, desde que não seja português. Melhor que sejam raízes buscadas na Itália, na Espanha, enfim, entre os que são menos culpados pela tragédia brasileira, farta de piadas. Tudo isso culmina num prato antidemocrático. Os ingredientes do patrimonialismo, do racismo negado, do elitismo mais pobre do planeta (cópia caricata de tudo do exterior, sem conteúdo), do fundamentalismo religioso e do preconceito de toda ordem dão um caldeirão tenso e denso de contradições.

Ora, a esquerda golpeada nos últimos tempos, para ser significativa, precisaria encarar e pesada tarefa de encontrar um sentido para o Brasil. Isso seria um sentido para a esquerda e suas lutas. Aliás, esse sempre foi o seu sentido, mas nem sempre explorado como sentido orgânico de sua performance social, teórica, também dependente de fora, de ideias burladas sem originalidade necessária para desencadear a revolução precisa para o homo brazilis.

As lutas sociais no Brasil não terão efeito se a democracia buscada não tiver em si a concreção do sentido, por estranho que isso pareça em tempos de afirmação da globalização, de uma nacionalidade que se entenda como possibilidade de ver uma imagem própria da nação, não ufanista, mas apreensível para o homem e a mulher destas terras. O Brasil ainda não se contempla no espelho, não arruma a própria roupa ao ver-se ou pentear o cabelo. Não consegue ter nenhuma vaidade. Por isso não se defende, se entrega logo e prefere, quando muito, entrar destrutivamente em processo autofágico.

Apesar da historiografia já ter tentado pensar nisso, no fundo ninguém sabe o que é o Brasil. Ninguém se identifica com o Brasil. Qualquer crise já é suficiente para todos pedirem para descer do Brasil e passar a compará-lo com o que parece ser ideal nos outros. Não se encontra um sentido dentro, só fora. Desta sorte, a questão para esquerda é política e cultural em suas intersecções profundas no terreno da ética. Da mesma forma que age politicamente, por outro lado o desafio é fazer da luta uma trajetória pelo direito de ser brasileiro, de ter pertença a uma cultura, que já possui significados latentes, mas sempre reiteradamente negados, por isso não patentes, claros para abraçar como bandeira a hastear contra tiranias.

         O brasileiro ainda não brasileiro amarga não ser nada. Sente náuseas de não ter significado, um sentido, de ser visto como espécime rara para aos olhos do mundo. Sente seu pedaço de terra como uma velha choupana. Só de vez em quando sente alegria, não orgulho, por algum fato inusitado. Os exploradores destas terras, do passado e do agora, só aprofundaram isso. A esquerda precisa entender que a contramão desse aprofundamento é o seu ir de encontro ao Golias. Se isso não acontecer a esquerda sempre se digladiará contra uma cultura do oportunismo, da mais valia da falta de caráter, facilmente assimilável pelas massas, elas duplamente sem caráter: sem características de fundo cultural enquanto identidade a defender e sem vergonha na cara. A questão não é só de direitos sociais, mas também de direitos culturais. É agir, pensar e agir.


(Pe. Magno Marciete do Nascimento Oliveira)

sábado, 4 de junho de 2016

O Papa Francisco se preocupa com a situação política do Brasil. Será que ele está sozinho?

Fotomontagem. Da esquerda para a direita: Papa Francisco com Esquivel; com Letícia Sabatela e a juíza Kenarik; com os bispos do CELAM e, finalmente, recebendo o livro "Resistência ao Golpe")

Nos últimos dois meses, de fontes diversas e confiáveis, ignoradas solenemente pela mídia golpista, ficamos sabendo da preocupação do Papa Francisco com a situação política do nosso país. (Aliás, desde o início do ano passado o pontífice já teria se manifestado várias vezes junto a órgãos da igreja católica no Brasil acerca de sua apreensão com o desenrolar da crise política e econômica).

No final de abril, o escritor argentino Adolfo Pérez Esquivel, prêmio nobel da paz em 1980, revelou, em entrevista ao jornalista Darío Pignotti, do jornal Página 12, que levou à presidenta Dilma Rousseff o apoio do Papa Francisco: “o papa Francisco está muito preocupado com o que está acontecendo no Brasil; tudo isso vai trazer consequências negativas para toda a região e teremos um grave retrocesso democrático”.

Ainda, segundo Esquivel, numa conversa sobre os acontecimentos no Brasil, o Papa afirmou que o impeachment não passa de um golpe brando. O papa também teria lhe dito que Dilma é uma mulher honesta, denunciada por corruptos.

Poucos dias depois, em 9 de maio, a atriz Letícia Sabatella e a juíza Kenarik Boujikian Felippe participaram de um encontro oficial com o papa Francisco, no Vaticano. Na ocasião, entregaram a ele uma carta denunciando a ilegalidade do impeachment da presidenta. A carta foi assinada pelo advogado Marcello Lavenère, membro da Comissão Justiça e Paz, um organismo ligado a Conferência Nacional de Bispos do Brasil (CNBB). O texto considera o impedimento de Dilma um “golpe parlamentar de Estado”, manipulado pela mídia, sem fundamento legal e afirma que essa conjuntura poderá afetar outros países da América Latina. Na ocasião, o Papa, novamente, teria expressado inquietação com o desenrolar do processo golpista.

Em 19 de maio, numa reunião com a presidência do Conselho Episcopal Latino-americano (CELAM) – órgão colegiado dos bispos de toda a América Latina – o  Papa Francisco, mais uma vez, advertiu que pode ​​estar acontecendo "golpes de estado suave” em alguns países da região, notadamente se referindo às deposições arbitrárias de presidentes ocorridas em Honduras, Paraguai e, agora, em curso, no Brasil. Na ocasião, Francisco expressou sua preocupação com os problemas sociais dos países da América Latina em geral.

Num encontro com juízes no Vaticano, nesta sexta, 03 de junho, o Papa Francisco recebeu um exemplar do livro “A resistência ao golpe de 2016”, das mãos do procurador de Justiça Rômulo de Andrade Moreira, da Bahia.

Nenhum dos acontecimentos acima mencionados foram desmentidos pelo Vaticano. Portanto, podemos concluir que são informações fidedignas.

O Papa Francisco tem demonstrado, em reiteradas ocasiões, sua angústia em relação a uma onda direitista e neoliberal que está eliminando em diversos países as conquistas sociais alcançadas nas últimas décadas. Neste sentido, o Papa tem advertido com toda a firmeza acerca dos governos serviçais da atual fase do capitalismo rentista, especulativo e concentrador de riqueza e renda. Trata-se de um modelo político-econômico da “economia que mata”, do “capital transformado em ídolo”, da “ambição sem limites do dinheiro que comanda” tudo, nas palavras do Pontífice. Ora, o governo interino brasileiro encaixa-se milimetricamente nessa categoria.

Francisco já deixou claro que “a distribuição justa dos frutos da terra e do trabalho humano não é mera filantropia; é um dever moral”. No encontro com movimentos populares, na Bolívia, ano passado, exclamou: "Digamos sem medo. Queremos uma mudança real, uma mudança de estruturas. Este sistema já não se aguenta, os camponeses, trabalhadores, as comunidades e os povos tampouco o aguentam. Tampouco o aguenta a Terra, a irmã Mãe Terra, como dizia São Francisco".

No caso brasileiro, acrescente-se o fato de o papa conhecer a presidenta Dilma. Ele certamente sabe que, apesar de erros na condução do governo, trata-se de uma mulher honesta e honrada. Situação diametralmente oposta em relação às coalizões que tocaram o “golpe brando”, formadas pelos grupos empresariais, políticos, midiáticos, judiciários e elitistas que, historicamente, sempre se locupletaram às custas do suor, da dor e do sacrifício dos pobres e dos trabalhadores brasileiros. Como revelara a Esquivel, “Dilma é uma mulher honesta, denunciada por corruptos”.

Conhecedor da história, do sofrimento e da exclusão social dos pobres, dos trabalhadores e das minorias nos países latino-americanos, o Papa não se omite em posicionar contrariamente ao “golpe brando” que, articulado através de conchavos de elites e em flagrante desrespeito ao voto popular, impõe no Brasil um governo neoliberal e elitista, comprometido com os interesses do capital e não das pessoas.

A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil e o momento atual

         Se por um lado o Papa Francisco tem deixado transparecer seu incômodo acerca do golpe brando em curso, o que acontece em relação a hierarquia católica brasileira?

Durante o ano passado e até o mês de abril deste ano, antes do início do processo de impedimento, a CNBB divulgou uma série de notas oficiais sobre o momento político nacional.

Em 8 de dezembro de 2015, um comunicado do episcopado brasileiro afirmava: “neste momento grave da vida do país, a CNBB levanta sua voz para colaborar, fazendo chegar aos responsáveis o grito de dor desta nação atribulada, a fim de cessarem as hostilidades e não se permitir qualquer risco de desrespeito à ordem constitucional. Nenhuma decisão seja tomada sob o impulso da paixão política ou ideológica. Os direitos democráticos e, sobretudo, a defesa do bem comum do povo brasileiro devem estar acima de interesses particulares de partidos ou de quaisquer outras corporações. É urgente resgatar a ética na política e a paz social, através do combate à corrupção, com rigor e imparcialidade, de acordo com os ditames da lei e as exigências da justiça”. (Grifos nossos).

 Outra nota, de 28 de outubro de 2015, conclamava: “somos todos convocados a assegurar a governabilidade que implica o funcionamento adequado dos três poderes, distintos, mas harmônicos; recuperar o crescimento sustentável; diminuir as desigualdades; exigir profundas transformações na saúde e na educação; ampliar a infraestrutura, cuidar das populações mais vulneráveis, que são as primeiras a sofrer com os desmandos e intransigências dos que deveriam dar o exemplo. Cada protagonista terá que ceder em prol da construção do bem comum, sem o que nada se obterá.  É preciso garantir o aprofundamento das conquistas sociais com vistas à construção de uma sociedade justa e igualitária. Cabe à sociedade civil exigir que os governantes do executivo, legislativo e judiciário recusem terminantemente mecanismos políticos que, disfarçados de solução, aprofundam a exclusão social e alimentam a violência, entre os quais o estado penal seletivo, as tentativas de redução da maioridade penal, a flexibilização ou revogação do Estatuto do Desarmamento e a transferência da demarcação de terras indígenas para o Congresso Nacional.” (Grifos nossos).

Em 10 de março deste ano, novamente uma nota oficial da entidade pontuava: “importante se faz reafirmar que qualquer solução que atenda à lógica do mercado e aos interesses partidários antes que às necessidades do povo, especialmente dos mais pobres, nega a ética e se desvia do caminho da justiça”. (Grifos nossos).

A última das notas sobre o momento político, datada de 13 de abril, durante a realização da 54ª Assembleia Geral da entidade, afirmava: “a forma como se realizam as campanhas eleitorais favorece um fisiologismo que contribui fortemente para crises como a que o país está enfrentando neste momento. Uma das manifestações mais evidentes da crise atual é o processo de impeachment da Presidente da República.Conferência Nacional dos Bispos do Brasil acompanha atentamente esse processo e espera o correto procedimento das instâncias competentes, respeitado o ordenamento jurídico do Estado democrático de direito. A crise atual evidencia a necessidade de uma autêntica e profunda reforma política, que assegure efetiva participação popular, favoreça a autonomia dos Poderes da República, restaure a credibilidade das instituições, assegure a governabilidade e garanta os direitos sociais.” (Grifos nossos).

Porém, sabe-se que durante essa assembleia geral, ocorrida entre os dias 6 e 15 de abril, em Aparecida (SP), houve uma intensa discussão entre o bispado acerca das interpretações da crise política brasileira e o processo de impeachment. Visões e discursos diametralmente opostos fizeram do encontro, segundo fontes extraoficiais, um dos momentos mais tensos da hierarquia católica nas últimas décadas. Impactados com a tensão e receosos de uma quebra da colegialidade (um arranjo político que mantém, formalmente, a unidade do episcopado nacional), parece que a CNBB optou por um silêncio sepulcral desde então.

Não obstante, cabe uma primeira indagação: tendo em vista os posicionamentos da CNBB, expressos nas notas acima mencionadas, e frente às várias ações e medidas anunciadas pelo governo interino, que implicarão em cortes nos programas sociais (atingindo frontalmente os mais pobres), precarização do emprego e da previdência (atingindo os trabalhadores, aposentados, beneficiários do Benefício de Prestação Continuada e pensionistas), restrição de direitos, criminalização de grupos e movimentos sociais, haveria uma palavra do episcopado brasileiro em relação às medidas anunciadas pelo governo interino?

A ação política da Igreja católica, a ampliação das bancadas evangélicas e o recrudescimento dos discursos religiosos moralistas e fundamentalistas

É fato que a Igreja católica tem perdido prestígio político nos últimos tempos, apesar de se manter como instituição com grande credibilidade, conforme atestam pesquisas sobre confiança nas instituições. Por outro lado, fala-se muito da atuação conservadora e fundamentalista da bancada evangélica nos governos e parlamentos. Mas, a bem da verdade, o tradicionalismo moral que tem marcado a atuação da Frente Parlamentar Evangélica, por exemplo, só avança, em boa medida, graças ao apoio daqueles parlamentares que se autodeclaram católicos.

Segundo pesquisa feita pelo Portal G1, no início dessa legislatura, o catolicismo era a religião predominante entre os 513 deputados federais. De 421 deputados que responderam ao questionário proposto numa enquete pelo Portal, 300 (ou seja, 71,2%) se declararam católicos. Outros 68 (16%) afirmaram ser evangélicos, oito (1,9%) disseram ser adeptos do espiritismo e apenas um deputado (0,23%) afirmou ser judeu. Outra pesquisa, do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (DIAP), apontou que a bancada evangélica tem 75 deputados federais e três senadores. Portanto, cerca de 15% dos deputados são da bancada evangélica. Significa que os outros 85% não são evangélicos. (Leia mais sobre esse tema, aqui).

De acordo com Magali Cunha, docente da Universidade Metodista de São Paulo - que estuda e pesquisa a bancada evangélica -, o movimento de protagonismo dessa bancada em direção ao conservadorismo é um capítulo recente da história do parlamento brasileiro: “é o forte tradicionalismo moral que tem marcado a atuação da Frente Parlamentar Evangélica, que trouxe para si o mandato da defesa da família e da moral cristã contra a plataforma dos movimentos feministas e de homossexuais e dos grupos de Direitos Humanos, valendo-se de alianças até mesmo com parlamentares católicos, diálogo historicamente impensável no campo eclesiástico”.

Em relação à ação da Igreja católica na política institucional, atualmente os clérigos são proibidos de exercerem mandatos políticos. Se o fizerem, devem pedir temporariamente licença do exercício da ordem sacerdotal.  A Igreja católica estimula os chamados “leigos” a exercerem os cargos públicos nos governos, parlamentos e partidos políticos. Porém, tal estímulo não implica numa ação efetiva com vistas a incidir na escolha, acompanhamento e avaliação daqueles “fiéis” que são eleitos e assumem cargos e funções públicas.

Na “vida como ela é”, como dizia Nelson Rodrigues, sabe-se que apesar de oficialmente a Igreja católica não apoiar partidos nem candidatos, os arranjos informais, principalmente em períodos eleitorais, são comuns na relação entre clérigos e candidatos de variados partidos. Os apoios de parte substantiva do clero ocorrem de diversas formas e estratégias, desnecessárias de serem descritas aqui.

Note-se, também, que o discurso de isenção política da hierarquia católica acaba por favorecer, em grande medida, uma postura descomprometida com aqueles políticos e partidos que, tradicionalmente, são beneficiados por uma legislação político-eleitoral altamente favorável à eleição e manutenção em cargos públicos dos caciques partidários e das elites político-econômicas não comprometidas com transformações sociais. Acontece, que o seguimento de Jesus Cristo, para ser genuíno e autêntico, exige participação ativa no trabalho de transformação da sociedade, conforme podemos observar na Doutrina Social da Igreja.

Para complicar ainda mais, os pouquíssimos candidatos eleitos que provêm dos setores populares e de movimentos sociais e eclesiais comprometidos com os mais pobres e excluídos acabam abandonados pela instituição, sob o argumento segundo o qual a Igreja não se envolve com a política partidária. O resultado dessa estratégia é perceptível: uma miríade de políticos eleitos, autodenominados católicos, cujas práticas nos governos e nos parlamentos são uma lástima e não representam, nem de longe, os ideais cristãos de justiça, solidariedade, igualdade, fraternidade, dentre outros.

O fato objetivo é que muitos governantes e parlamentares são eleitos com votos arregimentados em espaços eclesiais católicos. Nos governos e nos parlamentos significativa parte desses católicos tem se aliado às bancadas evangélicas, com interesses pouco confessáveis.

Diferentemente das Igrejas pentecostais e neopentecostais que assumiram uma postura francamente agressiva em relação à ocupação do poder, seja no executivo ou no parlamento, elegendo representantes, salvo exceções, com visões de mundo e sociedade conversadoras, machistas, moralistas e eivadas de preconceitos, a Igreja católica insiste na tese que não se mistura com política partidária.

Paradoxalmente, a os dirigentes católicos afirmam que a política é a arte do exercício do bem comum, mas, na prática, passam uma mensagem dúbia, que pode levar muitos fiéis a interpretarem a política como “coisa suja”.

Portanto, aqui, cabe uma segunda pergunta, tendo em vista os argumentos acima: será que a igreja católica não se envolve, mesmo, com a política institucional? Porque, e importante lembrar que o envolvimento político se dá pela ação ou omissão; pelo posicionamento ou não posicionamento, etc. Ou seja, ninguém, nem pessoa nem instituição, é neutro.


Por fim, tendo em vista as preocupações do Papa Francisco com a situação política brasileira; o fato de o governo interino ter anunciado uma série de medidas a penalizarem os pobres, trabalhadores, minorias e, finalmente, a postura liberal conservadora daqueles que se autodenominam católicos no Congresso, uma última pergunta: qual seria a mensagem da Igreja à sociedade brasileira neste momento após o início do processo de impeachment da presidenta Dilma Rousseff?