sábado, 24 de setembro de 2016

O golpe das corporações


Infelizmente, parte da inteligência colonizada brasileira não é capaz de perceber que as teorias que têm como fulcro a democracia procedimental não dão conta de explicar certos fenômenos. Por isso, vemos, extasiados, expoentes das ciências sociais afirmarem que não houve golpe “porque as instituições estão funcionando”. Que beleza!

Como já tratamos em outros posts, a extensa coalizão política do golpe é liderada pelos caciques do PMDB e do PSDB. Não sei se nessa ordem. Aliás, na mídia, em 23/09, vimos a seguinte manchete: “PSDB é mais fiel ao governo Temer que PMDB”. Por enquanto, o desmonte das políticas públicas e sociais agrada os neoliberais tucanos, ávidos pelo poder em 2018. Vamos ver até quando esses (ajuntamentos de) interesseiros comerão na mesma panela.

Temos também o núcleo empresarial, encabeçado pela turma do pato amarelo e seus conglomerados associados.

Porém, há outros grupos que têm interesse num estado voltado à manutenção de privilégios de classe e de corporações: amplos segmentos policiais e do campo jurídico. Se voltarmos no tempo, encontraremos esses mesmos segmentos presentes nos bastidores dos golpes da proclamação da república e da ditadura civil-militar.

Já tratamos também desse núcleo da coalizão. Mas, é preciso que analisemos, mesmo que sucintamente, uma complexa engenharia política que engendra enredos jurídicos e institucionais, com o objetivo de reposicionar, contra a democracia, certas corporações estratégicas ao estado de direito.

Denominemos de campo jurídico-institucional. Os líderes desse núcleo (que também pode ser categorizado como uma coalizão - antidemocrática, antinacional e antipopular), são Rodrigo Janot (e segmentos do Ministério Público Federal), delegados da Polícia Federal (com o apoio de milhares de policiais militares e civis país afora), Sérgio Moro (e outros parceiros do Tribunal Regional Federal 4, além dos convictos procuradores ligados à 13ª Vara Federal de Curitiba) e o ministro Gilmar Mendes (o PSDB no Supremo).

Esse grupo é alavancado, apoiado e protegido seletivamente pela mídia: umbilicalmente comprometida com o capital especulativo e rentista e com os segmentos historicamente mais atrasados da nossa sociedade.

A mídia é um outro núcleo da ampla coalizão golpista. O jornalismo, transformado em tribunal inquisitorial (porque condena antes da pronúncia da justiça, ao arrepio da Constituição), produz manchetes bombásticas sobre o que é seletiva e propositadamente escolhido pelo núcleo jurídico. 

Quando, eventualmente, ficam evidentes as denúncias messiânicas, como a performance de Dallagnol, por exemplo, a mídia trata da questão como um mero erro “técnico”.

Para incriminar a esquerda e os movimentos sociais, manchetes bombásticas. Afinal, as eleições serão daqui a alguns dias. Para inocentar a direita, meros erros jurídicos.

Ademais, a grande imprensa esconde propositadamente a justiça de exceção: por exemplo, o TRF4 decidiu, nesta quinta-feira (22/9) que a operação "lava jato" não precisa seguir as regras dos processos comuns. Em outras palavras, às favas o estado de direito: a República de Curitiba está acima da lei.


Não esqueçamos: a lava-jato é uma operação judicial-policial cuja estrela-guia foi treinada nos Estados Unidos e cujo objetivo único, nos últimos tempos, é destruir um símbolo popular e, com isso, pretende-se, acabar de vez com os sonhos “de uma gente que ri, quando deve chorar e não vive, apenas aguenta”.

Essa operação, disfarçada de combate à corrupção, propiciou a assunção de um governo contra o povo: em consórcio com a mídia, a lava-jato pautou, nos últimos meses, a política institucional, principalmente no Congresso, através das manchetes seletivas produzidas todos os finais de semana (pelo núcleo jurídico). Objetivo: desestabilizar o governo que já enfrentava dura crise econômica e apear Dilma do poder a qualquer custo.

Mesmo que os analistas políticos tradicionais não queiram perceber, é evidente que os interesses (ideias/crenças) desses atores políticos articulados numa ampla coalizão de direita perverteram as regras procedimentais da democracia formal e manipularam as instituições republicanas para armar esse golpe, travestido de impeachment.

Enquanto um segmento da justiça parece tão proativo a ponto de suplantar a própria legalidade, observamos o sistema de justiça mais amplo leniente, omisso e cheio de vícios quando se trata de crimes praticados pelas elites tradicionais.

É que, no fundo, a justiça opera, também, para que os seus interesses corporativos prevaleçam sobre os interesses públicos e populares. As negociações para o aumento do Judiciário nos momentos mais nevrálgicos da crise política explicitaram essa faceta do golpe.

Já o núcleo policial, aqui inclusas as forças armadas, atua nos bastidores. Nas propostas de reformas (regressivas e inconstitucionais ) do governo de plantão, nem uma linha acerca de privilégios (trabalhistas, funcionais e previdenciários) desse segmento.

Enquanto isso, as ninfas do Supremo continuam a assistir tudo em berço esplêndido. Um estagiário de direito me perguntou: para que um tribunal constitucional numa terra sem lei? Alguém se habilita a responder?

Enquanto os torquemadas acima-da-lei perseguem uns, inclusive em hospitais (contingência que era respeitada até pela ditadura), nada (nem na mídia, nem nos tribunais, nem nas operações policiais) acerca das delações contra políticos do PSDB; não se sabe o endereço do banido da Câmara e sua esposa; não se fala mais de Daniel Dantas, do Banestado, dos sonegadores do CARF, dos titulares das contas secretas do HSBC na Suíça, da lista de Furnas, etc., etc., etc. E todos dormem na mais tranquila paz. Uma paz dos cemitérios.

Na sociedade civil, parte da classe média tradicional, outro núcleo do golpe, (entre os quais, os batedores de panelas), vomita ódio nas redes sociais e caminha em uníssono com seus negócios cujo único objetivo é eliminar os interesses dos pobres e dos segmentos socialmente vulneráveis. E há quem defenda, inclusive, eliminar os pobres.

E assim, os dias vão se passando em Pindorama: jogo jogado no congresso, na mídia e nos tribunais.


E viva o combate à corrupção! Sem panelas.

quarta-feira, 21 de setembro de 2016

Cidadania nas ruas e nas redes: criminalização da política X eleições 2016


2016

O professor Robson Sávio faz um alerta sobre os riscos do discurso da criminalização da política, pois ele pode gerar um afastamento do eleitor, trazendo prejuízos para cada um de nós. 

Ele destaca que cada eleitor precisa estar atento às trajetórias e propostas dos candidatos aos cargos públicos em 2016, observando, acima de tudo, os tipos de  financiamentos feitos nestas campanhas. "Cidadania não é fácil, demanda compromisso diário. Não só nas escolhas  de bons  candidatos, mas no acompanhamento dos eleitos", afirma. 

Robson Sávio  ressalta que não podemos cair na mentira de que 50% de votos nulos e brancos anularão as eleições. Se um único eleitor votar,  ele decidirá  quem serão os representantes, pois o que conta são os votos válidos, independente do número de votos. 

O professor destaca que ideias erradas assim fazem parte da manobra  para afastar as pessoas das decisões políticas e favorecer que as elites dominantes continuem determinando os rumos da política nacional.

Ouça o áudio, AQUI.

(Fonte: Rádio Sinpro Minas)

domingo, 18 de setembro de 2016

Somos do bem: podemos tudo!

Fonte: Internet

Não há nada mais perverso, doentio e perigoso que a mistura entre radicalismo político e radicalismo religioso. O fanático político-religioso não tem limites; não tem ética; não age com a razão. Age por convicção, ou seja, pela crença pervertida que é um porta-voz do bem ou um discípulo de uma causa transcendental. É convicto que tem uma missão a ser cumprida e sendo superior, porque é um enviado de Deus para extirpar o mal da terra, deve salvar o mundo daqueles "eleitos" como sendo os ímpios.

Os fanáticos político-religiosos se congregam em castas herméticas cujo objetivo é criar mecanismos de autoproteção. Só assim, sentem-se seguros e empoderados para cumprir sua missão redentora. Estão convictos: somos do bem; podemos tudo!

É por isso que o fanático político-religioso tem na pregação e na oratória suas principais armas para arrebanhar adeptos. Utiliza-se da propagação do medo para justificar a consolidação de uma seita baseada em discursos de ódio e de vingança. Lembremos da advogada Janaína e seus espetáculos em nome de um deus que “vai nos salvar": “Se tem alguém fazendo algum tipo de composição nesse processo, é deus", disse ela na defesa do impeachment.

O filósofo e cientista político esloveno Slavoj Žižek nos ajuda a entender esse fenômeno: a unificação de todos os medos (e/ou discursos do medo) numa (falsa) verdade é o grande objetivo que move os ideais dos grupos e líderes fanáticos. Essa estratégia justificou, por exemplo, o nazismo (os nazistas tinham horror dos judeus, dos homossexuais...); e o golpe civil-militar de 1964 (o medo do comunismo). 

 A soma dos muitos medos (os verdadeiros ou aqueles construídos no imaginário social) produz um ambiente propício para se criar um clima de pânico; instalar a desconfiança generalizada; propagandear uma insatisfação irracional, mesmo num espaço institucionalmente normal. A partir daí, podem-se construir as saídas autoritárias e os golpes, através de pseudo-heróis "salvadores da Pátria"; justifica-se o injustificável com argumentos falaciosos, mas aparentemente palatáveis e aceitos pela cultura vingativa que, em alguma medida, nos congrega enquanto herdeiros da tradição cristã ocidental que se contenta, muitas vezes, com a eleição de bodes expiatórios para a superação das nossas mazelas.

A partir da unificação dos medos é fácil propagar o discurso do ódio, da violência e da eliminação a qualquer custo daqueles que encarnam os “males” que devem ser combatidos e extirpados pelos “bons”.

O espetáculo midiático promovido pelo promotor Dallagnol – um fervoroso fiel religioso que prega o combate à (um determinado tipo de) corrupção em templos pelo país afora – mostra que o fanatismo de base política e religiosa contaminou parte dos membros das instituições do sistema de justiça brasileiro. Talvez, por isso, há tantos “homens e mulheres da lei” (advogados, policiais, promotores, juízes) ligados umbilicalmente a certas igrejas e sociedades secretas.

Vários grupos incrustados em segmentos da advocacia, dos ministérios públicos, das instituições policiais e da magistratura têm se comportado como “caçadores de corruptos”, cuja pregação e discursos de base religiosa significam uma ameaça efetiva ao estado democrático e de direito.

Pensam, tacanhamente, que o direito penal, seletivamente aplicado, resolve todos os problemas e mazelas sociais e políticos. Exercem seu ministério com base numa paranoia de acusação sem direito à defesa, facilitando a "perseguição" ou "delação" - ao gosto dos clientes, no caso, da mídia hegemônica, dos políticos tradicionais organicamente corruptos e de segmentos privilegiados da sociedade.

O reducionismo judicial, transformado em ativismo persecutório, tem produzido uma justiça ainda mais seletiva e corroborado um pensamento torto, simplista, odioso e infantil Brasil afora. Esse pensamento espraia-se nas redes sociais, contaminando-as de ódio e caça às bruxas. 

Até a morte de um ator global tem sido atribuída ao PT. São tantas as sandices, as expressões de irracionalidade e mesquinhez – inexplicáveis pela razão – que somente podem ser entendidas, de fato, por convicções de base religiosa. Obviamente, uma religião imatura, infantilizada, persecutória, vingativa.

É preciso lembrar: o Ministério Público, as instituições policiais, inclusive a Polícia Federal, e o Judiciário foram recepcionados pela Constituição Federal de 1988 sem nenhuma prestação de contas de suas ações e omissões durante a ditadura. E mais: esses órgãos foram fortalecidos a partir de 1988, sem nenhum mecanismo efetivo de controle. Milhares de juízes, promotores e policiais, por exemplo, têm vencimentos acima do teto constitucional e isso parece natural e legal. Atualmente, parte dos membros dessas estruturas, povoadas pelos filhos das elites - que buscaram nas carreiras jurídicas do Estado a fonte de privilégios e defesa de interesses de classe -, formam uma espécie de estado paralelo dentro do estado de direito: uma juristocracia.

 A aliança espúria e virulenta entre setores do Ministério Público, da Polícia Federal e do Judiciário com a imprensa, desde o chamado “Mensalão” e agora na “Operação Lava Jato” - tramando jogadas midiáticas com discursos messiânicos (verdadeiros tribunais inquisitoriais contemporâneos) -, constitui num perigo inominável não somente à ordem democrática, mas também para todos os cidadãos e as demais instituições sociais.

Quando a acusação em doses cavalares e à revelia do devido processo legal é transformada em evidências de culpa, convicção, chantagem e difusão do medo e do ódio, mesmo não havendo investigações suficientes, provas cabais e apresentação do contraditório; quando a justiça não age de forma isonômica; quando o objetivo é destruir carreiras e reputações e promover caça às bruxas flerta-se com um estado totalitário.

Como está cada vez mais evidente e já foi apontado por Jânio de Freitas noutra ocasião, “o que a Lava Jato investiga de fato, por meio de investigações secundárias, não é a corrupção na Petrobras; não é a ação corruptora de empreiteiras; não são casos de lavagem de dinheiro: são os governos do PT”. 

E, dado que a coalizão golpista apeou a presidenta Dilma do poder à força, resta agora, aos torquemadas sacrossantos, a perseguição inquisitorial a Lula (que como já escrevi noutro post, não é nenhum santo). E, na sequência, como sempre prega o impoluto Aécio Neves, a eliminação do PT. Aí, todos os males da face da terra serão expurgados e os homens e mulheres de bem reinarão para sempre. Amém! 

Fábio Konder Comparato escreveu célebre artigo sobre o caráter patrimonialista, elitista, hermético e autoritário do Judiciário brasileiro. Esse poder, desde os seus primórdios, se tornou o menos transparente da República, avesso a investigações de toda ordem, impedindo, desde sempre, que as inúmeras denúncias de corrupção e favorecimento de seus quadros e de elites políticas tradicionais fossem punidas nos limites da lei (veja aqui).

Que fique claro: apesar da podridão do sistema político, os excessos e arroubos autoritários cometidos pelas convicções de juízes, policiais e promotores na Lava Jato fazem com que o primeiro poder a ser questionado, nesse momento, seja justamente o Judiciário.

sexta-feira, 16 de setembro de 2016

Entrevista: 'Uma esperança para esperançar-se'

Devemos ir em busca da justiça e da igualdade, nos unindo para fazermos algo diferente.


Somente numa perspectiva inclusiva é possível projetarmos uma cidade melhor para se viver.
Somente numa perspectiva inclusiva é possível projetarmos uma cidade melhor para se viver.
Entrevistamos o Cientista Social e professor da PUC Minas, Robson Sávio Reis Souza, que é coordenador do Núcleo de Estudos Sociopolíticos da PUC Minas (Nesp) e conselheiro titular do Conselho Estadual de Direitos Humanos do Estado de Minas Gerais. Na entrevista, que o doutor em Ciências Sociais nos concedeu por escrito, ele aborda o contexto político no qual vivemos e o papel dos cristãos e cristãs nesse processo.
O país vive um contexto político muito conturbado, em que as instituições estão fragilizadas e a democracia golpeada. Qual o lugar da esperança, para aqueles que buscam mais justiça social e igualdade?
Há que se pensar em várias dimensões. Numa perspectiva individual, e não individualista, a questão é: o que cada um de nós pode fazer para mudar essa realidade? Se não é possível uma transformação estrutural, há sempre a possibilidade de transformar os espaços onde atuamos. Numa dimensão social e comunitária, como se articular a outros atores sociais que lutam pela justiça e pela igualdade? No plano religioso, é preciso superar o discurso sacrificial, que nos coloca no lugar da vítima sempre incapaz de reagir; passiva e amedrontada à espera do algoz. Também no plano religioso, esse conformismo cínico com realidades tão perversas precisa ser superado: um país onde quase 60 mil pessoas são mortas por ano, em sua maioria jovens, negros e pobres; onde milhares de mulheres são estupradas, inclusive no recesso do lar; onde crianças são violentadas no seio das famílias e onde 1% dos ricos têm uma vida abundante às custas de milhões de brasileiros denuncia a baixa incidência do verdadeiro espírito do cristianismo na nossa cultura. A busca pela justiça e pela igualdade não pode ser de uma esperança para esperar. Há que ser de uma esperança para esperançar-se, ou seja, juntar-se com os outros para fazer algo diferente. 
A participação dos cristãos e cristãs em todas as esferas da Política é muito importante, pois nasce de um compromisso evangélico de exercício da cidadania e aponta para a justiça do Reino. Temos acompanhado, no entanto, que a participação de religiosos na política tem se desviado do compromisso genuinamente cristão. Como entender esse processo e quais riscos ele apresenta?
É preciso dizer com franqueza, e com tristeza, que há um certo desprezo do cristianismo e do catolicismo em relação à política como uma das formas mais perfeitas do exercício da caridade, porque busca o bem comum, como disse o Papa Francisco. Ainda temos uma cultura religiosa avessa às práticas voltadas para a construção de uma cidadania efetiva, ou seja, de uma sociedade inclusiva de e para todos e todas. Muitas práticas religiosas favorecem a dissociação entre fé e vida. Por isso, muito devocionismo e pouca preocupação com justiça social. Justiça aparece, na maioria das vezes, como um belo discurso com pouca efetividade. Fala-se muito em “justiça do Reino”, mas do reino futuro. Enquanto isso, a vida em abundância para todos, desejada por Cristo, se transforma numa vida em abundância para alguns. E isso é naturalizado. São minoritários os grupos de cristãos que têm percepção acerca da incidência do Evangelho enquanto imperativo ético à construção da justiça, da igualdade, da fraternidade.  Por outro lado, observamos um péssimo testemunho de muitas lideranças religiosas que vivem na opulência e na ostentação. E, sob o ponto de vista institucional, muitas vezes há um silêncio obsequioso frente a tanta injustiça e opressão.
Estamos em meio a uma campanha política, que culminará na eleição dos prefeitos e vereadores para os municípios. Quais critérios de discernimento os cristãos e cristãs devem assumir nesse momento, inclusive em que muitos candidatos ligados às instituições religiosas estão concorrendo?
As eleições são uma pequena parte de um processo mais amplo que demanda participação constante e qualificada dos cidadãos que desejam a melhoria da política e dos representantes eleitos. Conhecer bem os candidatos e acompanhar os eleitos são passos importantes. Porém, não são suficientes. Num contexto político no qual os princípios básicos da democracia, como o respeito ao resultado das eleições legítimas não é garantido, um grande ceticismo e desdém do eleitorado, nessas eleições, poderão redundar num afastamento da população do debate dos problemas e das soluções para a construção de cidades mais justas, inclusivas, igualitárias, diversas e plurais. Por isso, para além de se envolver no processo eleitoral em curso, é preciso que voltemos toda a nossa atenção para o tema da reforma do sistema político. O sistema político atual é perverso. Privilegia quem tem dinheiro e os caciques partidários, ou seja, o velho coronelismo com novas roupagens que ainda impera no nosso sistema eleitoral. Se não avançarmos numa reforma profunda de todo o sistema político, não há salvação para a nossa democracia. E as eleições vão se transformando, gradativamente, num conto da carochinha. Acreditamos que escolhemos os nossos representantes, pelo simples fato de votarmos, mas, como esse sistema, os escolhidos são aqueles que têm dinheiro ou que dominam as cúpulas partidárias. Não representam de fato o eleitor.
A Arquidiocese de Belo Horizonte, por meio do Vicariato Episcopal para a Ação Pastoral e do Núcleo de Estudos Sociopolíticos (Nesp), promoveu o primeiro debate entre os candidatos à Prefeitura de Belo Horizonte, no mês de agosto. Qual balanço você faz desse primeiro debate entre os candidatos?
Em análise sobre a conjuntura eleitoral de Belo Horizonte, produzida pelo Núcleo de Estudos Sociopolíticos da PUC Minas e da Arquidiocese (Nesp) constatou-se que o processo político e eleitoral que definiu as candidaturas majoritárias na Capital foi caracterizado pelo personalismo e caciquismo em praticamente todos os partidos; a inexistência generalizada de projetos políticos para a cidade e a região metropolitana; o afastamento da sociedade das discussões partidárias acerca dos problemas da cidade e a incapacidade das lideranças partidárias compreenderem os clamores populares por mudanças na política institucional. Portanto, o processo político, até o momento, repetiu as velhas e caducas formas da política tradicional, demonstrando a pouca porosidade dos partidos e seus líderes no diálogo com a população. Neste contexto, grupos e coletivos de fé e política e movimentos sociais foram convidados pelo Vicariato da Ação Social e Política da Arquidiocese e pelo Nesp a organizarem um encontro, no qual ouvimos e também falamos aos onze candidatos a prefeito da cidade. A principal discussão com os candidatos foi a respeito do tema “direito à cidade”. A cidade é um espaço de e para todos e todas. E o poder público é o grande responsável por fazer dos espaços urbanos locais de encontro, e não locais de exclusão, ratificação de preconceitos ou alienação socioespacial. Há problemas crônicos em Belo Horizonte que afetam desproporcionalmente seus moradores. Às vezes, planeja-se uma cidade a partir da lógica do mercado imobiliário, dos especuladores ou dos interesses dos incluídos. Por isso, no encontro com os candidatos e candidatas pudemos deixar claro que somente numa perspectiva inclusiva é possível projetarmos uma cidade melhor para se viver.

(Fonte: portal Dom Total) 

sábado, 3 de setembro de 2016

Fatiar o impeachment: o velho pacto das elites


Charge: Neltair Rebés Abreu, o 'Santiago' 
Realmente, o sistema político está apodrecido. E os líderes políticos também.

O processo de impeachment contra a presidenta Dilma Rousseff foi violentíssimo. Um bando, em sua maioria de corruptos e poderosos, tomou de assalto o poder, pisoteando a Constituição e os princípios mais elementares do jogo democrático: respeito às regras e às deliberações populares.

A coalização golpista, um ajuntamento de interesseiros – que doravante se agafanharão para conseguir seus pleitos no presente e no futuro -, como ocorreu em vários momentos da história nacional (1954 e 1064 estão logo ali), não mediu esforços para alcançar seus objetivos: tirar a fórceps a presidenta, interromper um governo de viés mais popular e tentar, com o golpe e numa só tacada, extirpar o PT. Com a empreitada, objetivou-se também sinalizar à sociedade que os velhos-novos coronéis estão de volta, em nome da “lei e da ordem” (deles).

Mais uma vez o processo político foi determinado pelas nossas elites conservadoras, com forte indistinção entre público e o privado e seu desdém às leis, normas e valores republicanos. Elites que insistem em sustentar um caduco sistema político afastado do povo; uma democracia sem demos.

O modus operandi dessas elites é simples e simplório: como não respeitam as normas, consideram o direito apenas na sua formalidade e não operam para o funcionamento das instituições nos moldes republicanos, sempre lhes cabe determinar os rumos da história. Aos cidadãos restam a dependência aos favores pessoais e às clivagens de classe para o acesso aos bens públicos e aos direitos de cidadania. E ponto.

Porém, é imperioso dizer, esse pensamento não é somente das elites da direita tradicional. Grupos de elite da esquerda agem da mesma forma quando no poder. Pensam que a transformação só se opera pelo pacto entre as elites e conspiram quando há iminência de renovação de baixo para cima; apesar do discurso.

Os protestos de 2013 sinalizaram o movimento de insatisfação geral dos brasileiros em relação a um estado que não opera para realização da cidadania de e para todos e todas. Passado aquele momento, todos os políticos tradicionais, de direita e de esquerda, voltaram para os seus gabinetes. E esqueceram que há uma insatisfação latente da sociedade, não somente no Brasil, com esse modelo que “não nos representa”.

Neste sentido, Dilma deve um mea culpa à sociedade. No segundo governo, talvez meio abandonada pelos comensais do poder, ao invés de uma guinada para aumentar sua base popular, a presidenta foi logo tentar as conciliações por cima, inclusive indicando para ministro da Fazenda um preposto de seus algozes.

Pois bem. Incapazes de absorver essa nova gramática social – um clamor por uma nova política lastreada nas demandas populares -, as esquerdas patinaram desde 2013. E, como na política não há espaço para vácuos, os segmentos de direita que se empoderaram na ocasião, capturando uma parte dos “revoltados” on e off line, articularam a mais ampla coalização da história deste país. E todos vimos o resultado nesse processo fajuto de impeachment, um verdadeiro estupro à democracia.

A população, em 2013, pedia mais estado (mais e melhores políticas públicas) e, paradoxalmente, menos de três anos depois tomou de assalto o poder um grupo que fará o oposto: mais e muito mais para o deus-mercado.

Como a história é movimento e disputa contínuos, o processo de impeachment começou a rearticular amplos e diversificados segmentos sociais e as esquerdas no Brasil. Uma nova potência está em construção. A violência do processo conduzido pelas velhacas elites políticas; suas características machistas, misóginas, elitistas, autoritárias; seus principais atores atolados na corrupção e no discurso vazio do moralismo; a participação escancarada da mídia oligopolizada; o dinheiro sujo das empresas sonegadoras; a ação seletiva de juízes, promotores e policiais agindo num estado paralelo dentro do estado democrático... Tudo isso começou a despertar em setores sociais dos mais distintos uma imensa indignação e repulsa. As ruas voltaram a falar.

A violência da destituição da presidenta e a não menos violenta leniência em relação a políticos como Eduardo Cunha escancararam, interna e externamente, o golpe. Criaram-se condições para que a insatisfação latente da população em relação ao carcomido sistema político voltasse a ocupar o centro do debate.

De repente, nos bastidores, mais uma vez, o pacto entre elites operava silencioso. Setores do PT e aliados, coronéis do velho PMDB e membros do judiciário costuraram um acordo de cavalheiros para minimizar a violência do golpe e aplacar a ira dos cidadãos: a cassação do mandato com a preservação dos direitos políticos da presidenta. O tradicional esquema do bate-e-assopra para manter tudo como sempre esteve.

Esse tipo de acordo enfraquece e impede a transição do Brasil para o moderno. Nossos avanços parecem estar sempre fadados a serem graduais, não violentos, conchavados. É sempre uma modernização conservadora, pactuada nos bastidores; conciliadora. Uma revolução passiva. Um jogo político sempre controlado.

Porém, estou convencido que o momento histórico poderá criar condições para superar essa velha marca do processo de transformação social brasileiro.

A pluralidade e a diversidade que emergiram da sociedade nos últimos anos; o gradual protagonismo dos jovens e das mulheres; os novos atores sociais, com suas clivagens identitárias, étnicas e sexuais - que não aceitam a condição de expectadores dos jogos políticos tradicionais - poderão imprimir uma nova gramática à nossa Nação.

Esses grupos, historicamente invisibilizados e excluídos do processo político, conheceram outro mundo; uma outra forma de se produzir e se reconhecer o mundo.  

Espero que esses grupos estejam dispostos a fazer história. E não aceitar, mais uma vez, que o conchavo das elites impeça os avanços substantivos da nossa sociedade.

sexta-feira, 2 de setembro de 2016

CONJUNTURA DE RISCOS PARA DIREITOS SOCIAIS NO BRASIL APÓS O IMPEACHMENT


Programa: Mundo Político - TV Assembleia de Minas Gerais
Descrição: O professor Robson Sávio Reis Souza faz uma avaliação do cenário político atual, considerando o impeachment e a posse efetiva de Michel Temer. Ele comenta os riscos de perda dos direitos sociais a partir da posse de Michel Temer. Robson contesta a existência de um plano político por parte do grupo político ligado ao presidente interino e vê riscos de embate entre o PMDB, o PSDB, a mídia e os empresários ligados à Fiesp. O professor também comenta a atuação do judiciário e avalia os erros da presidente afastada Dilma Rousseff.

Entrevistado: Robson Sávio Reis Souza, professor e coordenador do Núcleo de Estudos Sociopolíticos da PUC Minas
Entrevistadora: Vivian Menezes
Produção: Marco Soalheiro
FONTE: TV ALMG