quinta-feira, 27 de agosto de 2015

As diferentes cidades dentro de uma cidade: segregação socioespacial, políticas públicas e melhoria das condições de vida dos pobres



Segregação socioespacial é um conceito que investiga a relação entre as posições que os agrupamentos humanos ocupam no espaço social e sua localização no espaço físico das cidades. O conceito articula os estudos sobre desigualdades socioeconômicas e sua relação com a distribuição das pessoas no espaço urbano.
Há que se considerar que os agentes sociais, nos dizeres de Bourdieu (1999), se constituem como tais em relação e pela relação com o espaço social, mas também com as coisas que são apropriadas por esses agentes (propriedades) e estão situadas num determinado lugar no espaço social (posição relativa abaixo, acima, entre) e pela distância entre eles.

Como o espaço físico é definido pela exterioridade mútua das partes, o espaço social é definido pela exclusão mútua (ou distinção) das posições que o constituem, isto é, como estrutura de justaposição de posições sociais (Bourdieu, 1999, p. 160).

           Para Sorokin (1980) é possível que um homem, no universo, apesar de estar perto do outro não tenha nenhuma relação com ele, pois a proximidade pode se dar somente no espaço geométrico, mas não no social. Ou seja, as pessoas podem se movimentar no espaço físico sem alterar sua posição no espaço social e, da mesma forma, podem ter sua posição social alterada permanecendo num mesmo espaço físico. Em outras palavras, pessoas próximas no espaço físico podem estar socialmente distantes, assim como pessoas distantes espacialmente podem compartilhar de um mesmo espaço social.

Assim, descobrir a posição de um homem ou de um fenômeno social no espaço social significa definir suas relações com um outro homem ou outro fenômeno social escolhido como “ponto de referência” (Sorokin, 1980, p. 225).

            Ainda discutindo o conceito de segregação, é possível identificar dimensões que caracterizem esse fenômeno. Sabatini e Sierralta (s/d) citando os estudos de Massey e Denton (1988) tratam de cinco dimensões que classificam os diferentes índices existentes de segregação quanto a uniformidade, exposição, concentração, centralização  e agrupamento.

Assim, um grupo social segregado seria aquele que não está uniformemente distribuído no espaço urbano; está minimamente exposto ao contato físico com membros de outros grupos; está espacialmente concentrado (em termos de uma alta densidade demográfica); é fortemente centralizado (no sentido de viver próximo à área central da cidade); e apresenta um marcado agrupamento territorial (Sabatini e Sierralta, s/d, p. 173).

            Martins (s/d, p. 04) respondendo a pergunta “se o conceito de segregação é pertinente para entender a realidade metropolitana” (brasileira) apresenta uma série de barreiras que segregam as pessoas: religiosas, de língua, culturais de diversos tipos, simbólicas e físicas. Segundo este autor, as cidades brasileiras pluriculturais (referia-se notadamente a São Paulo) nunca desenvolveram uma “cultura e mentalidade propriamente urbanas, referidas a um pluralismo democrático na concepção e no uso da cidade, em particular de seus espaços públicos e de seus novos espaços, suas áreas de expansão” (p. 01). Por isso, haveria diferentes modalidades de segregação,

Eu as veria [essas diferentes modalidades de segregação] como diferentes modalidades de construção de identidades coletivas parciais de base territorial e vicinal, formas positivas de elaboração de um modo de vida urbano num cenário de grandes adversidades: falta de equipamentos urbanos apropriados ao encontro social e à construção de identidades libertas de constrangimentos e agressões físicas e mesmo simbólicas; e renda territorial urbana muito alta, que nos últimos tempos tem estimulado a partilha condominial do preço da terra, justamente em condomínios e vilas fechadas (Martins, s/d, p. 04).

            Pode-se notar que nem toda separação no espaço caracteriza situações de segregação. Os autores fazem distinções entre a “diferenciação” que se relaciona à crescente especialização das tarefas, gerada pela divisão do trabalho (diferenciação dos grupos sociais) e “segmentação”, que ocorre quando há barreiras que impedem a mobilidade das pessoas entre categorias, o que implica na redução de oportunidades e das interações entre grupos sociais. Torres e outros (2003, p. 23) chamam a atenção para o fato de que “as consequências da segregação não são necessariamente consideradas negativas na literatura da área, mesmo no que diz respeito à segregação étnica. [...] O isolamento pode forjar a cooperação, mas também pode gerar corrupção política, crime e violência”.


            Fica evidente que a segregação socioespacial tem múltiplas causas: diferença de renda (entre grupos sociais e pessoas); é resultado de fatores econômicos, sociais e culturais; sinaliza a busca de status de determinados grupos; tem a ver, principalmente nas grandes cidades, com a influência e certas determinações do mercado imobiliário; com a distribuição de equipamentos de bem-estar coletivos; com diferenças de renda; com as intervenções e os investimentos públicos e as políticas urbanas.
            Sendo assim, cabe discutir qual o papel do Estado e, portanto, das políticas públicas no sentido de melhorar as condições de vida de grupos segregados (aqui referimo-nos aos pobres), dado que o ideal de igualdade das democracias supõe uma concepção de cidade como o lugar das interações entre os diferentes.

[...] o aumento da segregação residencial é contraditório com o ideário igualitário e democrático presente na ideologia republicana que fundamenta a dinâmica política dessas sociedades desde a segunda guerra mundial. Por outro lado, o tema da segregação residencial assume importância também em razão de outros estudos sobre a pobreza urbana destacarem os seus mecanismos de reprodução no contexto urbano. Tais estudos têm indicado a crescente correlação entre os fenômenos da destituição social e a concentração dos grupos em situação de vulnerabilidade em territórios crescentemente homogêneos, na medida em que neles cria-se uma dinâmica de causação circular da pobreza (Ribeiro, 2003, p. 157).

            Os estudos sobre segregação socioespacial têm apontado as desigualdades como fator que diminui as oportunidades de mobilidade social, acesso ao emprego, estreitamento dos horizontes de oportunidades para os pobres. Portanto, o estudo do tema é de grande utilidade para o planejamento e implementação de políticas públicas que atuariam na distribuição de renda, no provimento de moradias populares em diferentes áreas das cidades, com políticas focalizadas para os grupos mais vulneráveis que, por exemplo, legalizem os espaços urbanos das favelas com melhorias de infraestrutura e provimento de equipamentos públicos, entre outras ações.


            Cabe aqui, mesmo que sucintamente, introduzir o conceito de vulnerabilidade social que está associado às desvantagens sociais que são produtos e reflexos da pobreza. Essas desvantagens afetam negativamente as pessoas, grupos sociais, espaços urbanos, com efeitos perversos no exercício da cidadania desses grupos. Portanto, há uma relação entre segregação socioespacial, vulnerabilidade social e vulnerabilização da cidadania.

Esta vulnerabilidade se expressa, portanto, no cerceamento dos direitos, sejam eles econômicos, políticos e culturais. Aqui, conectam-se a discussão da pobreza e da exclusão: o cerceamento do direito de ter dignidade, de ter saúde, de ter habilitação digna, de ser respeitado, de ter participação política, de ser representado, de ser ouvido, de poder falar (Hogan e Marandola Jr, s/d, p. 29).


Segundo Torres e outros (2003, p. 21) “é muito importante entender que, se a segregação pode ser gerada por ações governamentais; também é verdade que o Estado tem condições de mitigar esse efeito, criando políticas públicas de integração social e espacial.” Estes autores apresentam dois grupos de ações governamentais que podem se constituir como estratégias de intervenção sobre o espaço urbano. São elas:
(a) políticas governamentais relativas ao espaço construído (regulação urbana, investimento em infraestrutura urbana nas partes da cidade habitadas pelos pobres). Essas políticas podem

incentivar processos de mobilidade espacial que operam na direção oposta dos padrões de segregação, misturando as pessoas; também podem dirigir as futuras ações governamentais para determinadas regiões da cidade que são consideradas prioridades sociais, melhorando as condições das periferias, favelas e cortiços e, assim, reduzindo a diferença entre os grupos sociais (Fernandes, 1998; apud Torres e outros, 2003, p. 21).

(b) políticas sociais “espacialmente organizadas”- incluem um conjunto de políticas públicas (educação, saúde, assistência social, esportes, cultura e lazer), “criando e transformando o espaço social, pois a localização de seus equipamentos (e suas diferentes características de inserções no espaço) definem as condições de acesso dos vários grupos sociais que habitam na cidade. (Torres e outros, 2003, p. 22).
Por fim, Kaztman (2001), num estudo sobre recentes transformações na estrutura social de países latinoamericanos, aponta para a questão do isolamento social dos pobres urbanos. Para este autor, o resultado dessas transformações

debilitam os vínculos dos pobres urbanos com o mercado de trabalho e se estreitam os âmbitos de sociabilidade informal com pessoas de outras classes sociais, o que conduziria a seu progressivo isolamento (Kaztman, 2001, p. 171, tradução nossa).

            Kaztman (2001) afirma neste estudo que “a pobreza urbana socialmente isolada se constitui no caso paradigmático da exclusão social”. Há um tripé que propicia o isolamento social dos pobres urbanos: segregação residencial, do trabalho e educacional. A exclusão dos pobres fica patente na segmentação do trabalho (precarização do emprego); segmentação educativa: “se os ricos vão aos colégios dos ricos, se a classe média vai aos colégios da classe média e os pobres aos colégios dos pobres, parece claro que o sistema educativo pouco pode fazer para promover a integração social e evitar a marginalidade, pese os seus esforços para melhorar as oportunidades educativas dos que têm menos recursos” (p. 177). Ademais, “crer unicamente que os méritos vão ajudar a mobilidade social é um ficção que só se cumpre em situações extraordinárias” (p. 177). Há, ainda, a segregação residencial “que se refere ao processo pelo qual a população das cidades vão se localizando em espaços de composição homogênea”, com verificável “concentração dos pobres em determinados bairros das cidades” (p. 178).


            Assim, o Estado tem o poder de intervir no espaço urbano com obras públicas, como investimentos na construção e melhoria das habitações populares o que poderia atuar fortemente sobre a formação de guetos urbanos (tanto os condomínios que segregam os ricos, quanto as favelas, que segregam e marginalizam os pobres).

O Estado também pode incentivar ou não incentivar a universalidade no uso de serviços básicos como o transporte, a segurança pública, a saúde e a educação, fazendo maiores ou menores esforços para manter sua qualidade e deixando mais ou menos liberado ao jogo da oferta e da demanda a possibilidade de adquirir esses serviços no mercado, opções que têm óbvias implicações sobre a probabilidade de deserção das classes médias e altas do âmbito público. (Kaztman, 2001, p. 183).
           
Este autor apresenta como conclusão de suas investigações um rol de experiências bem sucedidas que podem intervir na tendência segregacionista das grandes cidades. São iniciativas de integração social, desenhadas para este fim com elaboração de políticas publicas setoriais que

afetam as medidas do ordenamento urbano, a seleção de beneficiários de conjuntos habitacionais subsidiados, a defesa da qualidade dos serviços públicos e a promoção de espaços que estimulem os contatos informais entre as classes. Seu exame minucioso permitirá selecionar aquelas que melhor se ajustem aos recursos e as características singulares de cada sociedade. (Kaztman, 2001, p. 188).



Referências bibliográficas:
BOURDIEU, P. Efeitos de lugar. IN: BOURDIEU, P. (coord.) A miséria do mundo. Petrópolis, Vozes, 1999.
HOGAN, D. N e MARANDOLA JR, E.  Para uma conceituação interdisciplinar da vulnerabilidade. (S/D). Texto xerocado, distribuído pelos professores da disciplina, sem outras referências bibliográficas.
KAZTMAN, R. Seducidos y abandonados: el aislamento social de los pobres urbanos. Revista de La Cepal, 75, dezembro, 2001.
MARTINS, José de Souza. Em fuga? Notas sobre a “segregação” no modo de vida da metrópole. S/D. Texto xerocado, distribuído pelos professores da disciplina, sem outras referências bibliográficas.
RIBEIRO, L. C. Q. Segregação residencial e políticas públicas: análise do espaço social da cidade na região do território. IN: NETO, E. R. e BÓGUS, C. M. (orgs)Saúde nos aglomerados urbanos: uma visão integrada. Brasília, Organização Panamericana de Saúde, 2003.
SABATINI, F e SIERRALTA, C. Medições da segregação residencial: meandros teóricos e metodológicos e especificidade latino-americana. S/D. Texto xerocado, distribuído pelos professores da disciplina, sem outras referências bibliográficas.
SOROKINA, P. Espaço social, distância social e posição social. IN: CARDOSO, F. H. e IANNI, O. Homem e Sociedade: leituras básicas de sociologia geral. São Paulo, Ed. Nacional, 1980.
TORRES, H. G.; MARQUES, E.; FERREIRA, M. P.; BITAR, S. Pobreza e espaço: padrões de segregação em São Paulo. São Paulo, Estudos Avançados, 17 (47): 1 – 32, 2003.


quarta-feira, 19 de agosto de 2015

A crise política e alguns simbolismos das manifestações


Uma crise política se instala e agudiza quando uma combinação de fatores produz um clima a detonar disputas reais e simbólicas na sociedade. Na crise política brasileira atual, alguns elementos são mais ou menos evidentes. Em primeiro lugar, mas não necessariamente nesta ordem, temos os dilemas do chamado presidencialismo de coalizão: um arranjo político que demanda capacidade de produção de agenda e habilidade do presidente na articulação com outros poderes, principalmente com o Legislativo. Porém, o presidente não é o “dono do mundo” e o foco dos protestos direcionado à figura da atual presidente escamoteia a fragilidade de um sistema baseado, historicamente na política do toma-lá-dá-cá das elites políticas e econômicas, avesso aos princípios republicanos. É verdade que o estilo de governar de Dilma Rousseff amplia o problema. Mas, também é verdade que o projeto de governo que ela representa incomoda muito mais.
Para além da crise do presidencialismo de coalizão, há uma crise de representação, marcada pelo distanciamento entre representantes e representados, não somente no Brasil. Adicionem-se ao cenário, os limites da democracia representativa, os poucos e frágeis mecanismos de democracia direta e participativa, nossa cultura altamente individualista e pragmática, a criminalização da política pelos segmentos conservadores e oligopólios da mídia, a perversidade do mercado eleitoral via financiamento das campanhas, a burocratização e centralização partidária e o papel historicamente seletivo desempenhado pela mídia e pelo Judiciário em relação a questões como a pauta e o combate à corrupção.
Além desses, temos na configuração política brasileira elementos marcantes de uma longa tradição autoritária e elitista, a centralização unipessoal do poder, (principalmente no Poder Executivo), a concentração de poder nas mãos de elites políticas tradicionais (a facilitar o clientelismo, a corrupção e o desvio de recursos públicos), um sistema eleitoral defeituoso (principalmente pelo abuso do poder econômico nas eleições, má organização partidária - extinção, fusão, multiplicação ilimitada de partidos e legenda; fidelidade; partidos pragmáticos ao invés de programáticos), além de outras questões como a da desproporcionalidade da representação política dos Estados no Legislativo Federal; a baixa (ou a não) representação de segmentos sociais (indígenas, negros, mulheres) nos Parlamentos.
Tudo isso poderia ser objeto da insatisfação popular, derivando em demandas por reformas no sistema político e eleitoral. E isso seria muito saudável à democracia.
Porém, boa parte daqueles que vêm se manifestando nessas passeatas dominicais neste ano apresenta bandeiras a demandar justamente o oposto de tudo isso. Incomodados com a perda de privilégios históricos, segmentos das classes média e alta, saudosos de um passado ainda recente - que determinava lugares sociais para pobres, classe média e rica, qual sistema de castas -, apresentam pautas das mais conservadoras e retrógradas, como a volta à ditadura ou um governo exclusivo da Polícia Federal e do Ministério Público, sem Parlamento e Poder Judiciário. Isso é tão absurdo que chega à beira do ridículo.

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Alguns simbolismos nas manifestações de 16 de agosto
Sociologicamente, observamos nesses protestos sinais de uma mentalidade excludente, de base ainda escravocrata: a ausência da população negra e de segmentos vulneráveis étnica, cultural e economicamente -  como se tais segmentos sociais não importassem na formação da agenda pública -, denuncia a seletividade e os interesses dos manifestantes ou, na melhor das hipóteses, dos organizadores desses eventos. Se os protestos fossem representativos da sociedade, todos esses segmentos estariam presentes.

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Outro sinal da cultura autoritária das classes média e rica é percebido nos muitos selfies dos manifestantes jubilosos junto a policiais, viaturas policiais e órgãos militares. Fica subentendido que, para esses segmentos, polícia boa é polícia para o controle dos pobres e dos movimentos sociais e para a proteção do patrimônio dos ricos. De novo, a defesa de privilégios e não direitos.

Descrição: PMSP

O virulento ódio estampado em cartazes a defender a morte, o assassinato e/ou suicídio de políticos mostra o nível da irracionalidade presente nos protestos.  Pesquisas apontam que significativa parte dos manifestantes é composta por pessoas com ensino superior completo. O mesmo grupo que berrava impropérios contra a presidenta em cerimônias como a abertura da Copa do Mundo. São escolarizados e muito deseducados. Neste sentido, fica claro o fracasso do ensino superior brasileiro. Criado originalmente para a formação das elites formou, na verdade, uma horda de sectários raivosos.

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A exibição maciça de camisetas da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), uma entidade privada cercada de trapaças e falcatruas, cujo ex-presidente foi preso no exterior e os antigos e atuais mandatários não põem os pés fora do país com receio da mesma sina, mostra que esses segmentos não estão preocupados com o combate a corrupção. Muito pelo contrário, pesquisas mostram a tolerância em relação ao tema. Afinal, sonegação e roubo do erário público são práticas históricas das elites socioeconômicas quando ocupam o poder.

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É muito simbólico, também, o fato de o principal líder da oposição no momento, o senador Aécio Neves, aparecer na Praça da Liberdade em Belo Horizonte. Esta praça passou por vigoroso processo de gentrificação no governo de Aécio, determinando um lugar social - que já existia menos ostensivamente -, para os seus frequentadores (a classe média da zona sul belo-horizontina). Aliás, essa praça tem um especial simbolismo com o que é a política elitista brasileira. Nela, o povo só é convidado para participar de cerimônias de bajulação das elites políticas da direita e da esquerda (ou alguém acha, por exemplo, que os marqueteiros que prepararam  a posse de Pimentel pensam diferente daqueles que encenaram a posse de Aécio nas últimas eleições?). Quando o povo ocupa a Praça da Liberdade para protestar é solenemente recebido pelo cacete da Polícia Militar mineira. Trata-se da liberdade dos burgueses e liberais, que defendem com unhas e dentes os direitos civis e políticos, mas que detestam a igualdade, inscrita nos direitos sociais e coletivos.

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Classe média e poder de vocalização de demandas
A classe média, que como já apontamos neste blog não foi convidada para o banquete da (pequena) distribuição de renda dos últimos anos, tem um imenso poder de vocalização e mobilização em torno de suas demandas. Por isso, seus protestos ganham tanta centralidade política e visibilidade midiática.
Sob o ponto de vista meramente numérico, suas manifestações são frágeis e pouco representativas.
Apesar de a mídia, sua principal porta-voz, tentar comparar o momento atual com as vésperas do impeachment de Collor de Melo, são duas realidades políticas, econômicas e culturais tão distintas que, somente torturando os números pode-se chegar a esse tipo de comparação.
O fato é que protestos e reivindicações fazem parte e são importantes para a democracia. O que causa estranheza é o discurso odioso e a total ausência de projetos políticos para o Brasil, tanto dos manifestantes quanto dos partidos de oposição.

Aparentemente, a preocupação não é com o bem-estar do povo, mas a defesa intransigente de privilégios e sectarismos de parte da população historicamente privilegiada. É por isso que, tão importante quanto o número de manifestantes ou o tom dos protestos, os elementos simbólicos devem ter centralidade na análise desses movimentos dominicais de protesto.

terça-feira, 4 de agosto de 2015

A onipotência da toga: a judicialização da política


Percebemos, nos últimos tempos, uma tendência segundo a qual todo conflito - de ordem pessoal, institucional, moral -, deve ser dirimido, exclusivamente, pelo Poder Judiciário. Uma crescente incapacidade de outras formas e medidas de resolução dos conflitos por vias extrajudiciais.  O Poder dos Tribunais parece se consolidar como única saída possível quando há querelas ou mesmo disputa entre os demais poderes. 

Lembremos, desde Montesquieu, um dos princípios basilares dos estados democráticos é a harmonia e independência entre os poderes. 

Voltando nosso olhar para o Brasil, há algo mais grave em curso: aos poucos, o direito penal começa a substituir e se sobrepor os direitos humanos, numa clara afronta a ordem constitucional.
Vários comentaristas políticos brasileiros têm demonstrado o perigo de um poder autocrático, como o Judiciário, definir os rumos da vida social, política e institucional. É neste cenário que a crescente judicialização da política torna-se um risco à democracia. Não podemos esquecer que o Judiciário é o poder menos transparente, menos democrático, mais aristocrático e mais distante da “vida como ela é”, como dizia Nelson Rodrigues.
Enganam-se aqueles que rejubilam com arroubos autoritários do Judiciário. A quem interessa que um poder tão distante das demandas e anseios do povo possa se sobrepor às demais instituições republicanas? Nem mesmo o Conselho Nacional de Justiça tornou o judiciário mais transparente. Veja o que disse a ministra Eliana Calmon, ex-presidente do Conselho Nacional de Justiça: 
“Nós, magistrados, temos tendência a ficar prepotentes e vaidosos. Isso faz com que o juiz se ache um super-homem decidindo a vida alheia. Nossa roupa tem renda, botão, cinturão, fivela, uma mangona, uma camisa por dentro com gola de ponta virada. Não pode. Essas togas, essas vestes talares, essa prática de entrar em fila indiana, tudo isso faz com que a gente fique cada vez mais inflado. Precisamos ter cuidado para ter práticas de humildade dentro do Judiciário. É preciso acabar com essa doença que é a ‘juizite’”.


É verdade que temos inúmeros políticos de conduta duvidosa no Legislativo e no Executivo. Mas estes dois poderes, não obstante suas mazelas, possuem mecanismos de prestação de contas e controles interno e externo relativamente efetivos. E o maior e melhor de todos os controles: eleições.
E em relação ao Judiciário, o que podemos dizer em termos de transparência, controle e prestação de contas à sociedade? Qual a participação popular na configuração do Judiciário? A onipotência das togas, numa democracia, é indesejável. Uma elite jurídica, qual casta incorruptível, não pode determinar os rumos da vida republicana, em detrimento da ação política. Juízes não podem ser os donos da verdade. Afinal, a democracia só é possível dentro dos marcos do pluralismo das ideias, e as decisões da justiça não podem extirpar a possibilidade do surgimento dos conflitos sociais e da plena mediação de tais conflitos por todos os poderes republicanos, e não somente pelas vias jurídicas e judiciárias.
Um estudo inspirador de Fábio Konder Comparato, um dos juristas mais respeitados do Brasil, publicado originalmente no site do IHU (AQUI) comprova que o Poder Judiciário no Brasil é historicamente submisso às elites, corrupto em sua essência e comprometido com a injustiça.
"O corpo de magistrados, entre nós, sempre integrou de modo geral os quadros dos grupos sociais dominantes, partilhando integralmente sua mentalidade, vale dizer, suas preferências valorativas, crenças e preconceitos; o que contribuiu decisivamente para consolidar a duplicidade funcional de nossos ordenamentos jurídicos nessa matéria. Ou seja, nossos juízes sempre interpretaram o direito oficial à luz dos interesses dos potentados privados, mancomunados com os agentes estatais." (grifo nosso).

A onipotência judicial ou, se preferirmos, o governo dos juízes deslegitima a democracia, pois desloca violentamente as grandes decisões políticas do âmbito do Legislativo e do Executivo para o do Poder Judiciário. Isso não é avanço institucional; ao contrário, trata-se de retrocesso perigoso.

A Constituição de 1988, a carta cidadã, estabelece em seu artigo 1º, parágrafo Único: “Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta constituição.” Portanto, claro e cristalino, não é o Judiciário quem dá a última palavra. No artigo 1º, que inaugura nossa Carta Magna, está definido: o poder emana do povo.

sábado, 1 de agosto de 2015

Sem Censura: Quem comanda a segurança pública no Brasil?




O programa Sem Censura, exibido pela TV Brasil, entrevistou no dia 30 de julho de 2015 o escritor, doutor em ciências sociais e pesquisador Robson Sávio. Ele fala sobre seu livro "Quem comanda a segurança pública no Brasil: Atores, crenças e coalizões que dominam a política nacional de segurança pública". O livro faz uma análise das mudanças ocorridas nas políticas de segurança pública.

O livro é apresentado pelo antropólogo Luiz Eduardo Soares que afirma que a obra “mostra a passagem de paradigmas, em que se sucedem distintas perspectivas de segurança pública: militarizada, civil e cidadã. (...) Robson trabalha com uma pluralidade de questões, que remetem a diferentes disciplinas, como história, política, comunicação, direito, sociologia, antropologia e administração pública."

Ainda segundo Soares, “o momento da publicação do presente livro torna-o ainda mais precioso. Quando há sombras e ódio por toda parte, as polarizações radicais obstam a negociação de consensos mínimos que permitam caminhar, ondas regressivas ameaçam conquistas da cidadania e o ressentimento infiltra-se como veneno no metabolismo político da sociedade, uma obra que organiza as diferenças e ajuda a hierarquizar contradições e convergências, atuais e potenciais, pode fazer a diferença. Robson aporta uma dose rara de racionalidade e clareza, contribuindo decisivamente para o conhecimento de processos importantes e a formulação de intervenções virtuosas, de inspiração republicana.

Na conversa, mediada pela jornalista Leda Nagle, também participa a cientista política Olaya Hanashiro falando sobre violência urbana.

O livro pode ser adquirido pelo site da Editora Letramento: www.editoraletramento.com.br 

Apresentação: Leda Nagle
Emissora: TV Brasil
Duração: 34 minutos