quarta-feira, 31 de agosto de 2016

Tchau, querida democracia!


Montagem: Internet com várias imagens
 
Tchau, querida democracia é o titulo do livro recém lançado do amigo e professor, o advogado criminalista Leonardo Yarochewsky. Um título muito oportuno para este 31 de agosto de 2016. Apesar do jogo jogado, este é o dia no qual um bando de impostores, em sua maioria com o rabo preso na lama da corrupção e no velho e carcomido discurso moralista dos sem-moral, mais uma vez, estuprou nossa Nação.  

Isso não é novidade na história deste país: senhores feudais, donos da Casa Grande, plutocratas infiltrados nos três poderes, coronéis da política, serviçais do capital, donos de oligopólios, segmentos poderosos de elites (econômicas, sociais, religiosas, intelectuais e políticas) e uma parcela significativa de privilegiados da classe média (azeda e ranzinza, nos dizeres de Darcy Ribeiro) sempre se associaram em diversos momentos (da nossa história, desde o Brasil colonial) para pilhar o erário e manter o povo simples na condição de escravos. 

É surreal. Mas, a maior ação contra a corrupção na história do Brasil resultou na assunção ao poder de um grupo altamente corrupto e perverso.

Mas, o tempo dos pífios será breve. Nos rodapés das páginas da história, reservados aos personagens sem valor e indignos de registros maiúsculos, veremos os nomes de Aécio, Cunha, Temer, Ronan, Gilmar e outros traidores e capatazes da nossa democracia a recordar-lhes: todo poder, legítimo, emana do povo. 

E a luta, que nunca findou, continua... Porque a luta pela justiça e igualdade não é bandeira de ocasião. É bandeira de vida!

terça-feira, 30 de agosto de 2016

Mídia, golpe e edição da política


Por: Pe. Magno Marciete do Nascimento Oliveira
           
Alguns comentários apareceram nas redes sociais observando que a mesma mídia que deu amplo espaço para a votação da câmara dos deputados e seu “circense” espetáculo, não foi capaz de fazer uma cobertura digna do momento histórico de Dilma apresentando sua defesa no senado. E mais uma vez constata os dois pesos e duas medidas habituais que acompanha o processo do impedimento da presidente. E não importa o quanto a defesa de Dilma possa representar para história do Brasil, para a grande mídia em geral tudo o que a mulher Dilma falar não tem importância alguma.

Nesse momento, Dilma precisa ser execrada pela mídia. Ela precisa desaparecer. A forma simples de fazer isso e não lhe dá holofotes. Quem não aparece na mídia não existe. Essa é maneira que a mídia tem de fazer sua edição da realidade, antes de editar nos seus estúdios. Primeiro se escolhe a realidade a ter foco, para existir ou não aos olhos de todos. Sem cobertura das tvs abertas é como se o que está acontecendo fosse um fato menor. Assim foi tratada a presença de Dilma no senado, como um fato menor, de pouca relevância. É a história de quem está do lado do poder que interessa. Para que mostrar a figura de quem não foi escolhida por todas as formas de padrões do poder, do estético ao de classe, quando se há a necessidade de desferir um golpe fatal, mortal, para destruir o que ainda resta?

Pe. Magno

O golpe que estamos a acompanhar vem sendo editado a partir da realidade desde os seus primeiros dias. Constantemente se escolheu noticiar a força dos que são contra a presidente, contra a esquerda, a fim de esconjurar qualquer reação contrária. Não fosse a mídia alternativa e as redes sociais não existiria aparentemente nenhum movimento a favor das forças democráticas. Exemplar foi sobremaneira a cobertura dada a câmara dos deputados. O requinte, em contexto clímax, dado em dia de domingo, tudo bem planejado, para a votação pelo impeachment. Tudo é tão bem editado que nenhum detalhe escapa. Tudo feito para todos os brasileiros acompanharem e sedimentar um sentimento de que o fim da linha chegava para a presidente, sem alternativas.

Com a edição da realidade abre-se a porta para as tantas edições da fala de presidente. Como sempre se diz que ela não sabe falar, que responde indiscriminadamente a mesma coisa para todas as perguntas, que lhe falta inteligência e outras conhecidas afirmações que se podem recolher na internet, mas que não repetiremos devido ao baixo calão. Seus argumentos são, assim, negados em nome do preconceito, da misoginia, e editados segundo várias cabeças, sobretudo de modo a desqualificar. De lado são postas qualquer observação sobre a fundamentação do que diz a presidente. Como a presidente mesmo disse em sua defesa, nenhum crédito é dado às provas em contrário do que lhe acusam. A sentença já lhe foi dada pelo ódio e a indiferença.

Todavia a historiografia recente nos lembra bem que existe a história dos vencedores e dos vencidos. Dilma deixa um documento histórico vivo com sua presença no senado, inclusive sorrindo na cara de alguns que sem escrúpulos algum se associaram a Cunha, por gestos, falas e fotos com o único objetivo de sancionar a derrubada da democracia. Isso terá ocasião certa para recolher das obscuridades seus fios de luz. E uma democracia mais sólida um dia agradecerá.

segunda-feira, 29 de agosto de 2016

Pe. Magno Marciete do Nascimento Oliveira: A política da fé

                
Os dramas do impedimento da presidenta Dilma para o Brasil vão muito além da superficialidade do que se pode viver nas formalidades da política. Atingem, no caso da nossa nação, mais uma vez o coração do sentido da política para cada brasileiro e brasileira. O golpe contra a democracia perpetrado em Dilma, incide diretamente sobre uma visão social para o Brasil. O direitismo assume isso sem nenhum tipo de vergonha, na escola sem partido, na falta de incentivo à educação, na proposta de diminuir direitos de trabalhadores, na diminuição do SUS (entenda-se extinção) e pior: desqualifica a linguagem da esquerda enquanto linguagem que opta pelos mais fracos e excluídos.

O que tenta a direita, com isso, é acabar com uma narrativa que é essencial para a vida política, destruir a fé na capacidade de lutar por direitos, por igualdade. Escracham à luz do dia a defesa dos pobres como populismo barato e levantam a bandeira da tal eficiência de sua gestão como forma de governo, um engodo pautado na defesa da meritocracia como forma de regular a vida social. Isso termina por constituir-se em uma das formas mais perversas de ideologia, ocultando toda a responsabilidade social do Estado em procurar o resgate de dívidas sociais, funcionado como entidade mantenedora da ordem necessário para funcionar bem a usurpação dos mais fracos pelos mais fortes.

A destituição de Dilma é um ataque certeiro desta posição ideológica rasteira, que arrasta, inclusive, uma boa massa jovem desacautelado que repete o refrão “fora Dilma” com orgulho e a crença pueril de dominar o processo em questão, manobrada com habilidade pela grande mídia, como há algum tempo não se fazia. Por isso, a batalha é não deixar os agentes de tamanha bestialidade roubarem o patrimônio da “política da fé”. Com boa vontade, e com valores e ética, sabe-se que existe uma “política da fé”. Esta é aquela ancorada no discurso sobre a indignação ética, alma da esquerda, não condicionada a legendas e partidos, mas envolvida em movimento maior por um mundo justo, com a consciência de que a queda momentânea de projetos históricos, em situações concretas, não são o fim da luta.

O fascismo atual não é outra coisa que a soberania do direitismo como discurso, contra a “política da fé”. Cresce à proporção que não se acredita em transformações sociais, que não se alimenta sonhos de outra realidade para os pobres, para os injustiçados. E não se acreditando em mudanças sociais, a ideologia da morte se aninha como solução nas mentes e coração, de modo perigoso, pois consegue cravar no coração das pessoas a ideia de que qualquer narrativa revolucionária é mentirosa, que todos seus ícones são falsos e que é preciso derrubar tudo isso pela revisão histórica do politicamente incorreto. A derrubada de Dilma faz parte dessa desmoralização geral da “política da fé”. Destruir biografias vivas, da esquerda, é essencial para continuar a desconstrução do utópico como motor da sociedade, em troca da realidade do mercado, da vitória de uma pretensa técnica política que exige sacrifícios dos pobres em proveito dos abastados, para crescerem seus negócios e um dia os famintos poderem se alimentar de alguma sobra que caia de suas mesas.

Que Dilma esteja fazendo sua defesa neste momento é providencial. Sua vitória não está em barrar o golpe. Sua vitória consiste, nesta exasperada encruzilhada do Brasil, em não deixar morrer a “política da fé”, dos valores, da luta pela justiça, de impedir que seus novos algozes, que sangram sua alma ao invés do corpo, tenham a possibilidade de passar impávidos, como puros, como heróis aos olhos do Brasil. O sucesso de Dilma é desmascarar a farsa e deixar para os anais da história sua capacidade de empenhar a vida pela “política da fé” em um mundo mais justo, à esquerda.

sábado, 27 de agosto de 2016

O julgamento de Dilma está apenas começando

Fonte: Internet (NYT)

Enganam-se os impostores que tomaram de assalto o poder acerca do término do julgamento da presidenta legítima Dilma Rousseff nestes dias. A farsa do jogo jogado - que se arrasta desde aquele momento patético no qual uma facção criminosa de corruptos admitiu o início do processo na Câmara Federal -, não terá seu ponto final com o veredicto de um Senado que, com um perfil similar ao da Câmara, é composto, majoritariamente, por políticos da pior qualidade. Uma charge, atribuída ao The New York Times desta semana (que ilustra este post), retrata bem o julgamento políticoem curso. Num patíbulo, Dilma é cercada (e julgada) por um bando de ratos escrotos.

A narrativa do golpe já está consolidada no exterior. Inúmeras evidências (a principal delas, a ausência retumbante dos líderes mundiais nos eventos olímpicos) dão conta que a comunidade internacional não engole goela abaixo a história contada a fórceps pelos pseudovencedores do golpe: o parlamento, majoritariamente formado  por ratazanas e líderes partidários perversos; a mídia manipuladora, com suas emissoras platinas, revistas e jornais que transformaram jornalismo em espetáculo inquisitorial a serviço dos impostores; os empresários e banqueiros antinacionais, subservientes do capital global; segmentos judiciários e policiais capangas da casa grande e outros grupos da classe média que não abrem mão de privilégios e cuja ação política na sociedade é baseada, quase que exclusivamente, na  propagação do ódio, da violência e da vingança.

Acontece que a história não perdoa traidores, covardes e mamulengos. Por isso, é justamente de agora em diante que todos contarão a história do bando que violentou a democracia deste país. 

Ao derrubar sordidamente uma presidenta eleita, a coalizão golpista jogou no lixo a democracia, a Constituição e o estado de direito.

No futuro, próximo e distante, essa história se iniciará assim: em agosto de 2016, um senado formado por inúmeros corruptos, denunciados por falcatruas das mais escandalosas e presidido por um ministro do Supremo – que assistiu impávido a violação da Constituição -, impediu uma presidenta legítima do exercício do poder sufragado pelas urnas. Sem crime de responsabilidade, como determina a Constituição, o julgamento realizado por juízes corrompidos e sem moral alçou ao comando do país um governo ilegítimo, corrupto e sem voto. Aliado com os perdedores das eleições - movidos pela vingança e que sequer respeitam as regras procedimentais da democracia -, e sem nenhum vínculo efetivo com o povo, a Constituição e o estado de direito, o desgoverno criado artificial e oportunisticamente foi a prova cabal a confirmar que um golpe arruinou a frágil democracia brasileira.

Portanto, os atores e as coalizões que ardilosamente tramaram o golpe serão nomeados e registrados nos anais da história.

Mas, o ostracismo e a repugnância não serão castigos suficientes para punir os golpistas que, historicamente, sempre se articularam nesse país para pilharem o patrimônio público e impedir o avanço dos direitos do povo. 1954 e 1964, logo ali, mostram que os golpistas não têm pudor, nem temor. E fiam-se na impunidade perpétua.

A principal lição que devemos tirar deste episódio é que a impunidade em relação aos traidores e usurpadores, de ontem e de hoje, é o ingrediente a alimentar os golpes.

Assim, caberá a todos aqueles e aquelas que já se articulam na resistência democrática tratar de construir estratégias para o enfrentamento daquilo que até hoje o país não fez: um acerto de contas com o passado e com o presente; com os atores que sempre querem impor uma sociedade de perfil escravista, patrimonialista, machista, coronelista, elitista e violenta.

Há que se começar uma nova construção. Em nome da verdade, da memória e da justiça é preciso derrubar, de uma vez por todas, as estruturas da casa grande para se construir, de fato, uma nação onde imperará, com longevidade, a justiça e a igualdade, expurgando os vampiros sanguessugas da Nação. Chega de conciliação e de paz dos túmulos.


segunda-feira, 22 de agosto de 2016

A festa acabou: das Olimpíadas e da Democracia


Fonte: Internet
Nos últimos catorze anos o Brasil viveu uma grande festa democrática. Inclusão social, eliminação da pobreza extrema, crescimento da economia, distribuição de renda, inúmeras conferências de políticas públicas, povo na rua protestando e reivindicando direitos. “Nunca antes na história desse país” se respirou tanta liberdade, participação, diversidade e múltiplas vozes e cores despontando de todos os cantos desse país. Era uma festa demasiadamente contagiante para os gostos de uma elite ranzinza e azeda, como dizia Darcy Ribeiro.

Os governos do PT, de Lula e Dilma, apesar das muitas desventuras, proporcionaram a maior e mais duradoura festa democrático-popular do Brasil.

Essa festa está no ocaso. Paradoxalmente, deu seus últimos acordes naquela celebração da diversidade cultural, quando do encerramento da grande confraternização universal por ocasião dos jogos olímpicos.

A Copa do Mundo e as Olimpíadas foram um sucesso. É claro que o Brasil tem muitos problemas. Mas, alegria e confraternização estão na alma do nosso povo e é bom celebrar. E só um cego que não quer ver, um fundamentalista de má-fé ou um fascista não reconhecem os principais atores responsáveis por esses feitos: Lula e Dilma. O povo sabe do papel decisivo de ambos e não há quem furte essas páginas e seus autores dos registros da história.

Uma das poucas vezes, em mais de cinco séculos, o espírito de vira-latas do brasileiro foi superado e o país passou a ser respeitado e valorizado no concerto das nações.  E foi por causa desse respeito e reverência que Lula, como um hábil embaixador, conseguiu trazer a Copa do Mundo e as Olimpíadas para o país.

É preciso dois registros aqui: o primeiro, um repúdio veemente à mídia nativa, pífia e antinacional, que o tempo todo, antes da Copa e das Olimpíadas, jogou o país pra baixo e desdenhou da potencialidade deste povo, sempre a destacar o lado ruim dos eventos e, como ave agourenta, a projetar a catástrofe e o vexame. A mídia, essa sim, tem espírito, corpo e alma de vira-lata. Melhor dizendo, tem espírito de porco. É um atraso para o país.

Depois, é preciso dizer em alto e bom som que foi um presidente nordestino, operário e pouco escolarizado que teve a coragem de acreditar na capacidade do seu povo de realizar os dois eventos. Nunca antes um mandatário das elites teve essa coragem. As elites, de um modo geral, não acreditam no país e em seu povo. Ao contrário, têm vergonha do Brasil.

Aliás, um bom retrato das elites no poder pode ser sintetizado na figura do atual chanceler, José Serra. Como um poodle diplomático, rosna para os vizinhos latino-americanos e abana o rabinho para os norte-americanos. Certamente, ele e o governo golpista são gratos aos amigos do Norte que treinaram Moro e a turma do MP na empreitada para acabar com o Brasil, suas empresas, suas instituições políticas e a nossa democracia.

Lula, como já nos referimos em outro post (aqui), sempre trabalhou com a possibilidade da conciliação entre os ricos e os pobres. E não dimensionou o rancor, o ódio, a cobiça e a perversidade das elites (econômicas, sociais, políticas, jurídicas, midiáticas, religiosas) dessa Terra de Santa Cruz. Essas elites, quando estavam ganhando muito nos tempos das vacas gordas, com a economia em ascensão, suportaram os pobres nos aviões, nos shoppings centers e nas universidades. Mas, o tempo da reconciliação de mentirinha foi-se embora quando uma crise econômica adveio e a coalizão golpista e rancorosa resolveu violentar até os mais elementares pilares da democracia, o eleitor e o voto, para tomar de assalto o poder.

Agora, os estrangeiros – que sabem do golpe no país, porque essa narrativa foi vencida pelos democratas daqui com a ajuda da mídia de acolá – voltam para suas plagas. E o Brasil, depois dessa primavera, viverá seus dias de rigoroso inverno.

Quando setembro vier, os líderes da coalizão golpista imporão a fórceps o plano que foi reprovado nas quatro últimas eleições. Sem nenhum vínculo com o povo, porque não foram eleitos, os golpistas não têm qualquer compromisso com a democracia, com a Constituição e o estado de direito. E, como não temos a quem recorrer - nesses tempos de judiciário partidarizado, além de historicamente seletivo e elitista -, fica a pergunta: como será o amanhã?

Ordem e progresso” foi o lema escolhido pelo interino. É o mesmo lema do grupo que criou, também à força, nossa república. Naquele 1889, os donos da Casa Grande, descontentes com o Imperador - que não aceitava mais ser preposto dos latifundiários e dos militares – articularam o golpe e, triste coincidência, o povo ficou sem entender o que acontecia.

Para dar ares de modernidade e superação do antigo regime, esse lema positivista, autoritário e conservador foi criado para disfarçar os verdadeiros interesses golpistas, de ontem e de hoje: opressão aos pobres e trabalhadores, criminalização dos movimentos sociais e a ação arbitrária para controlar e aniquilar os inimigos criados artificialmente.

Assim, nossa república, desde seu nascimento, foi “coisa pública” em pouquíssimos momentos; na maioria do tempo foi coisa de e para alguns. Desses mesmos que agora estão no poder via um golpe a ser sacramentado no senado, à la Catilina.

A política do mocinho e do bandido está de volta. O ministro da Justiça do governo golpista, o tucano Alexandre de Moraes, nesses últimos dias, não poupou críticas às políticas de segurança pública baseadas em inteligência, diagnóstico e estudos. Defendeu, na contramão da história e do conhecimento, que os gastos do setor devem ser alterados para priorizar a compra de equipamentos bélicos. O passado recente de Moraes, sua atitude de beligerância com estudantes e movimentos populares, deixa evidente que o governo golpista adotará a política de confronto e de contraposição de forças. Quanta arrogância pensar que a batalha política se vence com a força das armas.

A metodologia para sustentar um empreendimento que surge com tanta violência, hipocrisia e manipulação é o uso da velha estratégia do controle social, via ação policial. E é isso, muito provavelmente, que fará, em doses cavalares, o governo ilegítimo daqui pra frente.

A festa da democracia acabou. Resta-nos, altivos, a resistência democrática.



sábado, 20 de agosto de 2016

Por que não comemoro o ouro da seleção masculina de futebol?


O Brasil é um país maravilhoso. Um povo bom. Uma cultura riquíssima. Muitos valores culturais e humanos. Porém, tem uma elite perversa. 

O futebol - uma "paixão nacional” - há algum tempo foi furtado pelos segmentos piores da nossa sociedade: a cbf, a globo, os patrocinadores, os jogadores milionários, os endinheirados. Tudo sendo transformado em mercadoria; puro consumo. 

Ouvir Galvão e Ronaldo falar na INSTITUIÇÃO SELEÇÃO BRASILEIRA me dá nojo... Me desculpem a franqueza.

E a paixão de uma nação passou a ser de e para poucos, nas arenas espetaculosas - desde a Copa - e nos canais fechados de TV. Quem estava torcendo, no velho Maraca, nessas Olimpíadas? Os brancos, ricos e poderosos que podem comprar ingressos caros; eventos para um público de elite. 

Em 1950, quando a seleção perdeu o final da Copa, era o povo que lotava o Maracanã. E o povo chorou... As fotos que registraram aquele momento mostram as múltiplas faces dos muitos brasis naquela ocasião... E agora? Quem estava lá?

A vitória do Brasil poderá ser usada como lenitivo para manipular o povo em tempos de governo golpista. Como em tempos pretéritos, exibirá para o mundo que tudo está bem no país. Os manipuladores de sempre, os globais e outros tantos, conhecem muito bem a arte de usar o futebol para tamponar os problemas nacionais.


Mas, nada está bem. Tudo está muito mal. Vencemos o desafio de organizar uma Olimpíada. Estamos perdendo, e feio, o jogo da Democracia. Um bando da pior qualidade tomou de assalto o poder e imprimirá mais sofrimento e dor ao povo deste país. 

Nas redes sociais o interino, de imediato, quis faturar. A reação popular foi imediata. Chega de tanta usurpação!

Espero que a vitória da seleção não sufoque uma insatisfação generalizada que toma conta do país. Inclusive que haja reação contra essa estrutura perversa de se apropriar das belas criações da nossa cultura popular, como o futebol, e transformá-las em produtos  para poucos.

Viva o povo brasileiro. Torço para o Brasil. Mas, para um Brasil de e para todos os brasileiros e as brasileiras. 

E não comemoro o ouro da seleção de futebol da cbf, porque acho que esse escrete não representa o espírito da nossa Nação.


segunda-feira, 15 de agosto de 2016

O que temer em Temer?


Chargista Casso - Imagem da Internet

É ingênuo pensar que Temer é o grande articulador e tem sob controle a empreitada golpista. Muito pelo contrário, a personalidade cambiante do interino é, ao mesmo tempo, o grande perigo para a democracia e a maior vantagem para a coalizão usurpadora. Não poderia haver um político mais “perfeito” para servir como preposto dos verdadeiros donos do poder e mentores do golpe.  

Explico. A coalizão golpista, como já refletimos várias vezes, é formada pelos segmentos historicamente comprometidos com um modelo de país que garante a cidadania para apenas 25% da população. São os coronéis da velha política (liderados por figuras como Aécio, FHC, Cunha, Renan e os líderes da bancada BBB – boi, bíblia e bala), os empresários com mentalidade colonial, a mídia manipuladora e a serviço do capitalismo internacional e amplos segmentos autoritários, elitistas e altamente conservadores do judiciário, ministério público (e outros grupos jurídicos) e da classe média saudosa dos privilégios da casa grande.

Essa coalizão tem apoio internacional, pois é fundamental para o modelo capitalista manter países do porte do Brasil como colônias extrativistas. Por isso, as disputas em torno do pré-sal, da biodiversidade e da água doce. E um chanceler como Serra é como mel na chupeta para servir aos interesses alienígenas.

É neste contexto que devemos analisar a figura do interino. Sua maior qualidade para os mentores e executores do golpe é justamente sua grande fraqueza. Temer não tem o mínimo controle do governo; está nas mãos de figuras como Cunha, Padilha, Jucá, os caciques tucanos, coronéis do PMDB, banqueiros e empresários sanguessugas. É incapaz de gerenciar uma coalizão com tanto apetite e sanha em destruir o pouco que foi conquistado pelo povo desde a Constituição Federal de 1988. 

Guardadas as devidas proporções, o interino é uma espécie de mamulengo, um boneco que faz a mediação entre o povo, que deve ser distraído (porque ainda não sentiu no bolso os efeitos das medidas do governo de plantão) enquanto os operadores do golpe colocam em ação o projeto de governo e de país que tomou bomba nas quatro últimas eleições. Às favas a democracia!

Assim como os militares cumpriram o papel de “testa de ferro”, durante os 21 anos da ditadura, Temer, agora, exerce a função de excelente preposto das mesmas elites antidemocráticas deste país, de ontem e de hoje. Com uma vantagem: assunto ao poder por vias tortuosamente legais, com a anuência suprema (como também ocorreu durante a ditadura), Temer dá ares de legalidade a todo o processo golpista.

Por outro lado, é justamente essa fraqueza que torna o governo até agora interino muito perigoso à democracia. Um governante fraco e cambiante é facilmente controlado; é prontamente convencido, pelos verdadeiros dono do poder, a tomar medidas autoritárias e perversas, em nome da “lei e da ordem” (essa invenção dos ricos e poderosos incrustados nos parlamentos e no judiciário para oprimir, reprimir e controlar o povo). Alexandre de Moraes que o diga...

Quando exigimos a volta de Dilma não estamos desconsiderando esse cenário complexo no qual a correlação de forças, no momento, favorece o grupo que tomou de assalto o poder. O retorno de Dilma é condição para que não aconteça uma ruptura democrática. Mas, mesmo que a presidenta legítima retome seu mandato, uma utopia, não nos enganemos acerca da colossal capacidade de pauta e de veto da coalizão golpista.

Aliás, desde a metade do segundo mandato de Dilma, a presidenta já vinha cedendo ao grupo golpista, que se robusteceu a partir das jornadas de junho de 2013 e consolidou-se nas eleições de 2014.  Diferentemente dos políticos tradicionais, Dilma, num determinado momento, deu um “basta” ao grupo que impunha um caráter conservador ao seu governo. Desde então, foi vítima de chantagem e, posteriormente, do impeachment fajuto; essa invenção mal-ajambrada que os usurpadores articularam para arrombar nossa democracia.

No momento atual, enquanto os olhos do mundo estão voltados para o Brasil por causa das Olimpíadas, os líderes da coalizão no poder agem para manter certa aparência de normalidade. Não perceberam, por exemplo, que já perderam a narrativa internacional acerca do golpe. Como têm como sócios estratégicos os donos da mídia, creem que poderão tamponar todas as formas de resistência. Afinal, quando não há pudor nem temor, a barbárie humana não tem limites. A história é repleta de exemplos...

Mas, não tenhamos dúvida: sacramentado o golpe, quando setembro vier, a política dos fins que justificam os meios estrará em campo com todo o vigor para o deleite dos grupos que historicamente sempre trataram este país e seu povo como seus serviçais.

terça-feira, 9 de agosto de 2016

Cícero, Catilina e os traidores do senado brasileiro


Voltemos à Roma antiga. Estamos no ano de 63 a.C. Marcus Tullius Cicero, considerado o maior filósofo romano, tinha o cargo de cônsul, posto mais importante do Senado. Na ocasião, ele descobriu que um de seus colegas, o senador Lucius Sergius Catilina, organizava uma conspiração para assassiná-lo. O mentor do complô era um nobre arruinado por dívidas. Como sempre ocorre nas rodas do poder e da corrupção, Catilina contava com o apoio de outros homens ricos, brancos e militares que também tinham problemas financeiros e se articulavam  um golpe contra a República.

Ao ser informado dos planos de Catilina, Cícero convocou uma reunião do Senado e proferiu uma série de quatro discursos, que ficariam conhecidos como Catilinárias.

As Catilinárias são um exemplo de correção no exercício do poder público, dado que os discursos de Cícero passaram a ser referenciados sempre que um homem público atenta contra o interesse geral de uma Nação.

Nessa história do Senado romano, Cícero conseguiu sufocar a revolta de Catilina, postergando alguns anos a existência da República, que foi arruinada quando Júlio César invadiu a península itálica, em 49 a.C.

Infelizmente, não temos no Brasil um senador, com "S" maiúsculo, da estatura de Cícero. Mas, temos muitos que são iguais ou piores que Catilina. Para defenderem seus interesses e de seus mentores (os donos do dinheiro); para salvarem suas peles a qualquer custo (porque estão enlameados na corrupção); para manterem seus discursos hipócritas de moralistas sem moral, os catilinas do senado brasileiro crucificarão uma inocente e, com ela, a república e a democracia.

CÍCERO, SENADOR DA ROMA ANTIGA, DÁ UMA LIÇÃO DE DIGNIDADE PARA OS SENADORES QUE ABRIRAM O PROCESSO DE IMPEACHMENT CONTRA DILMA.

Como uma manada sem rumo e sem razão, crentes que estão acima das leis e do julgamento dos brasileiros e do mundo, os catilinas daqui estão com os ouvidos fechados a quaisquer argumentos a comprovarem a parcialidade, o oportunismo e a perversão de um julgamento sem base constitucional. Talvez, nem se tivéssemos no senado um político da estatura de Cícero se reverteria esse espetáculo de violência à democracia.

Ontem, as páginas da história brasileira foram, mais uma vez, borradas com o que há de pior nessa república: além do espetáculo patético no senado, quando ouvimos Aécio defendendo a democracia e outros tucanos e peemedebistas falando em respeito às leis, tivemos a absolvição pelo STF de Russomano e a confirmação, pelo PSC, da permanência de Feliciano na liderança daquele “partido”. Agora, só falta a Câmara Federal salvar Cunha, com o apoio explícito de Temer. A podridão e a degradação dos três poderes denuncia a decadência da república. O nojo e o asco que sinto em relação aos membros das nossas instituições republicanas faz com que meu estômago fale mais alto que meu cérebro. E isso não é bom...

Mas, voltemos ao senado. A história dos catilinas daqui será contada agora e sempre. Assim como os heróis são lembrados pelos seus exemplos, os políticos e magistrados pífios também entram nos rodapés das páginas da história para que recordemos que a desfaçatez, a desonra, a mesquinhez e outros vícios são os atributos dos traidores, dos hipócritas e daqueles que não merecem um pingo de respeito e consideração.

segunda-feira, 8 de agosto de 2016

No concerto das nações, o golpe foi explicitado


Foto: Mark Humphrey/ AP

O fato político mais relevante desses últimos dias não foi a revelação das propinas recebidas pelo interino e seu ministro das relações exteriores. Apesar do desdém da mídia nativa - manipuladora e venal -, o acontecimento mais importante, repleto de sentidos e significados, ocorreu na abertura dos jogos olímpicos, na última sexta-feira (05/08). Aos olhos do mundo, o golpe apareceu retumbante não nas vaias ao interino, mas na absoluta ausência de chefes de estado e de governo na cerimônia, no Maracanã (veja  também, aqui).

A disputa pela narrativa do golpe foi abafada violentamente no país. A coalização golpista - envolvendo líderes políticos, o Parlamento, a mídia, parte do empresariado, do judiciário e dos setores retrógrados da classe média - tentou a todo o custo impedir que os brasileiros percebessem o golpe à democracia, travestido no processo de impedimento de Dilma Rousseff. Pesquisas de opinião já comprovavam, na semana anterior, que o povo não engoliu o engodo. A rejeição ao governo de plantão é colossal.

Mas, a prova dos nove seria a recepção da comunidade internacional ao governo interino. Apesar dos esforços do Itamaraty em relativizar a possível ausência de líderes, muitos sinais externos já evidenciavam a rejeição dos democratas de todos os países a Temer e seu gabinete.

Mas, a reportagem do jornalista Jamil Chade do Estadão (aqui caiu como um torpedo na cabeça dos golpistas. O repórter, único a adentrar na área reservada às autoridades internacionais, constatou a derrota colossal, vergonhosa, estupenda do interino, seu chanceler e seu governo. Somente 18 chefes de estado presentes. Alguns, como Hollande, vieram para cumprir protocolo, porque a França tem interesse em sediar os jogos olímpicos no futuro. Outros, porque são membros do Comitê Olímpico Internacional. Os poucos presentes eram de países sem relevância no concerto das Nações. A ausência dos líderes dos BRICS, por exemplo, deixa claro o estrago que um golpe provoca nas relações internacionais. Da América Latina, nossos vizinhos, somente o argentino Macri, cujo governo retrógrado, conservador, autoritário e entreguista comunga com a turma do governo de plantão no país.

E como se não bastasse tamanho desdém da comunidade internacional, os poucos líderes presentes evitaram se encontrar com Temer. E mais: para a humilhação final e apoteótica, como um tiro de misericórdia, autoridades convidadas a ocuparem a área reservada ao presidente interino recusaram a “honraria”. Segundo o jornalista que descreveu a constrangedora cena, “o governo brasileiro tentou convidar os poucos líderes a ficar no principal camarote, ao lado de Michel Temer, presidente interino. Sem sucesso, o local foi preenchido por diversos ministros do governo e autoridades municipais e do governo do estado. Antes mesmo de terminar o evento e logo depois do desfile da delegação da França, o presidente François Hollande deixou o Maracanã, à francesa”. 

Hollande saindo à francesa. Um tapa na cara seria menos dolorido...

A foto do interino na abertura, solitário e desconcertado, sendo ladeado pelos amigos da empreitada golpista, mostrava o isolamento do governante de plantão...

Esse acontecimento, ignorado pela emissora oficial do golpe e pela mídia nativa e que só foi revelado pela reportagem do Estadão, por incrível que pareça, não deixa nenhuma dúvida. Os democratas que estão lutando em prol da democracia no país ganharam a narrativa acerca do golpe. Independentemente do resultado da votação do impeachment pelo Senado - o jogo jogado de políticos interesseiros que envergonham qualquer Nação -, a posteridade saberá o que ocorreu neste país quando uma turba tomou de assalto o poder, à revelia da deliberação popular.


Os apoiadores da sociedade democrática – que se baseia na prevalência da vontade expressa das maiorias – conseguiram sufocar aos olhos do mundo o golpe imposto por um grupo que a todo custo tenta solapar a democracia. Na disputa sobre quem serão os verdadeiros autores da História, o round internacional, ocorrido na abertura das olimpíadas, foi vencido por nocaute pelos defensores da democracia.  

sábado, 6 de agosto de 2016

Não nos iludamos com as vaias ao interino

Na imagem (internet),  Meireles,
o representante dos bancos no governo, aplaude Temer

Confesso: ontem vibrei quando ecoaram as vaias ao interino, durante os 10 segundos de sua aguardada alocução na abertura das Olimpíadas. 

É sempre prazeroso ouvir uma retumbante desaprovação pública a um político que não tem nenhum apreço à democracia, nem respeito ao eleitor e suas escolhas.

Mas, não nos enganemos. Ontem, no Maracanã, o público que vaiou Temer é do mesmo perfil socioeconômico e demográfico daquele que há algum tempo vaiou e vomitou impropérios contra a presidenta legítima e constitucional, Dilma Rousseff. Naquela ocasião, as vaias e os xingamentos de um banco de imbecis e covardes escancaram para o mundo que os segmentos abastados e de classe média conservadora no Brasil não respeitam a democracia, os representantes legitimamente eleitos e, no caso, não escondiam o nível de misoginia, preconceito, ódio e deseducação dessa parte de endinheirados e escolarizados. Dilma comportou-se estoicamente. Temer, ontem, postou-se como os machões da política nacional que, quando - muito raramente - são pegos com as calças curtas, agem como ovelhinhas e pedem arrego no colo da mamãe...

Portanto, as vaias de ontem não expressam a desaprovação do público ao presidente golpista, suas práticas, seu grupo, seu governo. Demonstram que segmentos majoritários de nossas elites econômicas, sociais, políticas, religiosas, culturais não têm nenhum apreço à democracia; criminalizam a política; não têm pudor em afrontarem as autoridades constituídas, principalmente quando seus interesses de classe são contrariados. Enfim, são segmentos poderosos que não estão comprometidas com governos que atuem em benefício público, social e coletivo.

Muito provavelmente, o que ocorreu ontem pode ser explicado a partir dos conceitos de comportamento coletivo, portanto espontâneos e pontuais, e/ou ações coletivas, que congregam interesses comuns (no caso, o desdém à política e à democracia), derivando na vaia apoteótica. Mas, certamente, não há motivação política na base do protesto - que cumpriu papel importante ao publicizar para o mundo o golpe em curso no país.

Não pensemos que será dos brancos, endinheirados, da zona sul carioca e dos turistas visitantes que superaremos o golpe e suas consequências à democracia brasileira.

Se a vaia a Temer aplacou um pouco nossa ira coletiva em relação ao interino, e desopilou nosso fígado, não nos deixemos iludir pela ocasião. A festa foi bonita; os brasileiros não precisam ter complexo de vira-latas, mas o fato político mais importante da abertura da Olimpíadas foi o descomunal desprezo da comunidade internacional ao governante de plantão. As inúmeras cadeiras reservadas às autoridades vazias; a pouca significância das autoridades presentes no evento e o desdém generalizado ao interino amedrontado mostraram que o mundo já rejeitou o golpe. Agora, só falta o Brasil...



quinta-feira, 4 de agosto de 2016

Os hipócritas também pagarão a conta do golpe



O colunista Janio de Freitas, em artigo publicado na Folha, escreveu “que o afastamento da presidente se faz em um estado de hipocrisia como jamais houve por aqui. (...) Uma hipocrisia política de dimensões gigantescas, que mantém o Brasil em regressão descomunal, com perdas só recompostas, se o forem, em muito tempo –as econômicas, porque as humanas, jamais.”

Os holofotes do jogo jogado do impeachment - desde o momento no qual um bandido, no comando da Câmara, com a conivência do Supremo, instalou o processo – estão todos voltados para o Congresso e, neste momento, no Senado, como se lá fosse o único palco dessa encenação ridícula. Mas, é preciso reconhecer que, não obstante o fato de termos um Parlamento majoritariamente ocupado por ratazanas, a falta de lideranças com credibilidade, respeito e reconhecimento nos campos político, econômico, social, religioso, artístico e intelectual impossibilitou uma saída democrática para a crise instalada desde 2013.

Sob o ponto de vista sociológico e político, as elites são os principais atores que orientam os rumos dos governos e da sociedade, porque têm grande poder de vocalização de seus interesses e, portanto, extensa capacidade de mobilizar, publicizar e definir a agenda pública.

O papel sociedade civil é central no tensionamento de processos políticos com vistas à ampliação da cidadania e dos direitos. Mas, as elites, queiramos ou não, são fundamentais para induzir o desenvolvimento social, político, econômico e cultural de qualquer sociedade.

O Brasil, apesar de historicamente dirigido por elites muito conservadoras - cujos grupos majoritários dessas elites têm fortes tendências antidemocráticas -, já teve expoentes que, em situações de crise intensa, conseguiram articular grandes concertações em torno de ideias e ideais capazes de produzirem significativos avanços sociais, econômicos, culturais, políticos...

Já tivemos na elite política referências como Ulisses Guimarães, Franco Montouro e Tancredo Neves. Hoje, os líderes bajulados pelas elites são Temer, Cunha, Aécio, Renan, Serra, Bolsonaro, Caiado...

Na cultura, orgulhávamos de personalidades como Guimarães Rosa, Antonio Candido e Chiquinha Gonzaga. Hoje, as elites batem palma para Reinaldo Azevedo e Alexandre Frota.

Tínhamos elites intelectuais do porte de Paulo Freire, Sérgio Buarque, Euclides da Cunha e Darcy Ribeiro. Hoje, as elites intelectuais cultuadas são Olavo de Carvalho e Lobão.

Já convivemos com economistas do porte de Roberto Campos e Celso Furtado. Hoje, segmentos mais visíveis das elites seguem as dicas econômicas de Rodrigo Constantino e Miriam Leitão. E já tivemos empresários que defendiam uma indústria nacional forte e geradora de riqueza e renda para o Brasil e os brasileiros. Agora, os homens de negócio dessa terra resolveram criar a filosofia empresarial do pato amarelo.

O espaço da liderança religiosa que era ocupado por figuras da estatura de Paulo Evaristo Arns, Helder Camara e Luciano Mendes de Almeida é protagonizado, agora, por vultos como Malafaia, Cunha, Malta, Macedo e Feliciano.

Lula é a última grande liderança política e social que teve a capacidade de movimentar uma ampla coalizão, num momento de bons ventos da economia - apesar de não ter enfrentado as grandes mazelas nacionais com reformas estruturais, quando presidente. Sonhou, como um operário que sempre fica devendo favores ao patrão, um bom cristão, que era possível conciliar o mundo do trabalho, historicamente oprimido, com o mundo das elites, historicamente privilegiado. Para tanto, arriscou a jogar o mesmo jogo das elites políticas tradicionais, historicamente comprometidas com a corrupção, o patrimonialismo, o clientelismo e a apropriação privada do espaço público. Acreditou, inclusive, que jogando o mesmo jogo dos políticos tradicionais seria poupado, com a crença que a justiça e as elites agiriam com isonomia, caso suas estratégias fossem delatadas. Todos sabemos o enredo dessa história...

Não obstante, Lula conseguiu avanços sociais e econômicos reconhecidos internacionalmente. Gostemos ou não, por uma década, sob sua liderança, os brasileiros sonharam com a possibilidade de uma sociedade na qual os interesses de classe poderiam se conciliar. E esse sonho começou a se transformar em pesadelo naquele junho de 2013, quando as ruas foram invadidas por hordas de interesseiros.

Provavelmente, por ter conseguido transformar a realidade social do país, apesar de algumas ações erráticas, Lula é caçado tresloucadamente por uma juristocracia, uma elite jurídica que, aliada aos outros segmentos conservadores das elites sociais, econômicas, políticas, religiosas e culturais sempre determinaram os lugares sociais a partir de seus interesses de classe.

E foi através de uma coalizão de amplos setores dessas elites conservadoras, com a participação descomunal da mídia, que uma engenharia golpista bem-sucedida foi sendo arquitetada, desaguando num processo fajuto de impeachment, cujo resultado qualquer mortal sobre a terra já tem conhecimento.

Os ricos e poderosos e os segmentos rancorosos e privilegiados da classe média - portanto, parte significativa das elites sociais, econômicas, políticas, culturais e religiosas -, são coniventes com o golpe. Creem que o governo que tomou de assalto a República manterá intactos seus privilégios. Não percebem que o golpe à democracia nos coloca na situação de uma sociedade atrasada e que esse retrocesso repercutirá negativamente na vida de todos os segmentos sociais.

Um golpe na democracia não é um jogo de soma zero, no qual uns ganham e outros perdem. Trata-se de uma involução social, política, econômica, cultural e ética que tomos, com intensidades diferentes, amargaremos nos próximos anos. Inclusive a classe média que sentirá, mais cedo ou mais tarde, os reflexos de um governo pouco comprometido com a Nação. Várias medidas anunciadas pelo governo interino sinalizam perdas de direitos que incidirão sobre todos os brasileiros, inclusive a classe média. É questão de tempo...

Portanto, o malsinado caminho do golpe punirá terrivelmente os trabalhadores e os pobres, mas certamente penalizará também os hipócritas que naturalizam e desejam invisibilizar essa violência estúpida à Constituição, ao estado de direito e à democracia, chamada impeachment.