segunda-feira, 29 de junho de 2015

Uma discussão sempre oportuna: mídia, violência e direitos humanos

O episódio, transmitido ao vivo por emissoras de TV, no qual um policial troca tiros com assaltantes em fuga e, depois de render os infratores, ainda atira neles, recoloca o debate sobre os excessos cometidos em ações policiais e os limites éticos da cobertura do jornalismo acerca da violência.

Já discutimos aqui sobre a importância do controle externo das polícias. Afinal, segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, em cinco anos os policiais brasileiros mataram 11.197 pessoas. Nos Estados Unidos, uma marca semelhante (11.090 pessoas mortas) foi atingida em 30 anos.

No estado democrático de direito todos, principalmente os encarregados da aplicação da lei, devem agir dentro dos limites legais. No caso de ação policial, há regras claras de atuação nesse tipo de ocorrência. Além de princípios legais, outros critérios como a proporcionalidade, necessidade e conveniência de determinadas ações, por uso de armas de fogo, por exemplo, devem balizar a conduta do operador da segurança pública. Um policial que atira a esmo pode matar inocentes (que, eventualmente, estejam transitando numa rua). Isso pode ocorrer com meu pai, minha mãe, meu filho. Seria bom se pensássemos assim, dado que falar da dignidade do outro parece algo irrelevante nessa nossa cultura da vingança e do ódio.



Nem sempre as coisas ruins ou a ação desproporcional de agentes públicos acontecem somente com "os outros". Portanto, a sociedade deve estar atenta, porque todos nós podemos ser vítimas de uma polícia que, eventualmente, age ao arrepio da lei.

Se nos últimos anos incorporamos em boa medida os pressupostos basilares de um estado democrático e de direito, ainda resta um grande caminho a ser percorrido pela efetividade da cidadania em nosso país. Aqui, o preconceito, a luta pela igualdade racial, as discriminações religiosas e sexuais e tantos outros dilemas sociais ainda não fazem parte da pauta da grande mídia. Por outro lado, a superexposição de vários tipos de crimes associada a preconceitos, sentimentos de vingança e desinformação acerca dos fenômenos da violência provoca a banalização dos valores humanos.

O aumento da criminalidade violenta, nos últimos anos, trouxe para a agenda social as deficiências das políticas de segurança pública. Segurança pública que deveria ser entendida como direito do cidadão e dever do Estado. Outrora assunto restrito a poucos atores, agora a temática da (in)segurança alcança o centro das discussões, numa sociedade aflita e com medo. A mídia, percebendo a importância do tema (e principalmente o poder de vocalização dessa demanda pela classe média – sua maior consumidora) tem aprofundado as discussões sobre a questão, pautando de forma cada vez mais constante a cobertura acerca da violência.

Acontece, que a mídia deveria ser o espelho fiel das contradições e conflitos existentes na sociedade. Evidente, portanto, que na sua pauta apareça a questão da segurança pública e da violência como algumas das principais demandas de discussão da sociedade brasileira na atualidade.



Interesses políticos e vieses
Compreende-se que a cobertura do cotidiano violento das grandes cidades não é tarefa fácil. Por trás de eventos violentos, outras questões estão ocultas e dificilmente podem ser contempladas em cada matéria ou reportagem que envolve a abordagem do tema pela mídia.

É evidente a complexidade que envolve o fenômeno da violência. E, por consequência, a dificuldade, ou a quase impossibilidade, do profissional da comunicação, cobrindo o factual, abordar todas essas questões na apresentação de cada notícia sobre o tema. Isso sem contar, obviamente, com outras dificuldades de abordagem, como o reduzido espaço ou tempo para apresentar uma notícia.

Em relação à abordagem de determinados temas, há que se exigir responsabilidade e conhecimento. Afinal, a forma e o conteúdo de exposição dos vários tipos de violência pela mídia devem ser questionados pelos cidadãos. Obviamente, não estamos tratando aqui de qualquer tipo de censura; ao contrário, defendemos uma interlocução cada vez mais consistente entre os profissionais da comunicação, pesquisadores do tema, operadores da segurança pública e a sociedade.

É desejável que a divulgação e a apuração das informações acerca de estatísticas criminais, por exemplo, sejam rigorosamente avaliadas: quem produz a notícia deve levar em conta a sub-notificação de vários tipos de ocorrências; os interesses políticos que envolvem a divulgação das notícias; os vieses – nem sempre evidentes, mas sempre presente –, em análises feitas por operadores e especialistas.



Violências escamoteadas
O papel da imprensa na discussão sobre os dilemas da violência é de fundamental importância para o aprimoramento das políticas públicas nessa área. Apesar das eventuais limitações, observamos que muitos profissionais da mídia têm se esforçado numa cobertura responsável da temática, o que contribui, inclusive, para a difusão de programas, metodologias e projetos de prevenção à violência, implementação da cultura da paz, soluções mediadas de conflitos, criação de redes comunitárias solidárias etc. Ou seja, a cobertura do fenômeno da violência pode oferecer aos cidadãos soluções que suplantam o medo, o ódio, a sensação de impotência e de descrédito das instituições, quando o problema é tratado com responsabilidade e sem sensacionalismo.



A mídia pode apresentar práticas viáveis de superação do medo e da impotência frente ao fenômeno da violência difusa, criando condições de mobilização social e comunitária que, efetivamente, são fundamentais para o incremento da coesão social, a superação do medo e da apatia social frente ao fenômeno da violência, principalmente a criminalidade urbana.


Além dos crimes, que recheiam os noticiários na mídia, outras tantas formas de violência que afrontam cotidianamente os direitos humanos são naturalizadas em nossa sociedade. Aqui também a mídia tem um papel relevante, podendo fomentar uma discussão sobre essas violências historicamente escamoteadas em nossa sociedade: violências contra crianças, mulheres, negros, homossexuais, minorias étnicas, entre tantas outras.

segunda-feira, 15 de junho de 2015

Violações e violências: o jovem como “bode expiatório”

Nos últimos tempos, o problema da violência, principalmente dos crimes violentos, tem chamado a atenção da sociedade, da mídia e de estudiosos. Pesquisas de opinião apontam a insegurança como um dos principais dilemas da sociedade brasileira na contemporaneidade. 


(Fonte: EBC, 05/07/2012)

Esses mesmos estudos também demonstram a baixa credibilidade junto à população das agências do Estado encarregadas do enfrentamento do problema, notadamente os sistemas de segurança pública e de justiça criminal (polícias, Ministério Público, Poder Judiciário, sistema prisional). [1]. Na ilustração abaixo, verificamos o fluxo do sistema de justiça criminal brasileiro.


Fonte: Adaptado de Vargas (2004, p. 52).

Focados nos indicadores de crimes, os elaboradores e gestores das políticas públicas, habitualmente, trataram de implantar reformas incrementais nesses sistemas, melhorando a eficiência dos órgãos, criando algumas novidades, como os programas de prevenção ao crime, mas foram incapazes de propor mudanças substantivas, objetivando alterar o quadro das mazelas que historicamente sustentaram essas agências. Ainda temos um Judiciário seletivo, polícias violentas e pouco preparadas para as novas modalidades de crime, sistemas prisional e de medidas socioeducativas ineficientes, entre outros tantos problemas.

Para exemplificar a situação, foquemos a análise na questão a violência juvenil, responsável pelos maiores indicadores de crime. Ao tratar da questão a partir da ótica que estigmatiza os jovens como violentos, as políticas de prevenção ao crime abordam a juventude como um problema social, esquecendo que os maiores déficits de acesso aos direitos de cidadania estão justamente nessa faixa etária. É exatamente depois da conclusão do ensino fundamental que os jovens enfrentam todas as agruras na inserção à sociedade de consumo. A baixíssima cobertura do ensino médio; a escassez de ensino profissionalizante; os gargalos que impedem o ingresso ao trabalho são tópicos que impossibilitam milhões de jovens acessarem os direitos fundamentais de cidadania que lhes ampliariam as possibilidades de êxito. 



Como as políticas sociais são precárias para esse público, a solução sai da agenda política e entra, enviesadamente, no âmbito da justiça criminal. Assim, repressão, criminalização da juventude pobre e estigmatização social acabam sendo as respostas possíveis para todos os jovens que não conseguem entrar, por exemplo, no mercado de trabalho. 

Até programas pretensamente inovadores trazem em sua concepção e execução os ranços autoritários em relação à juventude. Algumas das políticas de prevenção, por exemplo, funcionam como instrumentos de controle, disciplinando os jovens, delimitando seus espaços sociais, selecionando-os e catalogando-os como perigosos.[2] Superdimensionam o fator oportunidade; a racionalidade e a instrumentalidade da decisão criminal (como se todos os crimes fossem calculados e ponderados racionalmente); supervalorizam as variáveis ocasionais, como se o espaço físico criasse os delitos; focalizam a intervenção a partir de critérios rigorosamente espaciais (que obstaculizam e deslocam a prática do delito, mas não os evitam) e usam técnicas e estratégicas invasivas, que afetam terceiros alheios à gênese do possível risco ou perigo. 

Em vez de se preocuparem com o acesso aos direitos de cidadania dos jovens; à melhoria de todo o sistema de segurança pública (polícias, sistema prisional, Judiciário etc.); à participação democrática da sociedade nas estratégias de enfrentamento da violência urbana e na articulação de ações que visam propiciar aos atores comunitários a participação ativa na resolução dos problemas relacionados à criminalidade, tais políticas não resolvem os problemas. Ao contrário, os tamponam. Prova disso são os altos índices de crimes juvenis que ainda persistem na sociedade.

Por tudo isso é possível afirmar que as ações de repressão, de contenção social e criminalização dos jovens e o recrudescimento penal não são suficientes para a construção de sociedades pacíficas. A paz é fruto da justiça e parte do problema da violência, em especial da violência juvenil, não é da polícia; é um problema que demanda respostas no âmbito da política.



Bibliografia:
VARGAS, Joana Domingues. Estupro: que justiça? Fluxo do funcionamento e análise do tempo da justiça criminal para o crime de estupro. Tese de doutorado defendida junto no IUPERJ. Mimeo, 2004.




[1] O sistema de justiça criminal abrange órgãos dos Poderes Executivo e Judiciário em todos os níveis da Federação. O sistema se organiza em três frentes principais de atuação: segurança pública, justiça criminal e execução penal. Ou seja, abrange a atuação do poder público desde a prevenção das infrações penais até a aplicação de penas aos infratores. As três linhas de atuação relacionam-se estreitamente, de modo que a eficiência das atividades da Justiça comum, por exemplo, depende da atuação da polícia, que por sua vez também é chamada a agir quando se trata do encarceramento – para vigiar externamente as penitenciárias e se encarregar do transporte de presos, também à guisa de exemplo. (Fonte: SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL NO BRASIL: QUADRO INSTITUCIONAL E UM DIAGNÓSTICO DE SUA ATUAÇÃO. IPEA, março de 2008).
[2] Segundo Foucault, o poder não emana unicamente do sujeito, mas de uma rede de relações de poder que formam o sujeito, dentre outros elementos, tal como o discurso, a arquitetura ou mesmo a própria arte. Em seu livro “Vigiar e Punir que trata sobre o nascimento da prisão e outras instituições disciplinares, o filósofo discorre de forma minuciosa e instigante sobre a questão do poder disciplinar.

quinta-feira, 11 de junho de 2015

Guardas municipais armadas: esse é o caminho?

Além do uso de armas menos letais (pistolas teaser, gás de pimenta, etc.), alguns municípios estão anunciando o porte e o uso de arma letal (armas de fogo) pelas guardas municipais. O principal argumento: instrumentalizar as guardas para o combate à violência urbana.

Ao invés de se copiar, às vezes grosseiramente, os modelos de policiamento já existentes, os gestores municipais deveriam pensar em alternativas mais contemporâneas e de viés mais democrático para as guardas municipais. Por exemplo: superar o paradigma segundo o qual a as agências de segurança pública devem controlar, seletivamente, os cidadãos, com ações de viés repressivo, substituindo-o pelo conceito de segurança cidadã, que privilegia o papel da sociedade civil na relação com a política de segurança pública, velando pela observância das garantias fornecidas no âmbito do Estado de Direito e a busca da implantação de novos princípios e valores que fortaleçam a segurança democrática. Ou seja, ao invés de "novas-velhas" polícias, os municípios poderiam criar guardas municipais que privilegiariam uma relação próxima e de reciprocidade com o cidadão.

Apesar de algumas boas experiências de guardas municipais, estamos presenciando em muitos municípios a formação de polícias municipais militarizadas: contingentes armados, estrutura hierarquizada e militarizada, foco operacional no controle social e repressão, etc. Além de uma cópia mal-acabada das organizações militares, algumas dessas guardas já nascem com dois outros sérios agravantes: formação e qualificação insuficiente de seus quadros (haja vista a complexidade dos fenômenos da violência)  e mecanismos de controle social inexistentes ou incipientes.  

Ademais, instituições policiais vinculadas ao poder político local foram “usadas” no passado recente do Brasil para objetivos políticos: o malfadado coronelismo.



A Constituição Federal de 1988 autorizou os municípios a constituírem Guardas Municipais visando à proteção de seu patrimônio, bens e serviços.  Na concepção original do Sistema Único de Segurança Pública (SUSP), de 2003, as Guardas Civis Municipais seriam instituições públicas de caráter civil, uniformizadas, podendo ser armadas, desde que atendidas as rigorosas exigências previstas nas diretrizes nacionais.

Recentemente, a Lei Federal 13.022, de 08/08/2014, o Estatuto das Guardas Municipais, normatizou e ampliou o espectro de ação das guardas. Porém, o artigo 3º da referida lei deixa claro os princípios que devem reger tais corporações:
Art. 3o  São princípios mínimos de atuação das guardas municipais: I - proteção dos direitos humanos fundamentais, do exercício da cidadania e das liberdades públicas; II - preservação da vida, redução do sofrimento e diminuição das perdas; III - patrulhamento preventivo; IV - compromisso com a evolução social da comunidade; e V - uso progressivo da força. 
Quais seriam os principais papéis das guardas municipais? Além da segurança patrimonial, deveriam atuar em parceria com as polícias militar e civil na prevenção à criminalidade urbana e, principalmente, na mediação de conflitos. Portanto, essa agência municipal de segurança trabalharia com as diferentes expressões da violência e da (in)segurança urbana, tendo como função primordial a resolução pacífica dos conflitos sociais.  

As guardas têm um papel específico e fundamental na política de segurança pública municipal, agindo solidariamente nas ações de prevenção e vigilância sem, no entanto, terem que exercer, necessariamente, atividade policial.

É preocupante que os prefeitos e secretários de segurança pública de muitos municípios cedam às pressões das guardas municipais (muito bem articuladas e organizadas, inclusive no plano nacional), liberando armamento, sem contrapartidas claras, como, por exemplo, a criação de mecanismos externos e independentes de correição e controle de seus agentes e políticas de articulação definidas e pactuadas com as outras agências estaduais, principalmente as polícias militar e civil.

Guardas municipais com baixo controle interno e externo, formação e qualificação às vezes insuficientes e com grande contingente de pessoal armado podem, eventualmente, mas muito facilmente, iniciarem uma disputa institucional com outras agências policiais.

Conhecendo a disputa que já existe entre as polícias que temos, todos podem imaginar, sem nenhum esforço, o que nos aguarda: ao invés de melhoria da segurança pública, a possibilidade real do recrudescimento das disputas ferozes entre tais instituições na busca pelo reconhecimento e pela ampliação do espaço de atuação.

Quem ganha com essa possível guerra? A indústria das armas?


terça-feira, 9 de junho de 2015

Carta ​a​os Deputados contra a redução da maioridade penal

Estamos em dias decisivos frente à próxima votação, na Câmara dos Deputados, da redução da maioridade penal, possibilitando o julgamento de adolescentes de 16 anos como se fossem adultos, desprezando a existência do SINASE.

É urgente que nos mobilizemos para que isto não aconteça!

Sugerimos que todos, individualmente ou em grupos, enviem cópia da carta abaixo, por e-mail, a todos os Deputados Federais. É desejável que fosse enviada uma carta individual a cada Deputado, mencionando o nome dele. 

Recomendamos também que cada remetente ou grupo coloque seu próprio nome no final da carta, após o nome da Frente de Defesa.



Nome do município, data ___________.


Senhor (a) Deputado(a) _______________ :

Estamos, neste ano de 2015, vivendo grandes contrastes em relação aos direitos humanos de crianças e adolescentes.

Por um lado, comemoramos com alegria e entusiasmo os 25 Anos do Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei 8.069 de 13 de julho de 1990 que constituiu um divisor de águas na vida destes meninos e meninas brasileiras. Da concepção de Doutrina Irregular passou à Doutrina de Proteção Integral; dos pejorativos “trombadinha”, “marginal”, “pivete” dados aos meninos e meninas mais pobres e excluídos da sociedade, passaram a ser consideradas como crianças e adolescentes como todos os outros da mesma faixa etária deste país; de serem considerados como objetos de intervenção do estado passaram a ser sujeito de direitos e de deveres também; da ótica da repressão e da punição passou para a lógica da educação, da socialização.

Ao longo destes 25 anos muitas conquistas aconteceram e continuam acontecendo, mas os desafios para a implementação efetiva desta lei continuam a nos instigar e impulsionar a cada dia. Somos incansáveis neste sentido. E o desejo, a crença de que crianças e adolescentes deste país, de 0 a 18 anos, mereçam ter seus direitos garantidos e devam ser respeitados enquanto pessoas humanas, a cada dia ganham mais força entre nós porque acreditamos que as oportunidades, o respeito, a dignidade devam ser garantidos a todos, principalmente às crianças e adolescentes.

Por outro lado, e aí vem o grande contraste, estamos diante de uma situação que pode ser cruel com uma parcela desta população, voltando com a lógica da punição, da repressão, da condenação, da prisão. Se isto acontecer será um grande retrocesso que estaremos vivendo neste país em relação aos adolescentes em conflito com a lei. Isto acontecerá se a PEC 171/1993 for aprovada.

A justificativa apresentada pelo autor à época não se mantém até hoje, em nenhum momento considera o Estatuto da Criança e do Adolescente e ignora que hoje já existe um sistema específico para tratar o adolescente autor de ato infracional: o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo-SINASE (Lei 12.594/2012 de 18 de janeiro de 2012)

Diante disto e de várias outras considerações já apontadas, vimos diante do senhor (a) PEDIR QUE NÃO APROVE ESTA PEC SEM ANTES CONHECER PROFUNDAMENTE O QUE JÁ ESTÁ POSTO NAS LEIS.

Para atingir mais rapidamente a diminuição da violência, o que o Brasil precisa não é de encarceramento dos adolescentes autores de atos infracionais, mas de cumprimento eficaz da Lei 8.069/1990 Estatuto da Criança e do Adolescente e da Lei 12.594/2012 de 18 de janeiro de 2012)-SINASE por parte dos juízes, gestores municipais, estaduais e nacional.

Fonte: Frente de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente do Estado de Minas Gerais.
Contato: Rua Espírito Santo 1.059, Sala 808, Centro

CEP 30160-992  - Belo Horizonte - MG

domingo, 7 de junho de 2015

AS PRISÕES, AS REBELIÕES E A OMISSÃO DOS GOVERNOS

Há mais de uma década, o governo de Minas optou pela política do encarceramento em massa. Aliás, essa é uma política nacional. 

Sem dúvidas, a aprovação da chamada "lei das drogas", em 2006, e a "abundância" das prisões preventivas e seletivas foram fundamentais para o exponencial aumento do aprisionamento Brasil afora.



Mas, enquanto nos últimos sete anos (2005 - 2012) o número de presos cresceu 74% em média no Brasil, o HIPERENCARCERAMENTO mineiro aumentou a população prisional em mais de 600% (Mapa do Encarceramento: os Jovens do Brasil,2015). Quase 10 vezes a média nacional. 

E as taxas de crimes violentos, nas Alterosas, não obstante o exponencial aumento no número de presos, continuam nas alturas.



Agora, assistimos a volta de rebeliões, com mortes de presos. Talvez, e lamentavelmente, o retorno da "ciranda da morte", de triste memória.[1] Porque o caos carcerário é difuso em todo o estado de Minas Gerais. Um levantamento da Secretaria de Estado de Defesa Social, divulgado no mês passado (maio/2015), aponta que pelo menos seis penitenciárias estão superlotadas em Minas.

O problema não é atual. Começou em 2012, quando o modelo de hiperencarceramento mineiro já dava sinais de escarçamento, entre outros motivos pela incapacidade de gastos públicos com as prisões.

Não é por acaso que nesse período (entre 2011 e 2012) a solução apresentada pelos tucanos foi a privatização prisional, com a construção da primeira penitenciária no modelo PPP.

Mas, por que ninguém sabia ou percebia o problema? Porque, durante o governo tucano, a pífia mídia nativa e a conivência de instituições como o Ministério Público e do Judiciário tamponavam o caos carcerário. Alguns desses atores, omissos no passado recente, agora são os primeiros a bater tambores, quando dois presos foram mortos na Penitenciária de Governador Valadares (no leste do estado), em rebelião que iniciou no sábado (06/06/15) e terminou neste domingo. Haja hipocrisia!

Todos sabem: encarceramento seletivo e em massa (de pequenos traficantes e usuários de drogas e autores de crimes contra patrimônio) só servem para impulsionar a indústria do preso. Indústria, diga-se de passagem, que deve estar reluzente depois que o atual secretário de defesa social, usando da velha e demagógica estratégia, anunciou a construção de mais seis prisões no modelo PPP[2]

A política do panis et circenses do governo tucano continua, pelo menos, na defesa social.



[1] Ciranda da Morte foi o nome cunhado pela mídia, em 1985, portanto há 30 anos, quando uma rebelião que durou três meses, levou 10 presidiários à morte, estrangulados por colegas com uma “teresa” (corda feita com lençóis) enquanto dormiam. Os líderes da Ciranda da Morte eram presos condenados, que deveriam cumprir pena em presídio, mas estavam na carceragem da Delegacia de Furtos e Roubos, à época no Barro Preto, e no Centro de Triagem da Lagoinha. Ilegalmente, cumpriam sentença em cadeia pública, misturados a outros no aguardo de julgamento, extrapolado o tempo legal. Queriam forçar a transferência, e o conseguiram. (Blog da Sulamita).

[2] Fonte: Jornal Hoje em Dia: http://www.hojeemdia.com.br/horizontes/governo-do-estado-anuncia-construc-o-de-mais-seis-presidios-por-ppp-1.310720.

quarta-feira, 3 de junho de 2015

Drogas: legalize, pelo menos, o debate

Durante um mês, ônibus circularam no Rio de Janeiro com cartazes (busdoor) afixados na parte traseira, colocando em dúvida a eficácia da repressão ao tráfico de drogas.

Como sabemos, ao fim e ao cabo, a guerra às drogas é uma combinação da velha estratégia belicista (camuflada de política de segurança pública) com a não menos velhaca política de criminalização de pobres, negros, usuários - com o objetivo nada democrático de esconder quem produz e distribui as drogas (ou seja, os barões desse comércio).

Ao invés de mirar a produção e a distribuição das drogas (onde se encontram os grandes traficantes), a política de repressão às drogas é direcionada quase que exclusivamente a alguns usuários e microtraficantes. Eventualmente, para ludibriar a sociedade, prende-se um grande negociante desse lucrativo comércio sem, contudo, extirpar sua rede poderosa de relações criminosas...

A guerra às drogas produziu mais armamento, mais mortes, mais prisões, mais criminalização de estratos sociais empobrecidos, ações de segurança pública e justiça seletivas e não diminuiu nem o uso, nem os crimes conexos ao tráfico. 

Como dito anteriormente, ao invés de atacar a produção e distribuição de entorpecentes, tratar usuários e disseminar ações de prevenção ao uso de drogas, esse tipo de política criminaliza os usuários e pequenos traficantes. Resultado: pura panaceia..

Fico indignado quando vejo milhares de jovens usuários e pequenos traficantes entupindo nossas prisões e nada se faz ou se fala, por exemplo, sobre aquele helicóptero apreendido com 500 quilos de pasta base de cocaína, cujo donos (políticos famosos) continuam intactos e "acima do bem e do mal"... 

A ação seletiva das polícias e da justiça no trato com as drogas denuncia quão discricionária (e ridícula) é a política de repressão aos entorpecentes...

A campanha foi levada para São Paulo. Em menos de dois dias, o governo paulista proibiu a circulação dos ônibus com as mensagens e, mais que isso, de forma imperial, mandou retirar dos ônibus todos os cartazes. 

Penso que a postura do governo paulista é repugnante, autoritária e antidemocrática. 

Minha solidariedade a Julita Lemgruber e todos os envolvidos na campanha. 

Abaixo, artigo sobre o tema:




Se é irracional uma lei que proíbe plantas e substâncias, o que dizer de um governo que ceifa o debate entre seus próprios cidadãos?

Algumas drogas são ilegais no Brasil, mas São Paulo parece não se conformar apenas com a repressão às substâncias e quer estender o proibicionismo também ao debate sobre ele. Sem qualquer amparo constitucional, esse Estado procura vetar o simples questionamento público da eficácia e dos danos provocados pela guerra às drogas.
Foi o que ocorreu na última quinta (28), quando fomos informados pela imprensa, não por algum órgão oficial, que os anúncios da campanha "Da Proibição Nasce o Tráfico", do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania, seriam removidos dos ônibus intermunicipais.
A mesma série de cartuns que circulou em "busdoors" do Rio de Janeiro por 30 dias, não completaria 48 horas nas vias paulistas.
Obter uma explicação objetiva mostrou-se impossível para nós e para a imprensa, que reportou o caso. A Empresa Metropolitana de Transportes Urbanos de São Paulo, a Intervias e o Palácio dos Bandeirantes foram evasivos ao apontar motivos ou a origem da decisão.
Assertivo apenas foi o dono da empresa Panorama, que nos vendeu o espaço publicitário dos ônibus. Ele disse ter recebido um telefonema com a ordem de retirar os "busdoors", com o argumento de que se fazia "apologia às drogas".
Tão falso quanto previsível, apologia às drogas sempre foi o mote favorito dos que se esforçam para interditar o debate.
O momento escolhido para essa cínica censura é significativo. Enquanto os cartuns eram removidos, acontecia no salão nobre da Faculdade de Direito da USP um evento importante. Era o lançamento da Plataforma Brasileira de Política de Drogas, uma associação inédita de organizações e notáveis de todo o país para propor alternativas à política de drogas vigente.
São juristas, médicos, ativistas, pacientes, jornalistas, políticos, professores, alunos, cultivadores, usuários que, juntos, reconhecem que o atual modelo repressivo está falido. Por isso, e para descobrirmos alternativas, é preciso abrir a discussão com a sociedade a partir de novas premissas.
É esse o objetivo da campanha, que não encoraja o uso de drogas, mas estimula o senso crítico do cidadão. Além disso, traduz um diagnóstico grave: a repressão às drogas como fim em si mesma é irracional, pois causa mais danos e cria mais riscos à sociedade do que as próprias substâncias que busca erradicar.
Temos uma das polícias que mais matam e mais morrem no mundo. Vimos a emergência de grandes organizações criminosas que vão das favelas aos gabinetes de políticos. Prendemos cada vez mais e vivemos um colapso no sistema carcerário, aumentando a vulnerabilidade e estigmatização de comunidades, testemunhando uma escalada da violência que ceifa vidas, sobretudo de jovens pobres e negros do Brasil.
Lutamos por uma sociedade mais justa, pacífica, lúcida e segura. Por isso desejamos uma nova política de drogas. Mas se consideramos irracional uma lei que proíbe certas plantas e substâncias, o que dizer de um governo que proíbe o discurso? O que dizer de um governo que determina a que tipo de mensagem os cidadãos podem ou não ter acesso?
O que dizer de um governo que, refém de sua ideologia, sequestra o debate? E, com ele, o princípio fundamental da democracia: a livre circulação de ideias. E se dizemos na campanha que "da proibição nasce o tráfico", São Paulo deixa cada vez mais claro: do autoritarismo nasce a proibição.
JULITA LEMGRUBER, 70, socióloga, BRUNO TORTURRA, 36, jornalista, e PAULO ORLANDI MATTOS, 56, farmacêutico, são coordenadores da campanha "Da Proibição Nasce o Tráfico", do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania.
Fonte: Folha de São Paulo.