terça-feira, 17 de agosto de 2021

7 de setembro: independência ou morte?


Bolsonaro-desfile

Sete de Setembro será mais uma tentativa de demonstração de força rumo à ruptura democrática. (Foto: Marcos Corrêa/PR)

Tudo indica que Bolsonaro e grupos bolsonaristas preparam para o dia sete de setembro, em Brasília, uma manifestação que pode se transformar num dos atos mais violentos contra as instituições democráticas da República.

Há muito circula nas redes sociais uma série de vídeos do cantor sertanejo Sérgio Reis, juntamente com lideranças de grupos empresariais, convocando os "patriotas" caminhoneiros, o movimento sertanejo e "homens de bens" para uma megamanifestação e um acampamento em Brasília a partir do dia 5 setembro em apoio ao ex-capitão.

Note-se que nas redes sociais do cantor há uma série de posts da rede Sest/Senat, indicando a ligação do ex-deputado com empresas do segmento de transportes no Brasil. 

Nas convocações de Sérgio Reis, sempre ladeado por empresários e apoiadores do bolsonarismo, fica clara a intenção de transformar o evento militar numa demonstração do apoio de setores radicais da sociedade a Bolsonaro, utilizando como método a afronta às instituições democráticas, como por exemplo, ecoando o pedido para que o Exército interfira (ainda mais) nas instituições que freiam os arroubos autoritários do trainee de ditador de plantão. 

Como se não bastasse, para o mesmo evento começa uma mobilização de religiosos ultraconservadores, a partir de convocação feita pelo empresário da religião, Silas Malafaia.

Acrescente-se que as redes sociais bolsonaristas estão ainda mais  alvoroçadas depois que o estrategista de Donald Trump, Steve Bannon, declarou recentemente que as eleições de 2022 no Brasil serão estratégicas para a extrema-direita global, porque "Jair Bolsonaro irá enfrentar o esquerdista mais perigoso do mundo, Lula".

Como sabemos, acontece em 7 de Setembro, em Brasília, a tradicional parada militar das Forças Armadas. Neste sentido, o cenário que se projeta na capital federal é de uma conjunção de vários setores da extrema-direita, apoiadores de Bolsonaro e do bolsonarismo, a saber: segmentos do militarismo que resolveram bandear para a política; grupos da extrema-direita, representados por caminhoneiros e corporações; associações religiosas ultraconservadoras (e reacionárias) e parcelas radicais da sociedade, difusas na classe média.

O cenário que se projeta será propício para que outros apoiadores do bolsonarismo do campo da política institucional se associem a esse ato de afronta as instituições democráticas e à democracia.

O evento em Brasília tem ingredientes atrativos para outras adesões. Por exemplo, lideranças políticas poderão se somar aos radicais da extrema-direita direita, potencializando o ato. Na disputa pelo voto impresso, na Câmara dos Deputados, por exemplo, além dos parlamentares já identificados com a extrema-direita, uma parte significativa de parlamentares do chamado centro e da direita inclinou-se ao bolsonarismo, evidenciando um claro descolamento daquilo que tradicionalmente classificamos como a direita democrática e "civilizada".

Isto mostra claramente que, somando-se aos setores radicais da sociedade, Bolsonaro ainda goza do respaldo de parcelas do mundo político, militar, empresarial, religioso e corporativo, além do apoio canino de Lira. Uma coalizão que lhe sustenta e torna pouco provável o avanço de um processo de impeachment, neste momento.

Bolsonaro deixa claro que não aceitará os resultados das eleições do próximo ano se o pleito não lhe for favorável. Vislumbrando a derrota eleitoral, a única saída que lhe resta é o fortalecimento das suas bases radicais de apoio na sociedade e em setores do Estado para uma ruptura (à força). 

A parada militar coincidindo com o ato popular convocado para o dia 7 de Setembro poderá ser um divisor de águas em termos de radicalização das pretensões de Bolsonaro (e do bolsonarismo) e mais uma tentativa de demonstração de força rumo à ruptura democrática. A depender dos "resultados" norteará  o futuro da República. 

De fato, a corda está sendo esticada à exaustão. Mais cedo ou mais tarde arrebentará. As instituições democráticas insistem no bordão que "estão funcionando". A radicalização próspera. Sinais de ruptura abundam... E paira a dúvida, nessa altura: quem sairá vitorioso dessa insana disputa, o bolsonarismo e a extrema-direita ou a democracia.

Portanto, nunca o lema da independência foi tão atual: independência do Brasil (de Bolsonaro) rapidamente, ou morte agônica (da democracia).

Arthur Lira é, no momento, o maior avalista de Bolsonaro

 

Jair Bolsonaro e Arthur Lira

Jair Bolsonaro e Arthur Lira (Foto: Alan Santos/PR)


Até  os jornalões --  que representam os interesses das elites econômica e política do Brasil -- chegam a uma conclusão óbvia: se o presidente da Câmara, Arthur Lira, continuar negando a abertura do processo de impeachment, ele se reafirma como o grande avalista do governo mortífero e corrupto de Bolsonaro e, nesse caso, precisa ser responsabilizado. 

No último dia 1° de julho foi protocolado um superpedido de impeachment que apontava imputações de 23 crimes de responsabilidade contra Bolsonaro.

Listo, abaixo, dez infrações claramente praticadas e documentadas com imagens, declarações, lives, documentos e outras fontes, por Bolsonaro:

  1. Negligência com o direito à saúde da população (fartamente documentada pela CPI da Covid-19);
  2. Suspeita de negligência e/ou participação em atos de corrupção na compra de vacinas pelo Ministério da Saúde;
  3. Charlatanismo no incentivo ao uso de medicamentos ineficazes para tratamento da Covid-19;
  4. Exercício ilegal de profissão (por receitar medicamentos) em atos de governo;
  5. Participação em atos antidemocráticos;
  6. Incitação ao descumprimento de leis e decisões judiciais;
  7. Interferências abusivas em instituições de Estado;
  8. Ataques sistemáticos contra o Supremo Tribunal Federal;
  9. Levantamento de suspeitas infundadas de fraude eleitoral;
  10. Dezenas de atentados ao decoro exigido para o exercício do cargo.

Estas, entre outras infrações gravíssimas, configuram fartas razões jurídicas (e políticas) para que o presidente da Câmara coloque de lado os interesses politiqueiros  do "centrão" e inicie, tardiamente, o processo de impeachment de Bolsonaro. 

Segundo o professor da PUC Minas Marcelo Campos Gallupo, autor do livro "Impeachment — O que é, como se processa e por que se faz", a jurisprudência do STF ampliou os poderes do presidente da Câmara na análise do início de um processo de impeachment, previstos na Lei 1.079/50. Assim, Lira pode rejeitar denúncias patentemente ineptas ou desprovidas de justa causa (materialidade delitiva e indícios de autoria).

Em artigo publicado na Conjur, Galuppo informa que ainda assim "o presidente da Câmara não pode fazer um juízo político, de conveniência e oportunidade, sobre o mérito da denúncia. "Não existe, juridicamente, margem para que o presidente de Câmara faça essa análise política sobre se é conveniente ou não aceitar ou rejeitar uma denúncia", afirma o constitucionalista Luiz Fernando Gomes Esteves. "Uma vez que a denúncia apresente todas as formalidades, o presidente da Câmara deveria, sim, aceitá-la, e consequentemente formar a comissão para analisá-la", conclui.

No caso de Bolsonaro as denúncias são abundantes em materialidade delitiva e indícios de autoria.

Portanto, é preciso que a pressão política e jurídica neste momento seja dirigida ao presidente da Câmara para que cumpra seu dever, sob pena de responder criminalmente pela sua omissão, negligência e cumplicidade com Bolsonaro e seus crimes.

Extrema-direita: religião, militarismo e neoliberalismo

Apoiadores fazem gesto em direção a Bolsonaro em frente ao Palácio da Alvorada

Apoiadores fazem gesto em direção a Bolsonaro em frente ao Palácio da Alvorada (Foto: Reprodução)

A extrema-direita global desfruta de símbolos do cristianismo para formar uma "milícia religiosa", a reeditar a guerra do bem contra o mal. 

O bem seria tudo aquilo associado ao pensamento conservador (religião, família tradicional, propriedade privada, meritocracia, precedência do individual sobre o público). O mal, por sua vez, está associado à modernidade, ciência, feminismo, esquerdismo, luta de classe,  estado social, etc...).

Montada, como numa CRUZADA RELIGIOSA, em tradições da "família/moral conservadora", a extrema-direita une líderes como Bolsonaro; extremistas norte-americanos, incluindo grupos supremacistas (e lideranças religiosas evangélicas e católicas, até mesmo junto ao episcopado); Viktor Orban (Hungria); Vladimir Putin (que se aliou à Igreja Católica Ortodoxa Russa); Le Pen (França); extremistas da Espanha, Inglaterra e até neonazistas alemães. 

No Brasil, além de lideranças evangélicas neopentecostais (principalmente das grandes igrejas midiáticas - muitas delas verdadeiras empresas religiosas), a extrema-direita goza de prestígio junto a  membros do clero e do  episcopado católicos, vários padres midiáticos, instituições religiosas (algumas midiáticas), youtubers famosos e uma bancada de ultraconservadores no Parlamento (de câmaras de vereadores ao Congresso Nacional.

Essa aliança une o conservadorismo RELIGIOSO, o poder político ancorado no MILITARISMO (no caso esse governo militarizado -- que se vangloria na defesa de moralismos à la Olavo de Carvalho) e  no poder econômico alicerçado no ULTRALIBERALISMO, essa nova versão do neoliberalismo (à la Paulo Guedes e figuras esdrúxulas, do tipo o Véio das megalojas de produtos variados, Wizzard e outros negociantes que, segundo dizem, para alcançarem o sucesso INDIVIDUAL E PRIVADO vendem até a mãe).

Portanto, a base social que agrega essa massa difusa precisa de um discurso MORALISTA, CRISTÃO,  CONSERVADOR para manter mobilizada uma legião religiosa que tem em líderes carismáticos radicais, como Bolsonaro, Putin e outros, e para defender radicalmente uma visão salvacionista e redentora do mundo. Uma recristianização global, que é  a base da Teologia do Domínio presente nos discursos desses grupos religiosos (a crença segundo o qual a religião deve dominar o poder político, a cultura, a educação, as artes,  os comportamentos...).

A RELIGIÃO é o principal elemento de constituição dessa base social da extrema-direita global. Mas, são o MILITARISMO e o ULTRALIBERISMO que caracterizam o domínio do poder estatal (da extrema-direita) em níveis nacionais, com intentos globais. Não por coincidência, governos teocráticos, militares e ultraliberais são formas distintas de autoritarismos.

Por isso, na ausência momentânea de Trump, Bolsonaro é um dos candidatos à liderança da extrema-direita global conforme ficou claro na visita de uma liderança neonazista alemã ao presidente brasileiro nesta semana.

Uma observação final: o Papa Francisco é a principal liderança global no enfrentamento à extrema-direita. Por isso, é tão perseguido, inclusive dentro da Igreja Católica.  Estima-se,  por exemplo, que dos 240 bispos norte-americanos, somente uns 40 apoiam explicitamente Francisco. Não ouso afirmar sobre a situação no Brasil. Mas, certamente o apoio do episcopado brasileiro ao papa Francisco é bem maior e mais explícito. Vide manifestações da CNBB nos últimos tempos.

segunda-feira, 12 de outubro de 2020

Religião, política e poder nas eleições 2020: uma pandemia, num imenso pandemônio


Há uma série de variáveis que devem ser consideradas nas eleições deste ano. A primeira, e mais importante, é o efeito da pandemia no pleito. A mudança do calendário eleitoral é a face visível da influência pandêmica. Porém, o debate sobre a efetividade das administrações municipais no enfrentamento da doença, associado com o comportamento das lideranças dos municípios em relação às posições dos governos estadual e federal durante a crise sanitária certamente mobilizarão parte das pautas e debates eleitorais.

Mas, não nos enganemos: o resultado das eleições tende a ser definido por questões objetivas que estão relacionadas ao contexto de cada município (as políticas públicas de saúde, educação, transporte, moradia, etc.), mas, também e não menos importante, com os apelos emotivos, relacionados a crenças, percepções e sentimentos que candidatos e partidos costumam utilizar, em doses cavalares, nos pleitos municipais.

Por isso, é muito importante observarmos alguns elementos que podem caracterizar essa eleição como uma disputa a reconfigurar não somente a política municipal, mas a política nacional.

1. A participação de lideranças ligadas às igrejas, principalmente neopentecostais: há claramente uma disputa eleitoral que se consolida no campo religioso. As pautas morais se constituem no principal instrumento de alavancagem de candidaturas e de políticos eleitos ligados ao chamado neopentecostalismo. Estudos e depoimentos apontam um projeto político de tomada de poder do Estado por algumas igrejas evangélicas.[1]

Tendo como base dados iniciais divulgados pelo TSE, o portal UOL identificou pelo menos 5.555 candidatos que usam alguma referência religiosa no nome da urna. Contudo esse número despreza candidatos que não declararam sua filiação religiosa em seu registro eleitoral.

Evangélicos têm disputado vários postos na política nacional e também na política municipal. Nas eleições para conselheiros tutelares, no ano passado, por exemplo, chamou a atenção o interesse de religiosos e membros de igrejas na ocupação de lugares estratégicos na arena política: dezenas de igrejas inscreveram seus representantes nas eleições para os Conselhos Tutelares. Os temas morais, importantes na pauta da defesa de criança e adolescentes, mobilizaram os candidatos dessas igrejas. 

Na avaliação da mídia empresarial, a disputa se dava entre católicos e evangélicos, e espelhava o crescimento de igrejas protestantes no Brasil[2]. A eleição para conselheiros tutelares explicitou uma “batalha religiosa” em curso no Brasil. Nos últimos 20 anos, a bancada evangélica no Congresso Nacional triplicou: a atual legislatura conta com 195 dos 513 deputados, o equivalente a 38% do total de parlamentares. “A atual bancada evangélica é a mais governista dos últimos cinco mandatos presidenciais. 90% dos votos registrados pelos evangélicos foram a favor do governo (Bolsonaro)”.[3] E como se percebe, cada vez mais líderes, deputados e ministros ligados às igrejas evangélicas ocupam espaço nas áreas estratégicas do governo.

A utilização da religião, notadamente do cristianismo, tem caracterizado a nova extrema-direita global, como revelou recentemente o vaticanista Iacopo Scaramuzzi em um livro recém-publicado, intitulado Dio? In fondo a destra – perché i populismi sfruttano il cristianesimo (em tradução literal, Deus? No fundo à direita – Porque os populismos desfrutam do cristianismo), cuja capa estampa quatro dos principais expoentes desse fenômeno: Salvini, Trump, Bolsonaro e Putin.[4]

Não sem motivos, em seu discurso na abertura da Assembleia Geral da ONU, em 22 de setembro, o presidente Jair Bolsonaro usou o polêmico termo “cristofobia” que sinaliza uma estratégia eleitoral voltada ao público evangélico. Segundo Ronilso Pacheco, pastor evangélico e estudioso das religiões, o termo cristofobia vai ser usado como estratégia eleitoral decisiva nas próximas eleições.[5]

Mais recentemente, Bolsonaro evocou um lema do integralismo, “Deus, pátria e família”, num discurso para mobilizar sua base de apoio ultraconservadora e fundamentalista. O integralismo, diga-se de passagem, se constituiu no Brasil a partir da década de 1930 como uma espécie de “fascismo à brasileira”, com movimentos de viés religioso, e foi fundamental na construção de uma base social para o golpe militar de 1964. Portanto, manipulação da religião parece se constituir numa das tônicas dessas eleições.

Há uma pequena reação de candidaturas religiosas progressistas articuladas por coletivos evangélicos. É preciso acompanhar esse movimento.

2. Outro grupo não menos importante que está bastante coeso na disputa eleitoral deste ano, também associado a questões religiosas, é ligado ao militarismo. Segundo o portal G1, “a eleição de 2020 já é a disputa municipal com o maior número de candidatos policiais e militares dos últimos 16 anos. Em números absolutos, são 6,7 mil postulantes aos cargos de prefeito, vice-prefeito e vereador em todo país, superior ao total registrado em 2012. O aumento dessas candidaturas também é de 12,5% em relação à eleição de 2016.” Esses números podem ser ainda maiores porque há casos de policiais ou militares que se autodeclaram apenas servidores públicos.[6]

Uma pesquisa do Fórum Brasileiro de Segurança Pública apontou que o segmento militar está muito associado ao bolsonarismo.[7]

Há que se observar que alianças entre o neopentecostalismo e o militarismo se dão em várias frentes. A bancada intitulada BBB (Bala, Bíblia e Boi) é o caso mais emblemático. Mas, não é somente isso. Reportagem da Revista Fórum, de janeiro de 2020, intitulada “Igreja Universal cria seu exército particular com recrutamento de PMs” apresenta um vídeo institucional da “Universal nas Forças Policiais (UFP)”, braço da igreja de Edir Macedo nas “Forças de Segurança Pública, Forças Armadas e órgãos governamentais”. Segundo o vídeo, a Universal atingiu 983.441 policiais e familiares no ano de 2019, em 73.526 palestras, eventos e cafés realizados, e doado 439.471 “Bíblias e literaturas”.[8]

Observemos que o governo Bolsonaro é claramente um governo militarizado. Como informou recentemente o El País, o Brasil de Jair Bolsonaro já tem, proporcionalmente, mais militares como ministros do que a vizinha Venezuela, onde há muito tempo as Forças Armadas abdicaram da neutralidade e se tornaram fiadoras da permanência de Nicolás Maduro no poder[9]. Isso sem contar os militares colocados em milhares postos-chave do governo brasileiro. Portanto, militarismo e religião são duas bases sociais importantes na disputa eleitoral deste ano que podem ajudar na reconfiguração a composição de forças política mais amplas. Não à toa, a guinada bolsonarista para o chamado “centrão” que acolhe boa parte dessas candidaturas aponta uma estratégia ambiciosa da extrema-direita no Brasil.

3. Um outro ponto importante a gerar prejuízos no processo eleitoral será, certamente, a utilização ampla das chamadas fake news. Não por acaso, notícias falsas são muito utilizadas por lideranças religiosas apelando para o universo simbólico que envolve a fé, crença e a religião.

Apesar de o TSE ter agido preventivamente com uma série de parcerias com redes sociais e aplicativos de mensagem com vistas a identificação e punição de propagadores de notícias falsas, os especialistas têm alertado que esse “submundo” altamente apelativo dificilmente será controlado nas eleições. E, como se sabe por uma série de estudos nacionais e internacionais relativos a pleitos ocorridos na última década, a utilização de notícias falsas tem o poder de interferir no debate democrático, alterando resultados eleitorais.[10]

4. O discurso que combina criminalização da política com a ideia de renovação política é bem presente no imaginário do eleitor. Neste sentido, há que se observar que partidos do espectro da direita e da extrema-direita, principalmente novos partidos surgidos na última década, têm sido exitosos nas eleições justamente pela capacidade de apresentarem “novos” candidatos ou outsiders da política.

Em contrapartida, há pouca renovação de lideranças políticas a disputarem o pleito nos partidos de esquerda. Tais partidos ainda são muito apegados em candidaturas já experimentadas e que muitas vezes têm pouca possibilidade de sucesso eleitoral num ambiente tão polarizado ou já foram rejeitadas nas urnas. Além da pouca capacidade de renovação e do distanciamento das bases sociais, em geral, a preservação de quadros históricos parece orientar as burocracias partidárias da esquerda. Ou seja, a esquerda apresenta-se pouco criativa frente ao movimento ultraconservador que se organiza no Brasil desde 2013.

5. É importante registrar, por fim, um elemento novo nessas eleições municipais:  as chamadas candidaturas coletivas, majoritariamente no campo progressista, que merecem toda atenção. Porém, há que se verificar, depois do pleito, a viabilidade desse tipo de candidatura.

Estes são alguns pontos que merecem atenção dos setores democráticos e progressistas neste pleito de 2020. Apesar de as eleições municipais, ordinariamente, focarem nos debates acerca dos temas municipais, há uma série de elementos que indicam articulações com o objetivo de ampliação das bases políticas de partidos do espectro conservador e ultraconservador. Não à toa, a aliança de ocasião com o “centrão” reposicionou o governo Bolsonaro no Congresso Nacional, arrefeceu os atritos com o Supremo e, sob o ponto de vista eleitoral, poderá significar um adensamento dessa base partidária com vistas às articulações para 2020.

Enquanto isso, há um “bate-cabeça” entre os setores progressistas e de esquerda.  Portanto, essas eleições na pandemia apresentam-se como verdadeiro pandemônio. Sempre na esperança de que dias melhores virão...



[1] Neopentecostais e o projeto de poder. Veja em:  https://diplomatique.org.br/neopentecostais-e-o-projeto-de-poder/ ; Para entender o projeto de poder de políticos e igrejas neopentecostais. Veja em:  https://jornalggn.com.br/politica/para-entender-o-projeto-de-poder-de-politicos-e-igrejas-neopentecostais/País terrivelmente evangélico é projeto de poder ou preconceito da elite. Veja em: https://tab.uol.com.br/noticias/redacao/2020/03/07/pais-terrivelmente-evangelico-e-projeto-de-poder-ou-preconceito-da-elite.htm

[2] A batalha entre católicos e evangélicos pelo domínio dos conselhos tutelares.    Veja em: https://g1.globo.com/politica/noticia/2019/10/01/a-batalha-entre-catolicos-e-evangelicos-pelo-dominio-dos-conselhos-tutelares.ghtml

[4] Extrema-direita: pautas moralistas unem religião e militarismo. Veja em: http://www.ihu.unisinos.br/78-noticias/602840-extrema-direita-pautas-moralistas-unem-religiao-e-militarismo

[5] Debate sobre cristofobia é estratégico para candidatura ultraconservadoras, avalia pesquisador. Veja em: https://brasil.elpais.com/brasil/2020-09-28/debate-sobre-cristofobia-e-estrategico-para-candidaturas-ultraconservadoras-avalia-pesquisador.html

[9] Brasil de Bolsonaro tem maior proporção de militares como ministros do que Venezuela. Veja em: https://www.bbc.com/portuguese/brasil-51646346

[10] Notícias falsas ameaçam processos eleitorais na América Latina. Veja em: https://brasil.elpais.com/brasil/2018/03/14/internacional/1521060611_975112.html

segunda-feira, 14 de setembro de 2020

Extrema direita: pautas moralistas unem religião e militarismo

Em plena pandemia ressurgem fantasmas insepultos, não enfrentados no período pós-ditadura e que habitavam o pântano brasileiro. Há uma profusão de eventos a revelarem que um lodaçal autoritário, moralista e hipócrita sustenta nossa sociedade (estruturalmente injusta, desigual, racista e homofóbica).

Nesse atoleiro, o bolsonarismo tenta avançar e fia-se em dois pilares: a caserna, a garantir o controle das instituições da República, apesar de regurgitações do Congresso e do Supremo e as igrejas, principalmente poderosas agremiações religiosas neopentecostais, a garantirem a base social. E como, ocasionalmente, parte da sociedade está entorpecida por migalhas de auxílios financeiros pandêmicos (que foram direcionados por Paulo Guedes e equipe em doses cavalares aos bancos[1], empresas[2] e setores rentistas - a garantirem o apoio as elites ao governo de plantão), as condições objetivas para o avanço do autoritarismo de viés moralista parecem promissoras, nessa empreitada dos novos cruzados do século XXI.

Surfando nessa onda conservadora e confiando no apoio de instituições religiosas obscurantistas e no autoritarismo de caserna, Bolsonaro e seu grupo palaciano resolveram avançar no charco movediço das chamadas pautas de costumes, conforme revelou reportagem do domingo (13/09) da Folha de S. Paulo[3]. Armamento da população, criminalização da educação, da cultura e da ciência (com incentivo à educação familiar) e a transformação de veículos automotores em armamento para agradar brucutus da classe média são alguns dos projetos que serão tocados no Congresso Nacional. Nada mais belicoso e ultrajante à dignidade humana e, portanto, anticristão.

E por mais paradoxal que isso possa parecer, a base social para esse tipo de empreitada usa da religião. Aliás, o uso da religião tem caracterizado a nova extrema-direita global, como revelou recentemente o vaticanista Iacopo Scaramuzzi em um livro recém-publicado, intitulado “Dio? In fondo a destra – Perché i populismi sfruttano il cristianesimo” (em tradução literal, Deus? No fundo à direita – Porque os populismos desfrutam do cristianismo), cuja capa estampa quatro dos principais expoentes desse fenômeno: Salvini, Trump, Bolsonaro e Putin.

Em entrevista a Lucas Ferraz, no Intercept Brasil em julho deste ano[4], o estudioso do Vaticano argumenta que a exploração do cristianismo, católico e evangélico, tem como objetivo “louvar um passado supostamente glorioso, além de ter um forte apelo a todos aqueles perdidos com as crises econômica, política, cultural, da globalização etc.”. “O fenômeno opera atualmente numa rede global e é um dos pilares de projetos como o de Viktor Orbán e sua democracia cristã iliberal na Hungria, do recém-reeleito Andrzej Duda e sua tradição sacra na Polônia, de Matteo Salvini, que tentou se tornar homem forte do governo da Itália brandindo rosários e falando em nome de Maria, além de ter pavimentado a vitória de Jair Bolsonaro e seu ‘Deus acima de todos’”.

No Brasil, grupos religiosos estão à postos para servirem de escudo à empreita moralista, justamente quando se avizinha o pleito municipal. A estratégia, não por acaso, é que os dois principais grupos que buscam ampliar o sucesso eleitoral (policiais e religiosos), pretendem engrossar ainda mais as bases de cruzados moralistas[5]. Outro não acaso: os dois grupos são as principais bases de apoio do bolsonarismo.

Enquanto isso, Damares, sua equipe e grupos localizados estrategicamente em ministérios como o do meio ambiente, educação e secretaria da cultura já agem há algum tempo arrancando cercas jurídicas e até constitucionais, nas barbas dos “poderes que funcionam”, para a boiada ultraconservadora passar. Vida de gado.

Nos últimos dias, lideranças religiosas alinhadas à teologia da prosperidade (de um deus que abençoa aqueles que gostam e têm dinheiro) e à teologia do domínio (assentada no pressuposto de que o domínio da terra foi usurpado pelo diabo  que, no delírio obscurantista de grupos religiosos, são os comunistas, esquerdistas, socialdemocratas, cientistas, progressistas, feministas, movimento LGBT+ etc.) apareceram com destaque na mídia destilando veneno homofóbico[6], ou seja, usurpando da pauta moral e de costumes para suscitar engajamento e adesão nas redes sociais conservadoras.

Noutra frente de disputas reais e simbólicas persiste a discussão das isenções fiscais a instituições religiosas (apesar do veto presidencial de mentirinha)[7]. O controle público das movimentações financeiras de igrejas é relevante porque muitas das agremiações religiosas se transformaram em verdadeiras lavandeiras financeiras, como afirmou a antropóloga e cientista política Jacqueline Muniz em entrevista à Revista Fórum: “Lavanderias do dinheiro do crime passa por agremiações religiosas. Onde é que você vai lavar o dinheiro do crime, você vai usar as agremiações religiosas porque cada uma delas tem um CNPJ. Então você pode criar uma casa de oração ali na esquina, lavar o dinheiro do crime e com isso também produzir intolerância religiosa, destruição de terreiros nas comunidades populares”, disse a especialista em segurança pública[8]. Isso sem contar a falta de transparência e eventual desvio de recursos financeiros, como denunciou o Ministério Público de Goiás em relação à construção da nova Basílica de Trindade. [9]

Uma reportagem da Agência Pública de agosto de 2020, intitulada “como o crime organizado tem explorado benefícios concedidos a igrejas para operar seus negócios ilegais”, informa que “uma investigação realizada por veículos de comunicação de dez países descobriu que, amparados nas leis de liberdade de culto, algumas igrejas e líderes religiosos nas Américas abusam da confiança de seus fiéis e cometem crimes como lavagem de dinheiro e fraude”.[10]

Não é de se estranhar a notícia do Portal G1, de 12/09, segundo a qual movimentações atípicas realizadas pela Igreja Universal do Reino de Deus, totalizando quase R$ 6 bilhões[11]. A Universal é uma dessas igrejas que mais ocupam cargos e espaços públicos. Inclusive patrocinou a criação de um partido político, o PRB, que mudou de nome (Republicanos) para surfar na onda da direita e extrema-direita[12].

Noutra reportagem da Agência Pública, comprova-se que uma aliança de Edir Macedo com Bolsonaro envolve presidência da Câmara, cargos no governo e perdão de dívidas às igrejas.[13]

Portanto, as relações entre igrejas, grupos ultraconservadores na política (nos três poderes, diga-se de passagem) e a utilização de dinheiro público e privado (dízimos e outras contribuições) para fins ilícitos é algo que merece toda a atenção.

Por outro lado, alianças entre o neopentecostalismo e o militarismo se dão em outras frentes. Reportagem da Revista Fórum de janeiro de 2020 intitulada “Igreja Universal cria seu exército particular com recrutamento de PMs” apresenta um vídeo institucional da “Universal nas Forças Policiais (UFP)”, braço da igreja de Edir Macedo nas “Forças de Segurança Pública, Forças Armadas e órgãos governamentais”. Segundo o vídeo, a Universal atingiu 983.441 policiais e familiares no ano de 2019, em 73.526 palestras, eventos e cafés realizados, e doado 439.471 “Bíblias e literaturas”.[14]

Esses são alguns dos sinais a demonstrarem que a nova onda de ataques de grupos bolsonaristas, nesse novo front de batalha, não se dará contra o Supremo ou o Congresso, mas contra os poucos avanços no campo de direitos dos chamados grupos minoritários (mulheres, negros, gênero), advindos com a Constituição Federal de 1988. Em artigo de maio deste ano intitulado “armar o país: a guerra santa bolsonarista” já prevíamos essa batalha político-religiosa. E a bancada BBB (bala, bíblia, boi) que não é nova (e conta com o apoio do “Novo”), parece oferecer o armamento de ocasião ao bolsonarismo.

O amálgama entre ultraconservadorismo religioso e militarismo autoritário merece atenção nessa quadra da nossa história.

Portanto, os democratas precisam olhar com bastante atenção para essa coalizão que une algumas igrejas e setores militares (ressalvando que há militares e igrejas democratas e republicanos) e, em muitas ocasiões, se associa às milícias, a revelar um perigoso pântano para o pouco que resta de democracia e a recordar tempos pouco memoráveis já vividos pela sociedade brasileira num passado recente.

 



terça-feira, 1 de setembro de 2020

Fascismo galopante: Bolsonaro é bode que repele e agrada

Observando o cenário sociopolítico e religioso no Brasil, nos últimos tempos, deparamos frontalmente com fatos que demonstram a urgência de se questionar o modelo que articula visceralmente o capitalismo (poder econômico) e uma democracia iliberal (poder político) com uma sociedade patriarcal-cristã-elitista.

No campo político-institucional, um governo militar-miliciano coligado com o que há de pior dos setores do cristianismo, empresariado, agronegócio e rentismo. Impulsionado por usurpadores de bens públicos e arrombadores, sem escrúpulos, das cercas e porteiras da Constituição e das leis, com forte apoio em segmentos moralistas e de mentalidade escravocrata da classe média privilegiada, em lideranças e instituições religiosas que depõem contra a ética cristã, em corporações judiciárias e outras semi-castas (profissionais liberais que se julgam elite), a coalizão no poder central soma-se ao fenômeno global da rearticulação da extrema-direita que, como uma ideologia autoritária sempre à espreita, ganha fôlego toda vez que são acentuadas as tensões e fragilidades sociais, notadamente num contexto de crise estrutural do capitalismo. 

Como analisa Robert Kurz, a direita radical é filha legítima da democracia, porque “toda democracia produz como reação imanente ao fim do processo de modernização, com regularidade lógica, o novo radicalismo de direita em qualquer de suas variações”. (A democracia devora seus filhos. Robert Kurz. Rio de Janeiro: Editora Consequência, 2020, 172 pp). Assim, o extremismo de direita no centro do capitalismo, neste momento histórico, corresponde ao aprofundamento da crise estrutural do capitalismo, sendo o novo radicalismo de direita filho legítimo da democracia de mercado, não uma excrescência.

Portanto, para além das questões conjunturais, trata-se de um processo histórico que se agudiza em sociedades periféricas marcadas por desigualdades e violências estruturais sempre maquiadas, naturalizadas e ratificadas pelas elites e setores conservadores da sociedade (como é o caso do Brasil).

É preciso superar o velho maniqueísmo que opõe o bem versus o mal e elege bodes expiatórios para purgar fenômenos sistêmicos, ao invés de enfrentá-los. Assim, Bolsonaro, em certa medida, não passa de um “bode malcheiroso na sala” que por um lado aponta à podridão de estruturas carcomidas por vícios históricos tolerados e compartilhados socialmente e que, mesmo assim, a exalar o odor putrefato, continua a mobilizar vários setores da sociedade, da política e da religião a comprovar que o “bode” não está sozinho. Ele, simplesmente, é o amálgama do velho (travestido de novo) que insiste em não morrer. Ou seja, Bolsonaro encarna o que parte significativa da sociedade, da política, da religião e da cultura sempre foi e continua sendo. Autoritarismo, racismo, misoginia, violência, vingança estão no ethos da nossa cultura; de todos os segmentos e classes. E esse é o monstro a ser enfrentado.

Isto posto, poderíamos apresentar, e não o faremos, um rosário de perguntas acerca dos limites do nosso modelo de sociedade, democracia, cultura política e religiosa.

Cidadãos e instituições poderiam fazer um esforço e pensar sobre isso...

sábado, 27 de junho de 2020

Acordão no horizonte sinaliza nova tentativa de pacto entre elites


Não é a primeira vez que isso ocorre nos últimos meses. Basta ler os editorais dos jornalões (dos barões da mídia), observar as análises econômicas de banqueiros e rentistas, acompanhar as manifestações de empresários (muitos de mentalidade escravocrata), verificar as manobras dúbias de coronéis da política e do judiciário para se levantar uma hipótese: parece que se costura, ou se tenta costurar, um grande acordão, com o Supremo com tudo, para -- fazendo vistas grossas aos muitos absurdos, crimes, violência à democracia e suas instituições protagonizados por Bolsonaro -- manter o bode malcheiroso na sala.

Para os segmentos elitistas da sociedade brasileira (e seus líderes) tudo pode ser relativizado, inclusive a civilidade, desde que o projeto neoliberal, conservador e excludente não seja ameaçado.
Discursos limpinhos e cheirosos, decantados em prosa e verso, sobre o “valor da democracia”, a “defesa da vida”, a “importância de se respeitar a Constituição” são como palavras ao vento para os tradicionais defensores de uma democracia de baixíssima intensidade, geradora de exclusão e garantidora de benesses. Tais slogans agradam a todos, gregos e troianos e interessam profundamente o 1% (os ricos) e os 30% da classe média (privilegiada) que, majoritariamente, desejam manter o Brasil na sua histórica posição entre os líderes mundiais de privilégios (para esses) e de desigualdade, violência e exclusão para os outros 70% da população. O que vale é uma democracia formal. Nunca, uma democracia real; substantiva.

Há que se perguntar aos arautos da “pátria mãe gentil” que aparecem nesses tempos sombrios: democracia para quem? Vida para quem? Liberdade para quem? Constituição para quem? Direitos ou privilégios?

Para os velhos e novos privilegiados do Brasil, que controlam “com lei e ordem”, ou “ordem e progresso” -- para agradar os positivistas --, um modelo de sociedade estruturada na violência, no racismo, na segregação socio-econômica-étnico-espacial, subserviente aos interesses de fora (primeiro da Europa, depois dos Estados Unidos da América), o importante é que Bolsonaro “se comporte” para atender aos seus interesses. E não atrapalhe Guedes e sua tropa neoliberal e rentista -- prepostos dos verdadeiros donos do poder.

Não interessa ao grupo do 1% e dos privilegiados:

- Se milhares de brasileiros, a maioria pobre e preta, morrerá na pandemia vítimas da incúria do governo central e sua tropa negacionista;

- Se populações indígenas estão sendo, mais uma vez, vítimas de genocídio -- com as vistas grossas desse mesmo governo;

- Se o povo é tratado como massa de manobra para atender aos interesses mais escusos das máfias e milícias incrustradas nos poderes econômico e político (e também religioso), com a complacência do governo;

- Se o estado está sendo militarizado para agradar os velhos intentos corporativos dos pretorianos das elites;

- Se no plano internacional o país se torna um pária, ignorado e gradativamente excluído, simbólica e objetivamente, no concerto das nações;

- Se o que resta do nossa soberania e meio-ambiente são negociados com quem der mais, de portas abertas para a boiada passar;

- Se o moralismo religioso (dos sepulcros caiados, obscurantistas e fundamentalistas) se impõe como política pública, estuprando o estado laico;

- Se o sistema de justiça continua um dos mais seletivos, elitistas e vingativos do planeta;

- Se o desmonte do Estado -- com a dilapidação de suas riquezas e patrimônio e a destruição das políticas públicas e sociais -- levará o país a bancarrota em pouco tempo...

Interessa para esses grupos de privilegiados a defesa de um modelo de sociedade que mantenha os lugares sociais historicamente pré-determinados (dos pobres, pretos, vulneráveis; enfim, dos descartáveis). E que a apropriação dos bens públicos, a expropriação das riquezas nacionais e a exploração do trabalho continuem monopólios garantidos às famílias dos coronéis de sempre.

O discurso de defesa da democracia e da Constituição, entre outros, muitas vezes é usado como um artigo de perfumaria, manobrado estrategicamente por esses privilegiados quando percebem que seus interesses estão ameaçados.

Mais uma vez, parece se construir um pacto entre elites, inclusive com alguns dos burocratizados setores das esquerdas. Um acordão que vira as costas para o povo, a soberania nacional, a possibilidade de construção de um país onde caibam todas e todos, mantendo-se um governo claramente neofascista.

Se não é possível disfarçar o malcheiroso bode que esses setores colocaram na sala, nem com colossal quantidade de perfume importado, parece que se pactuará para que o bode continue, desde que não estrague os planos dos capitães do mato de sempre.

Amém!